31 de maio de 2010

Que Passárgada, que nada. Eu quero ir para o país dos Houyhnhnms!

Eu ainda não tive a oportunidade de ir ao país dos Houyhnhnms, mas bem que gostaria de ter ido. Lá não existe a palavra mentira. Se alguém diz alguma inverdade, eles dizem que está dizendo a coisa que não é. Os Houyhnhnms não possuem na sua língua vocábulos para exprimir a verdade ou a mentira. Assim sendo, duvidar e não acreditar no que se ouve é para os Houyhnhnms uma operação de espírito à qual não estão habituados. Quando são obrigados a isso, o espírito lhe abandona o corpo. Quem nos descreve essas peculiaridades é o capitão Lemuel Gulliver.
"- Recordo-me até de que, conversando algumas vezes com meu amo a respeito das propriedades da natureza humana tal como existe nas outras partes do mundo, e havia ocasião para lhe falar da mentira e do engano, tinha muito custo em perceber o que lhe queria dizer, porque raciocinava assim: o uso da palavra nos foi dado para comunicarmos uns aos outros o que pensamos e para sabermos o que ignoramos. Ora, se dizemos a coisa que não é, não procedemos conforme a intenção da natureza; faz-se um abusivo uso da palavra; fala-se e não se fala. Falar não é fazer compreender o que se pensa?

- Ora, quando o senhor faz o que se chama mentir, dá-me a compreender o que não se pensa: em vez de me dizer o que é, não fala, só abre a boca para articular sons vãos, não me tira da ignorância, aumenta-a.

- Tal é a idéia que os Houyhnhnms têm da faculdade de mentir, que nós, homens, possuímos num grau tão perfeito e tão eminente".
Estes excertos foram extraídos do livro "As Viagens de Gulliver", certamente a obra mais sarcástica já escrito sobre a espécie humana. Os Houyhnhnms, descritos pelo capitão Lemuel Gulliver, são cavalos. Em seu país vivem também os Yahoos, seres simiescos e vis, semelhantes aos humanos, que costumam subir nas árvores para jogar excrementos nos Houyhnhnms. O convívio com esses dois povos tão diferentes entre si, deixou o capitão Gulliver tão impressionado que ao voltar à sua Inglaterra natal, tomou distância de seus familiares e passou a freqüentar sua estrebaria onde passava longas horas conversando com os cavalos.

Conversar com os cavalos não é uma má ideia. Sobretudo em um país como o nosso, onde a todo instante lemos e ouvimos "a coisa que não é". A começar pelo chefe da nação, que consegue o milagre de transmitir ao povo onze mentiras a cada dez frases. A mentira é inerente a todos os políticos e não há como ser eleito sem recorrer a ela. E isso não é tudo! A mentira também é inerente aos advogados. Todos os dias, nossos ilustres rábulas nos brindam com novas e maiores mentiras para livrar a cara dos seus clientes que muitas vezes são políticos. É, portanto, um motocontínuo!

Não há, no entanto, como nos indignarmos com o fato dos criminosos confessos mentirem deliberadamente para preservarem a sua liberdade. Afinal, sabemos exatamente o que esperar de tipos assim. Contudo, nos indignamos com as mentiras daqueles a quem delegamos a condução do nosso país, pois acreditamos que eles são "homens de bem". Quando a mentira se torna saúde e verdade insânia, quem padece somos nós que permanecemos aferrados a ilusão da verdade. Daí em diante, o que se vê é uma espiral descendente que parece não ter fim. Mente o pai para o filho e o filho para o pai, mente o marido para mulher e a mulher para o marido. Até a história se converte em uma mentira: "A lenda é uma mentira que ao final se torna história", dizia Jean Cocteau.

Esse estigma nos acompanha há séculos. Devemos o nosso passado a uma mentira que nos foi contada pelos religiosos e, talvez por isso, tenhamos entregamos o nosso futuro à mentira que nos foi contada pelos ideológos. Camus costumava dizer que "a mentira é um belo crepúsculo que realça cada objeto". Pelo visto, ele tinha razão! Nos dias de hoje, ela é reproduzida pela imprensa como se fosse verdade e nas mãos dos cronistas ganha ares de aleivosia. Dessa forma, constroi-se um cenário insólito, onde aqueles que negam a mentira, passam a ser vistos como loucos, negadores da própria verdade. E não adianta fugir, pois a mentira é um fenomeno universal. Ela só não existe no país dos Houyhnhnms, que infelizmente não passa de um lugar fictício.

Mas, se a mentira é um fenomeno universal, por que cargas d'água deveríamos nos envergonhar? É simples! Devíamos nos envergonhar porque, ao contrário das outras nações do mundo, nós promovemos a mentira a categoria de direito inalienável e atribuimos aos mentirosos o adjetivo lisonjeiro "esperto", de "expertise" ou especialista. Durante as CPIs, que são constituídas para se chegar à verdade, os nossos magistrados concedem habeas corpus preventivos para garantir aos depoentes o sagrado direito de mentir. O leitor pode procurar no universo das nações uma única Corte que garanta aos seus cidadãos o direito de mentir, pois eu duvido que irá encontrar. Na maioria dos lugares do mundo, o prosaico hábito de mentir derruba os presidentes, mas no Brasil e ele que os sustenta.

Por essas e outras, devemos tomar cuidado com aquilo que dizemos. Não podemos nos esquecer que nos países em que a mentira é tratada como a norma, a verdade é vista como crime.

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28 de maio de 2010

A lógica do quanto pior melhor

Ontem a noite foi ao ar a propaganda partidaria do DEM. O partido trouxe o candidato tucano José Serra como destaque e, a exemplo da peça petista, teve uma mensagem absolutamente clara, sem ambiguidades. Embora nem um nem outro tenham falado em eleição, os recados são inequívocos: para os petistas, Dilma é a melhor para dar continuidade à obra de Lula; para os democratas, Serra é o melhor para o Brasil conquistar mais do que já tem.

O PT chegou a entrar com uma representação no TSE pedindo a suspensão do horário político do DEM, mas teve o pedido veementemente negado pelo ministro Aldir Passarinho. O ministro fez questão de lembrar que a representação proposta pelos petistas caracterizava censura prévia. A representação me fez recordar o drama dos dissidentes políticos que vivem na China: a cada aniversário do Massacre da Praça da Paz Celestial, o governo chinês prende algumas centenas de pessoas para que elas não pensem em protestar.

Estou certo que alguns leitores não acharão este assunto adequado a proposta do blog, mas depois de ler esse texto vocês compreenderão que a disscussão vai muito além do debate político.

Em suas notas sobre a Inglaterra, Montesquieu escreveu: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas com prontidão, pois boas leis existem por toda parte". O ilustre francês deve estar desapontado com o nosso país, pois apesar de todas as leis proibindo a antecipação da campanha eleitoral, ela tomou as ruas e os infratores passaram ao largo, ignorando todas as restrições legais.

O Presidente da República, que deveria ser um exemplo de lisura e honestidade para todos os brasileiros, foi multado nada menos que QUATRO VEZES pelo TSE por realizar campanha eleitoral ilegal. A última inserção televisiva do PT, por exemplo, ocorreu no mesmo dia em que o TSE julgava as inserções do partido exibidas em 2009 - julgamento adiado por motivos vários. Resultado: o partido foi punido por propaganda antecipada com a perda do horário político em... DOIS MIL E ONZE! Definitivamente, o crime compensa, ao menos o eleitoral.

A leniência do TSE para com os transgressores levanta algumas dúvidas: a imensa aprovação popular do presidente da República tem o condão de preservá-lo contra eventual punição caso seja denunciado por crime eleitoral? A permissividade que se observa no patamar de cima não induz atores de patamares de baixo a caminharem numa rota de ilegalidade? É óbvio que sim! E a propaganda que o DEM levou ao ar na noite de ontem é a maior prova disso.

