24 de junho de 2010

Um apartheid às avessas

Mandela bem que tentou, mas o racismo ainda está longe de ser extirpado da África do Sul. Apesar de todos os esforços do primeiro presidente negro para sepultar as velhas rivalidades e construir uma unidade nacional, o país se curvou aos desígnios de um grupo revanchista que assim que chegou ao poder, mudou nomes de ruas, caçou direitos políticos da minoria branca e adotou um sistema de governo que se parece muito com o antigo apartheid.

Isso é o que mostra a reportagem de Andre Fontenelle, para a revista Época dessa semana:
"Quem entrou na escola depois de 1994 não deveria estar sujeito à ação afirmativa", disse um jovem branco, referindo-se à política de cotas implantada depois do apartheid para reduzir a desigualdade entre brancos e negros. "Em um concurso para 50 vagas de piloto de helicóptero na polícia, havia 150 candidatos brancos. Nenhum foi aprovado", queixou-se outro branco. "Vocês se recusam a nos devolver nossas terras porque dizem que não sabemos cultivá-las", retrucou um negro. Um debatedor branco decidiu se exprimir em africânder, e não em inglês. "Esse comportamento de perguntar em africânder é intolerável!", protestou um negro. "É meu direito falar em minha língua", respondeu outro branco, tomando as dores do colega.

Basta assistir meia hora deste debate para se ter uma ideia do abismo que separa os sul-africanos pela cor da pele. O fim relativamente pacífico do apartheid deixou sem solução uma série de questões que caberá à nova geração resolver. Para os negros, o controle da economia continua injustamente na mão dos brancos; estes, por sua vez, se sentem cidadãos de segunda classe num país em que todas as leis parecem favorecer o antigo oprimido.

A minoria caucasiana enfrenta um problema inédito – a pobreza. "Dos 4 milhões de brancos da África do Sul, 750 mil vivem com menos de 4 mil rands (cerca de R$ 940) por mês", diz Tiaan Esterhuizen, de 25 anos, dirigente da Helpende Hand, organização dedicada a combater a "pobreza branca". "Os brancos pobres estão entregues à própria sorte, porque não têm direito à ajuda do governo", afirma Ernst Roets, advogado de 24 anos e líder do AfriForum, entidade de direitos civis que luta pelos direitos das minorias. Segundo Roets, há 70 favelas de brancos nos arredores de Pretória: "Se alguém fala que é preciso ajudar os brancos, é acusado de racismo". A nova geração de brancos defende o fim, ou pelo menos a flexibilização, do conjunto de leis que concede aos negros a prioridade no recrutamento das empresas.
Infelizmente, a íntegra da matéria só está disponível para assinantes.

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4 comentários:

  1. O buraco em bem mais em baixo. Nomes de ruas que lembram uma página triste de uma história e uma minoria corrupta no poder. E o percentual de pobres é absurdamente maior entre os negros. Não há como tratar com igualdade uma sociedade que foi tão desigual por muito tempo.

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  2. Muito Boat Tarde. É um prazer visitar o seu blog! Vou vir mais vezes. Gostaria (se fosse possivel) que divulgasse o meu blog pelos seus amigos e conhecidos e a quem quiser que se torne seguidor. Abraço!

    http://quadratura-do-circulo.blogspot.com/

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  3. Rodrigo,

    Discordo veementemente de você!

    Quando Mandela assumiu o poder, começaram a surgir inúmeras pressões para que ele alterasse os nomes das ruas, mudasse a cor do uniforme da seleção de rugby e demitisse a minoria branca dos cargos públicos. Felizmente, ele se recusou a fazer todas essas coisas. No fundo ele sabia que não havia como criar um país unido fomentado discriminações. Foi, sem dúvida, uma sábia decisão.

    Mandela aprendeu, a duras penas, que tornar as condições de disputa iguais é bem diferente de semear as desigualdades. Que bom, pois quem insiste em igualar os desiguais por meio de ações afirmativas presta um serviço à injustiça e acaba beneficiando os piores em detrimento dos melhores.

    O caminho da conciliação é muito difícil, claro, mas também é frutífero. Por isso, aqueles que desejam criar meios para que a população negra - da África ou de qualquer outro lugar do mundo - possa competir em pé de igualdade, terão que aprender que dois erros não tem o condão de fazer um acerto. Do contrário, a luta por melhores condições acabará descambando para o revanchismo e isso não é apenas absurdo... Também é imoral!

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  4. Mandela não prendeu nem quem prendeu ele. A conciliação é difícil certamente, mas não se trata de favorecer negros. Uma minoria trocou nomes de lugares, ruas e costumes. Nem vou me alongar em falar das explorações feitas em um trabalho quase escravo no mercado de jóias (mercado convidativo onde jóias são mais baratas que no BRASIL, país de turismo direcionado para esse mercado). Existe na África do Sul uma busca pela identidade perdida, ou melhor roubada.

    Vale começar a entender a África na época das navegações, pois tem uma história comovente e rica em vários aspectos.

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