Pode-se discutir as regras, as leis, sua validade etc., mas não se pode DESCUMPRI-LAS pelo fato de discordar do seu rigor. Entretanto, foi exatamente isso que o DEM fez ao exibir uma peça publicitária do candidato tucano, José Serra. Há, porem, um detalhe que não pode ser menosprezado: podemos acusar o DEM de escarnecer das regras mas não de modificá-las em benefício próprio. Se você quer achar o Arquimedes, procure-o fora do DEM.

Foi o PT quem instaurou esse vale-tudo eleitoral, fazendo com que os demais partidos políticos começassem a achar que respeitar a lei é o mesmo que conceder uma vantagem substancial ao adversário. Graças a lógica petista do "quanto pior melhor", a imensa maioria dos partidos foi arrastada para a ilegalidade. Afinal, eles prefem apostar em uma justiça eleitoral morosa e extremamente leniente com aqueles que transgridem as leis do que correr o risco de entregar as eleições de lambuja para o adversário. Em parte, eles estão certos, pois se perdessem posando de guardiães da moral e da ordem pública, ainda teriam que ouvir o berro dos brasileiros que aderiram a Lei de Gerson: "Bem feito! Quem mandou reclamar ao invés de agir".

A culpa por este imbróglio é dos próprios brasileiros, que preferem fazer vista grossa para os abusos dos seus candidatos a cobrar uma postura ética e comprometida com os ideiais democráticos. Some-se a isso o fato de haver um hiato de dois meses entre o anuncio da candidatura e o início da campanha eleitoral e temos um cenário que propicia toda sorte de ilegalidades. Contudo, a passividade do nosso povo e as incoerências do legislativo, não podem servir como justificativa para os candidatos continuarem burlando as leis de maneira consciente e deliberada. Se ignorarmos a lógica e enveredarmos por este caminho, estaremos privatizando as virtudes e socializando as ilegalidades.

Infelizmente, a imprensa encarregada de cobrir as eleições já aderiu a esse princípio. Os jornalistas que deveriam fiscalizar e denunciar estes abusos, se acostumaram a tratar os pecados e pecadilhos dos nossos políticos como algo absolutamente normal. A cada nota de rodapé que os jornalistas dedicam às multas, às infrações e aos crimes (sim, isso é CRIME!), eles contribuem para o aumento da sensação de impunidade. Há uma ilegalidade, há uma "multa" e tudo continua absolutamente "normal". Como se não bastasse, os que estão financeiramente vinculados aos candidatos não dão uma só nota sobre o tema e, quando o fazem, tratam desses casos como se fosse admissível burlar a lei pelo fato da legislação não lhes parecer adequada.

Assim, os partidos seguem, teratologicamente, acusando uns aos outros daquilo que chamam de "baixaria na campanha eleitoral". Os ministros do TSE permanecem lamentando a falta de interesse dos políticos em "sanear os nosso costumes" e os eleitores... Bem, os eleitores já estão devidamente anestesiados e não estão dando a mínima para a comédia dos costumes que se tornou a vida pública brasileira. É evidente que nem o PT e nem o PSDB estão interessados em mudar esse quadro. Nenhum deles está verdadeiramente preocupado em promover qualquer aperfeiçoamento estrutural das nossas instituições, pois ambos estão ocupados testando os limites da legalidade para alavancar os seus candidatos. Na prática, os partidos reconhecem a sua própria incapacidade de conviver com a cultura da probidade e do zelo e seguem com a sua rotina de trangressões sem hesitar ou se envergonhar.

Quem perde com essa queda de braço político-eleitoreira é a democracia, que passa a conviver com toda sorte de abusos em nome da busca incessante pelo poder e tem o debate político rebaixado a uma corrida de ilegalidades que parece não ter fim. É inequivocamente inadmissível que os candidatos à presidência da república se transformem em praticantes costumazes da ilegalidade eleitoral, levando uma multa atrás da outra. Se a campanha é indiscutivelmente ilegal, em que medida a eleição que provem dela é legítima?

Aquilo que nós presenciamos ontem foi apenas um indício do que está por vir. O mês de maio foi marcado por uma série de intervenções petistas no rádio e na TV, mas o mês de junho será dos tucanos que provavelmente irão usar o tempo destinado a propaganda dos partidos políticos que compõem a sua aliança para popularizar o seu candidato. Uns alegam que o excesso de rigor da justiça eleitoral só prejudicaria o processo democrático e outros, mais sensatos, alegam que é justamente a falta de rigor que propicia situações como essas. Uns vibram com os pontos que os seus candidatos aferem todas as vezes que os partidos fazem uma incursão vergonhosa ao terreno da ilegalidade e outros lamentam essa profunda falta de brios que acometeu as pessoas do nosso país.

Numa analogia futebolística, é como se dois times estivessem comemorando gols irregulares em uma partida ainda em curso. O problema é que não se trata de um jogo, mas sim do futuro deste país e da credibilidade das suas instituições. As quatro multas que foram aplicadas a Lula, as duas que foram aplicadas a Dilma e aquela que, provavelmente, será aplicada a José Serra, ilustram o quadro de desrespeito pelo aparato legal que tomou conta dessa disputa e vocês sabem... Quando o poder rebaixa a institucionalidade, o resto o segue numa espiral negativa.

O país do "jeitinho" nunca esteve tão perto de se transformar em uma ditadura branca. O regrismo de Pedro Santos*, médico que se elegeu prefeito de Montes Claros (MG), está prestes a ser suplantado pela lógica torpe de meia-dúzia de políticos de moral desbragada que preferem governar na desonra do que perder na honra.

* Por temer estragos no jardim, o prefeito de Montes Claros, Pedro Santos, mandou afixar uma placa com os seguintes dizeres: "Proibido pisar na grama. Quem não souber ler favor perguntar ao guarda".

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27 de maio de 2010

Tudo pela cultura nacional

Acabo de saber, por meio do blog do Rodrigo Constantino, que o senado aprovou ontem um Projeto de Lei que obriga as escolas públicas de todo país a exibirem sessões mensais de filmes brasileiros. A proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi apreciada em caráter terminativo na Comissão de Educação, Cultura e Esporte e agora segue para a Câmara dos Deputados, antes de ser sancionada pelo presidente. Se a lei for colocada em prática, as unidades de ensino básico do país terão que separar pelo menos duas horas por mês da grade extra-curricular para exibições do cinema nacional.

Quando não mais indignar-me é porque estou envelhecendo, dizia André Gide. Se assim for, o Brasil me promete eterna juventude. Nos estertores do século passado, Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal e hoje senador da república, afirmava em seu cartão de fim de ano: "O século XX criou o computador e o flanelinha, a nave espacial e o trombadinha, o robô e o pivete, o internauta e os cheiradores de cola". O sofisma não só passou impune, como foi citado como um momento de brilhantismo do governador.

Fosse eu o século XX, processava o sujeito por calúnia e ainda exigia indenização por danos morais. Quem criou o computador e a nave espacial não foi o século, mas os Estados Unidos. Quanto aos flanelinhas, trombadinhas e cheiradores de cola, estes são coisas nossas, como a poróroca, o carurú e a jabuticaba. Sofismador de mão cheia, Cristovão Buarque juntou avanço tecnológico e miséria no mesmo saco e os atribuiu ao tempo. Ora, a Europa vive no mesmo tempo que nós e lá não encontramos os flanelinhas, trombadinhas e cheiradores de cola que, à semelhança dos juízes classistas, dos reitores eleitos por bedéis e dos cheques pré-datados, vemos em nosso grotão tupiniquim. A frase do governador é típica dos patrioteiros ufanistas: o Brasil é lindo e suas mazelas são decorrências do tempo que passa.

Mal saiu da prancheta, o projeto já começou a gerar controvérsias. Rosalba Ciarlini, senadora do DEM, partido tão venal quanto o PT, deu dois pareceres totalmente diferentes sobre o dito cujo. Em maio do ano passado, defendeu sua rejeição: "Esse tipo de norma, por sua rigidez, conquanto possa servir a interesses diversos e estranhos à escola, pouco ou nada contribui para a melhoria do ensino. Ao contrário, pode diminuir a margem de autonomia e de flexibilidade dos estabelecimentos de ensino". Mas em novembro, voltou atrás, e se desmachou em elogios para a proposta, sob a alegação de que a obrigatoriedade das escolas exibirem filmes nacionais "será benéfica para ambos, estudantes e indústria cinematográfica. A produção nacional, com raras exceções, tem qualidade plástica e conteudista irretorquível, diversidade temática e de público-alvo".

As artes nacionais, de tão excelentes, vivem hoje de esmolas do poder. Tanto escritores como cineastas, artistas plásticos, atores de teatros, são humildes pedintes de verbas governamentais, que estendem o chapéu ao Planalto e vivem de caridade pública. Como se não bastassem os subsídios que já existem (Lei Rouanet e Lei do Audivisual), o governo quer criar outros tantos para estimular uma industria de péssima qualidade que produz obras que ninguém, em sã consciência, quer assistir. Daí a ideia estapafúrdia de expor as crianças e os adolescentes ao cinema nacional. Os nossos burocratas acreditam que se os alunos da rede pública de ensino foram expostos a essas películas, vão desenvolver o senso estético necessário para passar a aprecia-las. Segundo Cristovam Buarque, "a médio e longo prazo, o público poderá de fato financiar o cinema, como acontece em outros países".

Que outros países, senador? Estará Vossa Excelência se referindo aos extintos países socialistas, onde toda arte dependia da complacência do poder? Decerto não está se referindo aos Estados Unidos, onde um cineasta de peso, como Stanley Kubrick, teve que gastar até o seu último vintem para rodar Apocalipse Now, sem receber qualquer contrapartida do Estado. Certamente o senhor não está se referindo à Itália, que deu ao mundo um Fellini sem jamais meter a mão no bolso do contribuinte.

Para a cineasta e professora do curso de Audiovisual da Universidade de Brasília, Dácia Ibiapina, a proposta será muito bem recebida entre os produtores e diretores de cinema, que convivem com um mercado exibidor restrito. "O ideal era que naturalmente os brasileiros demandassem seu cinema, mas, como a gente vive num país em que a indústria cinematográfica tem muita dificuldade de se afirmar e muitos filmes nem chegam a ser lançados, mecanismos como essa lei podem ajudar a reverter essa situação".

Claro que será muito bem recebido pelos produtores e diretores de cinema; estes corruptos que não conseguem fazer arte decente e dependem do Estado para escoar a sua produção de enésima qualidade. Fico me perguntanto por que cargas d'gua eu, brasileiro, tenho de ver cinema brasileiro? Vejo o cinema que me agradar, ora bolas! Os distribuidores já nos impõem o cinema ianque, os Titanics, as Arcas Perdidas e os Avatares da vida. Agora o Estado brasileiro passa a impor os abacaxis nacionais. Aqui entre nós, os abacaxis do Norte pelo menos têm melhor gramática.

Não bastasse o contribuinte financiar esta mediocrada que faz cinema, teatro e literatura no Brasil, agora os filhos dos contribuintes terão de engolir goela abaixo as "obras" – no sentido pejorativo do termo – dos medíocres amigos do poder. A medida é de um viés totalitário que sequer foi sonhado pelos países comunistas. Neles, o cinema era estatal, mas pelo menos não era imposto em todas as escolas.

Nestes dias em que se luta contra o ensino da religião nas escolas públicas, urge que lutemos contra uma medida ainda mais grave: o projeto do senador Cristovão Buarque. O Senado já o engoliu e a Câmara certamente o aprovará. É óbvio que o filho do Brasil o sancionará. Você imaginou seu filho sendo obrigado a assistir odes a Lula e a Chico Xavier? Mais apologias a terroristas e traficantes de drogas? Esta corrupção, com patrocínio do Legislativo, jornal algum denuncia. Também pudera! Suas páginas estão cheias de escritores, atores e artistas que são verdadeiros gigolôs do poder. Que nada valem por suas obras e que só são conhecidos porque impostos a um público indefeso. A União Soviética morreu há duas décadas, mas o seu modus operandi não.

Se as coisas continuarem no pé em que estão, daqui há pouco estaremos defendendo a imposição de mais duas horas de teatro nacional aps alunos da rede pública de ensino. Mais outras duas de Rede Globo. Mais outras tantas de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Mais duas de Xuxa e Sílvio Santos. E mais duas – por que não? – de Edir Macedo e R. R. Soares. Tudo pela cultura nacional.

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25 de maio de 2010

Jorge Amado e a Fortuna Moral

Termina hoje o Seminário Acadêmico Internacional sobre Jorge Amado, promovido pela editora Cia. das Letras e coordenado pelo departamento de Antropologia da FFLCH – USP. Infelizmente, nenhum dos professores presentes teve a coragem e a ousadia de mencionar a face menos lisonjeira da vida do baiano de Itabuna. Deve ser difícil para os intelectuais uspianos presentes no evento, admitir que o escritor brasileiro mais divulgado no exterior era um estafeta do nazismo, um agente do stalinismo e um roteirista oficioso a serviço da família Marinho.

Jorge Amado era um homem repleto de contradições aparentemente inexplicáveis. Em 1936, foi preso no Rio de Janeiro, por participar da Intentona Comunista, liderada por Luis Carlos Prestes. Contudo, em 1940, apenas quatro anos depois, assumiu a edição da página de cultura do jornal Meio-Dia (uma publicação favorável ao regime nazista). Mas como um aguerrido militante comunista se transformou num colaborador do regime hitlerista? A resposta é simples! Em 1939, o Ministro do Exterior Soviético Vyacheslav Molotov e o Ministro do Exterior da Alemanha Nazista Joachim von Ribbentrop, assinaram um pacto de não-agressão que ficou conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop. Amado, que era um stalinista convicto, se aproveitou do fato do seu ídolo ter se aproximado dos alemães para fazer o mesmo.

Felizmente, nem todos os membros do partido comunista compartilhavam dessa tese. Alguns ainda tinham brios e preferiram viver de acordo com as suas convicções a ensaiar uma aproximação com aqueles que até outro dia, eram os seus maiores inimigos. Uma dessas pessoas foi o escritor paulista Oswald de Andrade, que denunciou Amado como "espião barato do nazismo" e exigiu que ele se retirasse imediatamente de São Paulo. Diante da recusa do colega baiano, Oswald de Andrade decidiu retirar a sua inscrição do Partido Comunista. Mais tarde, o próprio Oswald decidiu falar sobre o episódio em uma entrevista:
"Diante de tantos erros e mistificações, retirei a minha inscrição do partido. Numa reunião da comissão de escritores, diante de quinze pessoas do PC, apelei para que o Sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo, antigo redator qualificado do Meio-Dia. Contei então, sem que Jorge ousasse defender-se, pois tudo é rigorosamente verdadeiro, que em 1940 Jorge convidou-me no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Jorge, depois me informou que esse livro poderia me render 30 contos. Recusei, e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas do mesmo alemão". (Excerto extraído do livro "Os Dentes do Dragão", Editora Globo, 1929)
É evidente que Jorge Amado jamais admitiu que havia trabalhado a soldo do partido nazista, mas alguns fatos posteriores vieram a corroborar a versão de Oswald de Andrade. O editor responsável pela introdução da obra do escritor baiano na Europa Ocidental, por exemplo, foi Hans Curt Werner Meyer-Clason. Um homem que, poucos anos depois, foi denunciado pela revista Der Spiegel, como espião do Terceiro Reich no Brasil. A acusação causou espanto, pois Meyer-Clason é o maior tradutor de literatura brasileira para a língua alemã e trabalhou com escritores como João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa (este último, embaixador do Brasil na Alemanha de Hitler).

Em 1941, a Alemanha iniciou a invasão do território soviético pela Operação Barbarossa, obrigando Stalin a romper o Pacto Molotov-Ribbentrop. Com o fim do acordo de cooperação entre os dois países, Amado voltou a ser um militante comunista. Já como deputado federal pelo Partido Comunista, ele publica "A Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança". O panfleto, encomendado pelo Kremlin, foi traduzido e publicado nas democracias ocidentais e nas ditaduras comunistas, como parte de uma campanha para libertar Prestes da prisão, após sua sangrenta tentativa, em 1935, de impor ao Brasil uma tirania no melhor estilo stalinista.

Para Amado, Prestes "é o herói que nunca se vendeu, que nunca se dobrou. Sobre quem a lama, a sujeira, a podridão, a baba nojenta da calúnia nunca deixaram rastro". Para o escritor baiano, a prisão do Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro e líder da Intentona Comunista de 35, simbolizava o encarceramento do próprio povo brasileiro:
"Como ele o povo está preso e perseguido, ultrajado e ferido. Mas como ele o povo se levantará, uma, duas, mil vezes, e um dia as cadeias serão quebradas, a liberdade sairá mais forte de entre as grades. ‘Todas as noites têm uma aurora’, disse o Poeta do povo, amiga, em todas as noites, por mais sombrias, brilha uma estrela anunciadora da aurora, guiando os homens até o amanhecer. Assim também, negra, essa noite do Brasil tem sua estrela iluminando os homens, Luís Carlos Prestes. Um dia o veremos na manhã de liberdade e quando chegar o momento de construir no dia livre e belo, veremos que ele era a estrela que é o sol: luz na noite, esperança; calor no dia, certeza".
Em 1946, Amado assina a quarta Constituição Brasileira. Dois anos depois, seu mandato é cassado em virtude do cancelamento do registro do Partido Comunista. O escritor passa então a viver em Paris, onde convive com intelectuais como Sartre, Aragon e Picasso. Na década de 50, ele se muda novamente e passa a residir no Castelo da União dos Escritores, na ex-Tchecoslováquia. Lá ele escreve "O Mundo da Paz", uma ode a Lênin, Stalin e ao ditador albanês Envers Hodja.

Em 1954, Amado publica os três tomos de "Subterrâneos da Liberdade", onde ele narra a saga do Partido Comunista no Brasil com a mesma desenvoltura e acuidade com que Homero narra o triunfo de Aquiles sobre Tróia. A obra é composta por três volumes distintos: Os Ásperos Tempos, Agonia da Noite e A Luz no Túnel. Graças a estes três livros, Amado passou a ser visto como um exímio representante da literatura nacional. No entanto, não havia nada de "nacional" na literatura de Jorge Amado. Seus livros introduziram na literatura brasileira uma fórmula soviética conhecida como realismo socialista, famosa pelas contribuições de Maxim Gorki, Anatoli Lunacharski, Alexander Fadéev e Andrei Zdanov. Há bem da verdade, foi somente em 1958, com "Gabriela, Cravo e Canela", que Amado deixou de lado sua militância comunista e passou a fazer uma literatura brasileira; repleta de tipos folclóricos baianos. Infelizmente, as características desse novo gênero se pareciam muito com o do antigo.

De um lado estavam os bons, ou seja, os que se incluem na "chave" mística do "trabalhador", do "operário". Do outro lado estavam os maus, isto é, todos os outros, especialmente o "proprietário" e a "polícia", as duas entidades arimânicas deste singular universo. Os primeiros são honestos, generosos, desinteressados, amigos da instrução e do progresso. São patriotas, bons pais de família, sóbrios, artesãos delicados, técnicos conscienciosos, empregados eficientes, imaginativos e incansáveis. Focos de um poderoso magnetismo pessoal, cheios de inata vocação de comando e, ao mesmo tempo, do espírito de disciplina mais irrepreensível. São indivíduos corajosos, sentimentais, poetas instintivos, verdadeiros modelos de solidariedade dos quais emerge uma nobreza que resplandece como um halo.

Já o "proprietário" é um ser asqueroso e nojento, chafurdado em todos os vícios, grosseiro, bárbaro, corrupto, implacável na cobrança dos seus juros, lascivo na presença das viúvas jovens e perseguidor feroz das idosas. É barrigudo, fuma enormes charutos, arrota sem nenhum pudor, vive repleto de amantes e provavelmente de doenças inconfessáveis. É membro da sociedade secreta chamada "capitalismo", onde defende os seus interesses de maneira atroz, apresenta traços de covardia, desonestidade, egoísmo e ignorância. Não raro, é vendido ao dólar americano e se apresenta como um marido brutal e um pai perverso. É irritante, antipático, rotineiro, frio como uma enguia, incapaz de sinceridade. Enfim, é uma espécie de encarnação contemporânea dos demônios chifrudos com que a Idade Média assustava a si mesma.

Valendo-se dessa divisão maniqueísta, Amado pinta o mundo com as cores que lhe parecem mais apetecíveis e desenha um cenário onde o ditador espanhol Francisco Franco faz às vezes de um demônio ao passo que Joseph Stalin, é retratado como uma criatura quase divinal. Em mundo tão simplório quanto este, seus personagens se transformam em títeres inverossímeis e sem vida ou vontade própria. O personagem, par excellence, é o Partido Comunista, onipresente como o antigo deus cristão e personificado na figura de Stalin. A luta do PC é a luta - na ótica do autor - do povo brasileiro contra a tirania, no caso, Getúlio Vargas. Externamente, os inimigos são os EUA, a Alemanha, os ditadores ibéricos Franco e Salazar, sem mencionar, é claro, a IV Internacional e os trotskistas.

No universo de Jorge Amado, o Bem é representado pelo partido e pelo proletariado. O Mal é representado pela burguesia detentora do capital. Entre um universo e outro transitam eventualmente seres camaleônicos, "traidores de classe" ou traidores do Partido. Não se pode dizer que essa seja uma fórmula original, pois desde o século III, os autores vêm dividindo o mundo em duas metades, uma boa e outra má. É espantoso que uma fórmula tão antiga tenha conseguido fazer tantos adeptos no século XX, impondo gostos, comportamentos e até mesmo filiação partidária aos personagens de um romance. A literatura de hoje está repleta de exemplos dessa dicotomia: Os representantes do Bem amam. Os representantes do Mal têm amantes. Os bons bebem café ou água mineral. Os maus bebem conhaque ou uísque. Os bons são magros e idealistas. Os maus são gordos e mesquinhos. Os bons não têm posses. Os maus são proprietários. Os bons são pobres, os maus ricos. Os bons pertencem ao Partido ou com ele colaboram. Os demais são vivem em prol de si mesmos.

De fato, desde os primórdios a literatura nacional tem vivido as voltas com essa fórmula. De Manuel Antônio de Almeida, passando por Lima Barreto, até Jorge Amado, nossa literatura sofre com uma carência total e absoluta de bons exemplos. Os personagens, pícaros e de moral esgarçada, representam o triunfo da barbárie e se assemelham mais aos escritores do que a sociedade propriamente dita. Jorge Amado, por exemplo, passou a vida cantando as glórias do socialismo, mas foi o primeiro escritor brasileiro a felicitar pessoalmente Fernando Collor de Mello por sua vitória. De inimigo incondicional do capitalismo, o baiano se tornou seu sócio e colaborador, como nos mostra um trecho da entrevista que o velho escritor concedeu à tradutora francesa Alice Raillard, em sua mansão na Bahia:
"Sim, esta casa... Esta casa, eu digo sempre que foi o imperialismo americano que me permitiu construí-la! Era um velho sonho meu ter uma casa na Bahia. (...) Construir uma casa na Bahia? Eu tinha vontade, mas não o dinheiro. Foi então que vendi os direitos para o cinema de Gabriela à Metro Goldwin Mayer".
Este senhor, que empunhou com entusiasmo a bandeira do comunismo soviético e confessou sem nenhum pudor ter vendido a sua obra ao capitalismo, é a maior referência da literatura brasileira no século XX. Se for verdade que a arte imita a vida, então Dona Flor, a mulher que administrava tranqüilamente dois maridos, é uma espécie de Jorge Amado da ficção. Mas por que será que ninguém ousa dizer isso? Há algum tempo eu escrevi um texto dizendo que a censura de hoje é mais sutil, pois permite que a obra seja levada ao público, desde que não se faça nenhum insulto aos sagrados ícones do hagiógrafo das esquerdas. A omissão dos participantes desse seminário, que após dois dias de debates, não foram capazes de mencionar um único aspecto deletério da vida do escritor, ilustra muito bem isso!

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24 de maio de 2010

O pensamento liberal na atualidade

Em um artigo publicado no site Letras Libres, o escritor peruano Mário Vargas Llosa e o filósofo basco Fernando Savater, discutem o pensamento liberal na aualidade e fornecem bons esclarecimentos para os latino-americanos; que jamais viveram uma cultura liberal. Aqui no Brasil, por exemplo, passamos do autoritarismo positivista da pós-monarquia ao getulismo, à ditadura e, depois, ao marxismo difuso que nos fez chegar ao lulopetismo. Destaco um trecho da fala de Savater, que serve como uma luva para o Grotão sob a letargia ideológica lulista.
En ese sentido, a mí me molesta mucho esa contraposición según la cual los políticos son malos y el pueblo es bueno. Lo peor de los políticos es lo mucho que se parecen a la gente que les vota. Y por lo tanto esa idea de que el político es muy malo pero su votante muy bueno no me convence. Tenemos que empezar a establecer que la función política es interactiva, que hay una interacción permanente entre los votantes y los votados, entre los representantes y los representados, entre aquellos a los que nosotros les mandamos que manden y nosotros. A ver qué pasa después del espectáculo [de corrupción] que se ha destapado en los últimos tiempos. Después de esto, ¿qué va a suceder? ¿Va a haber una exigencia de la gente? ¿Se va a notar? No sólo que los políticos arreglen sus asuntos: ellos se reunirán y decidirán que a éste le quitamos, a aquel otro lo pasamos delante... Como en los escaparates, cuando quitamos el maniquí que está más estropeado por el sol y ponemos otro más limpio delante. Pero aparte de esos arreglos de los políticos, ¿la gente va a responder? ¿O simplemente va a decir que todos son iguales y cada uno va a seguir a lo suyo? La política, efectivamente, tiende a la corrupción cuando se olvida una cosa que hoy suena noña o rara o incluso peligrosa: el bien común.
Ainda no Letras Libres, o sociólogo Alan Wolfe, do Boston College, comenta o seu livro "O Futuro do Liberalismo" e define, brilhantemente, o pensamento liberal nos dias de hoje. Segundo ele, o liberalismo é um só - aquele que não respeita apenas a liberdade econômica, mas as liberdades individuais clássicas: direito de ir e vir, liberdade de expressão, de imprensa etc.
Cuando hablo de mi último libro, The Future of Liberalism, y especialmente cuando lo hago ante un público más conservador, suelen preguntarme de qué liberalismo soy partidario: del “liberalismo clásico” con su preferencia por el mercado y su creencia en la libertad individual, o del “liberalismo moderno” y su confianza en el Estado y su compromiso con la igualdad. Sin duda, ver dos clases distintas de liberalismo es un error. Es cierto que Adam Smith arguyó a favor del mercado, así como John Maynard Keynes defendió la intervención del Estado. Pero el liberalismo, como yo lo defino, consiste en que el mayor número de gente tenga tanto que decir como sea posible sobre la dirección que tomarán sus vidas.

(...) El liberalismo es tanto una filosofía sobre cómo debería organizarse la sociedad como una defensa de la autonomía individual. De hecho, una de las tareas en las que se han implicado muchos pensadores liberales ha sido la de defender y proteger la idea de sociedad contra sus rivales. Para Immanuel Kant, eso significaba defender a la sociedad contra la preferencia de Rousseau por la “naturaleza”. Para Thomas Jefferson significaba proteger la capacidad de autogobierno frente a los que sostenían que la ley era cosa de Dios, no de los seres humanos. El liberalismo emergió como una teoría de la finalidad humana. Podemos dar forma a nuestras vidas de acuerdo con las metas que construimos en conjunto. El concepto de sociedad nos protege de la anarquía del individualismo, por un lado, y de los designios de Estados omnipotentes por el otro.
Boa leitura!

Como leitura complementar, ver o artigo de Denis Lerrer Rosenfied, no jornal Estado de São Paulo.
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19 de maio de 2010

Uma entrevista marcante

Às vezes eu me pego pensando na extinta revista Primeira Leitura (fechada desde 2006). Em um ambiente repleto de vulgaridades e mistificações, a revista foi como um farol para todos aqueles que não queriam se entregar a impecancia dos burocratas do nosso governo.

Hoje existe a Dicta & Contradcta, outra excelente publicação, mas a saudade que sinto da revista Primeira Leitura continua firme e forte dentro do meu peito. De fato, ela era uma das poucas revistas que acredita que o segredo não estava no bordado da roupa que exibimos, e sim na "fina roupa de baixo de nossa consciência".

Isso fica claro em uma entrevista que o terapeuta Contardo Calligaris concedeu ao editor da revista, Reinaldo Azevedo. A etrevista é um verdadeiro petardo com quase 14 páginas, muito bem elaboradas, em que são discutidos os mais diversos assuntos.

Republico abaixo um pequeno trecho dessa grande entrevista, composto pela abertura e uma série de perguntas relevantes, mesmo para os dias de hoje. Por que faço isso? Ora, porque acredito que o debate público pode ser superior a esse lixo a que estamos acostumados e o que vai abaixo é uma evidência disso.

* * *

Gosto da palavra “alastrante”. Como qualquer outra, pode ser boa ou ser má. Ruim é o mal que se alastra; bom é quando a generosidade contamina. A primeira vez que me lembro de a ter lido em literatura foi num poeminha de Mário Quintana – “pois que tem que a gente inclua no mesmo alastrante amor (…)?” –, e a palavra me pegou para sempre. Se gosto de coisas, de gente, eu as digo, então, “alastrantes”. Os versos do gaúcho eram uma citação de Proust, No Caminho de Swann, o primeiro dos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido. Swann estava em frente à casa de Odette e descobriu que até mesmo a macieira pertencia à sua ordem de afetos, a seu “alastrante amor”. Tempo, memória, experiência individual, vivência subjetiva. Foro íntimo.

O psicanalista Contardo Calligaris, italiano de nascimento, andarilho por escolha, é de uma inteligência “alastrante”. Seguem a esta abertura 14 páginas de uma entrevista encantadora por conta do rigor intelectual do entrevistado e, vá lá, da disposição deste interlocutor de se deixar contaminar pelo “Bem”, por aquele que falava e se expressava com toda a singularidade que faz cada um de nós ser o que é. “O Mal”, ele nos diz, “está no coletivo, na renúncia ao foro íntimo.” O indivíduo ainda é a mais eficaz defesa contra a barbárie, o totalitarismo, o vulgaridade. Certa feita, um jovem que se queria marxista, de 14 ou 15 anos, apostrofou o pai, que houvera sido militante antifascista sem ser, no entanto, comunista: “Como podia?”. E o pai, então, lhe deu uma resposta iluminada: “Eu era antifascista porque, no fundo, achava os fascistas tão vulgares!”.

O menino também é pai do homem, como nos ensinou Machado de Assis, ou seu Brás Cubas. Aquelas palavras foram repercutir mais tarde, quando Contardo conheceu Roland Barthes, de quem foi aluno, e percebeu que a estética também pode ser uma ética: “Uma ética do não-dogmatismo, da curiosidade, da capacidade de amar a própria coisa, desde uma história em quadrinhos até Chateaubriand”. E então desandamos a falar da necessidade da arte, de sua função, que não pode ser outra senão “a harmonia interna que produz”. Mas ainda faltava ser mais explícito: “A produção de um objeto cuja finalidade é externa, por exemplo, que é ideológica e declarativa, não é mais uma produção artística. Isso vale tanto para a arte conceitual como para o realismo socialista”.

E, assim, passamos a tarde, numa conversa que propus, e ele topou, fosse dividida em três partes, como em Os Sertões, de Euclides da Cunha: O Homem, A Terra, A Luta. Queria chegar a outros sertões, a outras lutas, menos sangrentas talvez, mas não menos duras. Na primeira parte, falamos desse homem todo-mundo-e-ninguém, gênero neutro, que designa a espécie, e de um outro, ele próprio, o escrutinado da tarde. Na segunda, o ambiente de nossas pelejas, o mundo, este Brasil onde a fraqueza da cultura republicana faz com que um escândalo de grandes proporções ainda seja percebido como coisa quase corriqueira.

Passeamos por autores da urbe e da orbe, tentando contar e recontar histórias, em busca de tempos e oportunidades perdidos. Para poder ver mais adiante. Ou, ao menos, ter instrumentos para tanto.

É nessa parte que estão as lutas mundanas, o conflito de culturas, a marcha da civilização, os instrumentos com que entender e reinventar o mundo, as utopias que matam, os amores que são de salvação. Pensador da cultura, ele jamais se nega ou refuga. Lembro-me de São Paulo na Primeira Epistola aos Coríntios: posso tudo, mas nem tudo me convém. Eis um dos fundamentos, a liberdade, plasmado na civilização ocidental e que é, sim, seu mais precioso valor, pelo qual vale a pena lutar. Falei de Paulo? Contardo considera que as bases do bom individualismo moderno estão dadas pelo cristianismo. A conversão nasce da escolha. Ali se fundava uma idéia de humanidade, que antes não existia.

A terceira parte, A Luta, ficou reservada ao homem no espelho – vamos falar um pouco do narcisismo –, aquele que chega ao divã do analista, “doente por falta de significado e de significação”, como qualquer um de nós, e procura, então, uma narrativa para sua vida, uma história. Que, contada e recontada, vai concorrendo para redefini-lo e levá-lo, então, até a margem do rio. Ao fim da entrevista, talvez estivéssemos ambos felizes – eu estava: um pouco tonto e feliz.

Explico o meu estado. Havia marcado a entrevista para o dia 18 de abril. Fui acometido de uma crise de labirintite. No dia 21, ainda não estava bem, e era o meu prazo-limite. Mas não tinha como sair. O andarilho Calligaris, aceitando, desta feita, um percurso mais curto, dispôs-se a ir até a minha casa, uma doação ao paciente daquela tarde. Mas ele mesmo diz que uma das coisas boas da psicanálise é não “dar presentes”. Fizemos algumas trocas simbólicas – eu saí ganhando, é claro – e tentamos pôr alguma ordem entre o “cosmos sangrento e a alma pura” (ave, Mário Faustino!). Tentamos entender os “hábitos do corpo e da mente” de que fala Tocqueville, que ambos apreciamos tanto.

E eu indaguei, com Hannah Arendt, outro afeto intelectual e moral compartilhado, como é que podemos, então, resistir ao “mal” e manter o “foro íntimo”, a inviolabilidade do indivíduo, morada suprema da liberdade. A resposta se lê páginas adiante. Mesmo longa, muita coisa deixa de ser publicada nesta entrevista. O dia caiu menos “doente de falta de significado e de significação”. Eu o acompanhei, trôpego, até a garagem, voltei, fechei a porta e comentei com a minha mulher: “Ele é de uma inteligência alastrante”.

* * *

É possível falar do caráter de um povo?
Eu fiz isso, todo mundo faz. É uma herança do século 19. É muito forte na cultura brasileira. Desde o fim do século 19, a grande sociologia brasileira não pára de tentar descrever o que é o brasileiro. Eu acho que há povos que se colocam mais essa pergunta do que outros. Essa espécie de autoconsciência coletiva existe se a gente acredita nela. Há povos que crêem nisso de uma maneira automática, espontânea. É o caso dos franceses. Provavelmente porque consideram que têm um patrimônio histórico comum tão longo, que acham que a nação é uma verdadeira comunidade e um destino. E há os que se interrogam. É natural que essa interrogação caiba especialmente nos povos americanos.

Por que os povos das Américas se interrogam mais, com menos certezas?
Em primeiro lugar, estão aqui por causa de um sonho, ainda que herdado do avô, do bisavô. Mas é o sonho de uma vida em outro lugar. A vida em um lugar onde é possível, sei lá, comer ou praticar a religião sem ser perseguido. É um sonho de futuro. O europeu não tem essa questão. O sujeito é francês porque nasceu na França. Nunca houve nesse processo uma escolha ou um desejo. Uma das grandes diferenças subjetivas do ponto de vista clínico é que certamente, nas Américas, o individuo é muito mais interrogado pelo seu futuro do que pelo seu passado.

Isso muda o discurso da psicanálise?
Não vai aqui um juízo de valor. Os europeus, por exemplo, são especialistas em maltratar a psicanálise norte-americana, esquecendo-se de que a gente analisa sujeitos diferentes, culturalmente diferentes. E uma das grandes diferenças é que o maior peso para um norte-americano é o do futuro, da realização de suas potencialidades eventuais.

Não ser, por exemplo, um loser.
Justamente. Ele está ali por causa de um sonho, dele ou herdado, tanto faz. O europeu vive muito em função de uma dívida que ele tem com o passado. O europeu está mais preocupado com o que o passado exige dele do que em inventar um futuro.

É a diferença que há entre administrar uma herança e acumular para deixar uma herança.
Exatamente. Outro ponto importante é que a travessia do Atlântico implicou uma decisão de renovação: é a queima dos barcos. Isso nos remete a um dos problemas contemporâneos se pensarmos em países que ainda recebem levas de imigrantes, como os EUA. Quando se pode manter um contato telefônico ou via Skype com a terra natal; quando, depois de seis meses de trabalho, pode-se comprar uma passagem e voltar para casa durante uma semana – e isso nada tem a ver com a imigração do passado, deixa de haver uma transformação: a transformação subjetiva que era exigida àquele que imigrava até havia 30, 40 anos. O problema da integração do imigrante nos EUA é relativamente novo. O imigrante nunca foi um problema para a sociedade americana, que se fez mesmo da diversidade de culturas. Eu não gosto muito do conceito de nação. As minhas figuras de referência são aqueles intelectuais do começo da Contra-Reforma, que eram católicos, mas que, na verdade, tinham simpatia pela Reforma. Erasmo é a minha figura intelectual.

Então Rabelais também?
Ah, mas absolutamente sim. Giordano Bruno, nem tanto: acho que faltava nele um pino. Ou dois [risos]. Bem, sou fiel a essas figuras. É preciso lembrar que viveram numa época em que o conceito de nação não fazia sentido. Eventualmente havia a nação das letras, que eram as pessoas que se falavam pela Europa afora. Assim, eu tenho uma antipatia muito grande por qualquer expressão nacionalista. Em geral, tenho uma certa repulsa por qualquer expressão de fidelidade ao grupo.

Você endossaria a frase do Samuel Johnson de que o patriotismo é o último refúgio do canalha?
Sem nenhuma dúvida. Qualquer tipo de fidelidade que passa na frente do foro íntimo é, para mim, a definição do mal.

É a destruição do indivíduo.
Exatamente. Porque, quando isso acontece, aí tudo é permitido. No fundo, a única coisa que coloca limites ao horror, para mim, é o foro íntimo. Eu digo que é o mal porque é a definição do mal do século 20, que deu no fascismo, no nazismo, no stalinismo, em Pol Pot.

Há uma demonização do indivíduo hoje em dia.
Ah, completamente! E por conta de um equívoco. Para mim, individualismo é uma palavra nobre. Louis Dumont é um dos meus mentores intelectuais. Acho que ele é um colosso da antropologia do século 20. O individualismo não tem nada a ver com o egoísmo, mas com uma sociedade em que o indivíduo é um valor superior à comunidade. Eu sei que você gosta disso porque, outro dia, fez alusão a esse pensamento naquele encontro, e eu disse para mim mesmo: “Ah, pensamos do mesmo jeito”. Pois bem: nós dois compartilhamos da idéia de que a tendência antiindividualista é muito presente na parte menos interessante do Iluminismo francês, especificamente em Rousseau. O conceito da vontade geral é verdadeiramente uma das raízes ideológicas do que aconteceu de pior no século 20.

Outro dia escrevi um texto dizendo que Rousseau é o pai de todos os autoritarismos. O que eu recebi de porrada foi uma coisa fabulosa!
Mas ele é! O conceito de vontade geral é um perigo ideológico. O lado do Iluminismo francês que me interessa é Montesquieu. Mas, depois disso, o que me interessa é Locke, Smith… Não deixa de ser curioso que o Iluminismo anglo-saxão não tenha feito muito escola. É considerado inferior ao francês. E a realidade é que o francês produziu o Terror, Napoleão e volta dos Bourbon, depois Napoleão 3º. E, de fato, antes que a França se tornasse republicana, passou-se um século, enquanto o pensamento inglês do século 17 e 18 produziu uma monarquia com uma Magna Carta, produziu os EUA. Não estou inventando nada. Hannah Arendt foi a primeira a dizer que a verdadeira revolução do século 18 foi a americana, não a francesa.

Eu estava pensando nela enquanto você falava sobre o caráter de um povo. O livro Eichmann em Jerusalém deu a dimensão humana, banal, de um facínora, e, ao contrário da crítica sionista feita à época, alargou a dimensão do mal.
Ah, é um texto crucial, inclusive por causa do conceito de banalidade do mal. A razão pela qual certamente esse livro produziu os efeitos que produziu nem tanto está no fato de ela mostrar que Eichmann era um qualquer, porque era, mas porque mostrava que, no fundo, qualquer um é capaz de entrar num funcionamento em que se transformaria num Eichmann. Essa é a coisa que verdadeiramente bate e dói. Minha tese de doutorado, que está trancada há mais de dez anos, porque eu quero fazer uma revisão – ela está traduzida em inglês por um americano, já até recebi um dinheiro que um dia eles vão me pedir de volta [risos], – é sobre isso. Chama-se A Paixão da Instrumentalidade. Está dividida em duas partes. A primeira é uma leitura sobre o funcionamento dos Einsatzgruppen, que eram grupos de extermínio nazistas formados por pessoas quaisquer. Não eram os SS. Era uma espécie de polícia civil que funcionava como grupo de extermínio, especialmente na Polônia. Faço uma leitura disso a partir de uma série de aportes da psicologia social americana, sobretudo estudos sobre a obediência. E a segunda parte mostra como isso funciona na vida cotidiana das pessoas. Mas o fundo da tese é o seguinte: é relativamente fácil se deixar levar, abdicar do exercício da subjetividade, que é um exercício eminentemente cansativo. Ser um indivíduo é um negócio complicado, pesado. E há uma tendência perigosa de se renunciar à individualidade e de se tornar um instrumento de um funcionamento coletivo.

Existe uma culpa coletiva?
Acho que sim. É possível que sim. Acho que existem culpas coletivas e, provavelmente, nos grupos nacionais, também existam. Porque existem culpas que estão, de alguma forma, inscritas na cultura. É sempre um pouco perigoso dizer isso. Eu não sou culpado pelo fascismo italiano. Até a história da minha família me livra desse peso. Mas, por outro lado, não me sinto assim tão italiano… Não é uma resposta simples. Mas como chegamos aqui?

Falávamos dos dois iluminismos.
Sim, fizemos essa excursão e, depois, eu disse que não tenho nenhuma simpatia pelo conceito de nação em geral, pelo nacionalismo, porque me parece o contrário do discurso moderno. Aliás, o individualismo moderno tem origem no cristianismo. Louis Dumont demonstra isso muito bem.

Porque você faz a escolha, não é escolhido.
Claro, é uma relação de Deus com cada um individualmente, independentemente do grupo ao qual o sujeito pertença, inclusive o grupo familiar. É uma relação de foro íntimo. E porque é uma relação na qual o fato de pertencer a uma raça, nação ou o que seja é indiferente.

Existe um caráter brasileiro?
Eu tenho uma implicância, não com o conjunto da obra, mas com algumas coisas do Roberto DaMatta. Acho que ele tem leituras certas do Carnaval etc. Mas não gosto da complacência indentificatória que consiste em dizer: “Sou brasileiro porque gosto de samba e futebol”. Isso eu acho horrível. Um dos perigos desse tipo de definição é que cria um grande momento de prazer coletivo. “Ah, nós somos brasileiros, malandros, todos à venda, gostamos de jeitinho…”

E, se não podemos convencer pelo argumento, vai pela nossa sedução…
Exatamente. Ou então se diz: “Não gostamos de conflito”. Isso é o que tem de pior na tentativa de obliterar nossa história subjetiva e coletiva por meio de uma visão muito fácil de nós mesmos. Veja a frase “O Brasil não é para principiantes”. Isso supõe que a nossa malandragem nos torna especiais e só interpretáveis por especialistas. Pelo contrário: o Brasil é para amadores e principiantes. Porque pagar e corromper é muito fácil. O difícil é construir uma coletividade em que haja leis, institucionalidade. O difícil é ser moral. Ser imoral é que é para principiantes. A malandragem é uma conduta moral de uma criança de 9 anos. O difícil é crescer. Governar pagando o cara para votar comigo é que é amador. O profissional é construir um discurso que convença, é falar com o outro. É claro que o brasileiro não é só isso. A contraparte do jeitinho é o recurso ao foro íntimo acima da convenção, o que é altamente moral.

Vê algum traço particular de nossa formação histórica refletido no nosso caráter?
Isso sempre é tão difícil! Há uma coisa que pode ganhar uma leitura até ufanista, mas que pode ser um problema. O Brasil, por não ter conquistado a independência na ponta da faca, manteve uma espécie de – vou usar uma expressão que meus colegas vão achar completamente ridícula – “complexo de inferioridade” permanente em relação às metrópoles culturais, o que eu acho injustificado e nocivo.

Não há quem ignore a essência do mensalão, para usar uma palavra que reúne toda a bandalheira. Não obstante, as pesquisas indicam, hoje ao menos, que Lula se reelege. Em que medida, como povo, estaríamos aceitando isso tudo e dizendo: “Essas coisas são permitidas”?
A permanência da confiança na pessoa do Lula certamente tem muitas outras explicações possíveis, inclusive a sedução exercida pela idéia de que uma pessoa de origem humilde pudesse chegar no poder. Coisa que, nos EUA, é banal…

… no Brasil, é banal. Basta ver a origem de Deodoro da Fonseca ou de Floriano Peixoto…
Ah, sim, foi na República Velha, que é, diga-se de passagem, acho eu, o grande momento brasileiro. O grupo que chegou [o PT] ao poder achou, – coisa que, na história dos partidos de esquerda, é bastante comum, – que ia governar no interesse do partido, não no interesse da coletividade nacional. Ou seja, confundiu o partido com o “Bem”. Como eu disse antes que acho que a coletividade é a raiz do mal, você sabe o que acho disso. Por que nos indignamos pouco? Porque a história brasileira fornece pouquíssimos exemplos de um governo que tivesse verdadeiramente um interesse pela coisa pública, exceção feita a figuras da República Velha, algumas um pouco exaltadas, como Floriano, que cortava algumas cabeças aqui e ali [risos].

Lima Barreto que o diga… [risos]
Mas, independentemente disso, havia figuras que perseguiam o que eles imaginavam que fosse o interesse republicano. Infelizmente, uma República um pouquinho deificada. Isso comprova o que a gente dizia: a influência do Iluminismo francês – e, claro, do Positivismo. Não era uma República como essa entidade mal definida que resulta do funcionamento entre indivíduos, que é o ponto de vista escocês e inglês. Mas, ao menos, houve momentos em que a noção de interesse público era clara. O Brasil teve pouquíssimos exemplos, desde essa época, de um governo pelo bem republicano. A idéia de uma coisa pública é, de fato, bastante ausente na vida cotidiana da gente aqui. Veja uma coisa espantosa. O cara é dono de um café, um bar, que tem determinadas cores. Então ele se dá o direito de pintar um pedaço da calçada com as cores do seu empreendimento. As ruas viram uma porcaria. A idéia da coisa pública não é forte e espontânea entre nós. Acho que isso faz com que um grupo que governou apenas no interesse do partido, fundamentado na própria reeleição, constitua um escândalo mitigado.

Você falava da República Velha, eu estava aqui pensando que é esse o período mais satanizado pelo marxismo brasileiro, que, curiosamente, vê com bons olhos um presidente parafascista como Getúlio – ao menos entre 1937 e 1945. E se glamuriza a República Nova, a partir de 1930, que é marcada pelo putschismo. Que estranha sabedoria é essa que valoriza o intervencionismo de grupos que tomam o poder de assalto, que impõem a sua agenda, que sufocam a oposição?
O rito histórico da modernização do Brasil fez com que o marxismo brasileiro, naquela época, apostasse numa aceleração, ainda que passando por um processo parafascista. Essa é uma armadilha na qual muita gente caiu, inclusive na Alemanha e na Itália. Mussolini se dizia um socialista antes de inventar o fascismo. Ele se considerava, sem dúvida, a expressão das classes populares.

Há um fenômeno hoje no mundo que é o terrorismo. Ele é a forma virulenta de uma frustração?
Em particular, o terrorismo suicida é sempre a expressão de uma contradição interna – além, claro, de uma contradição externa. Mas isso é até banal. Porque o suicida, além de matar inocentes, se anula, se suprime. Essa decisão de se suprimir é uma maneira de eliminar uma contradição insuportável. Ao se abolir, um terrorista suicida busca abolir uma contradição entre os valores pelos quais eventualmente ele luta e a presença nele próprio dos valores contra os quais luta. Os terroristas de hoje são seres profundamente divididos entre a sedução da cultura ocidental e aquela pela qual morrem. A sedução ocidental não é apenas a do McDonald’s, do I-pod, mas também a de uma cultura que está disposta a reconhecer como sujeito qualquer um. O lado suicida do terrorismo atual é a chave para entender o que está acontecendo. E o que está acontecendo é a progressiva conquista do mundo islâmico pela cultura ocidental.

Seria uma resistência a uma ocidentalização do Islã?
Acho que sim. Os suicidas provam o sucesso dessa ocidentalização. Desse ponto de vista, eu sou bastante otimista. Otimista e com uma certa tendência ao laissez-faire, ou seja, à idéia de que nenhuma intervenção militar terá, como a do Iraque, a longo prazo, o mesmo poder de fogo da expansão natural de uma cultura universalista, ou seja, da cultura ocidental. E esse seu poder é inédito na história: a gente esquece, mas, por exemplo, na cultura romana ou grega, o conceito de “humanidade” não existe. Há os gregos, os bárbaros, os romanos, os não-romanos, mas “humanidade” é uma invenção cristã.

A cultura ocidental não abre mão de seus valores muito facilmente?
Ah, bom, há uma coisa que me apavora um pouco. Ela vive como culpada: culpada de estar desrespeitando a especificidade do outro, de estar invadindo, transformando a realidade cultural do outro. Claro, pensa-se nos momentos em que ela foi colonizadora, violentamente expansionista etc. Por ser universalista, ela tem a tendência de esquecer que é uma cultura, não o “grau zero” da cultura. E por que isso é um problema? Porque, quando há uma luta, a gente pode e deve, sem dúvida, considerar quais são as razões que fazem com que outro tente nos matar e tal. Mas há momentos em que é preciso saber de que lado a gente está. É preciso saber quais são os valores que importam para você. E nós, pela própria característica da cultura ocidental, temos uma grande dificuldade de fazer isso.

Gostaram? O texto com a entrevista, na íntegra, está aqui.

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18 de maio de 2010

Weber e a ciência

Esse trecho foi extraído de um texto intitulado "Ciência: uma vocação", mas bem que poderia se chamar "Docência, uma vocação":
A ciência não é produto de revelações, nem é graça que um profeta ou um visionário houvesse recebido para assegurar a salvação das almas; não é também porção integrante da meditação de sábios e filósofos que se dedicam a refletir sobre o sentido do mundo.
O impressionante é que quase um século depois, esse escrito ainda seja atual dentro - e fora - das universidades, que praticamente ignoram o sociólogo Max Weber (1864-1920).

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Algumas considerações sobre o ensino superior no Brasil

"Sempre que alguém sugere que devemos democratizar alguma coisa, a liberdade de expressão entra em recesso ou desaparece". Mário Vargas Llosa

Como vocês sabem, ao longo do dia troco e-mails com os meus amigos sobre os mais diversos assuntos. Na maioria das vezes eu os apago tão logo termino de ler, mas dessa vez resolvi abrir uma exceção devido à natureza da mensagem. O texto, enviado pelo meu dileto amigo Rodrigo Braga, fala sobre o ensino superior no Brasil e propõe a democratização das instituições universitárias brasileiras como forma de diminuir a exclusão social.

Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que não consigo ver a universidade como um instrumento de dominação e vou lhes dizer o porquê. Há alguns anos a função básica da educação, transmitir informações, vem sendo relegada em nome da mítica missão de "formar cidadãos". Na prática, "formar cidadãos" é apenas um silogismo encontrado pelo Ministério da Educação para mascarar a doutrinação ideológica que os alunos sofrem nas instituições públicas. Essa doutrinação não tem absolutamente nada a ver com o preciosismo de uma classe mais abastada que quer ter a exclusividade dos diplomas superiores em nosso país, mas sim com a ideologia dos educadores.

Uma pesquisa recente demonstrou cabalmente que, enquanto a educação brasileira consegue as piores colocações nos rankings internacionais, os professores consideram que o seu principal trabalho é incutir uma determinada ideologia nos alunos. Os números da pesquisa são extremamente contundentes: 78% consideram que a principal missão da escola é "formar cidadãos", enquanto apenas 8% assinalam que é "ensinar as matérias". 80% consideram que seu discurso é politicamente engajado e apenas 20% o consideraram politicamente neutro. Engajamento político significa, nesse caso, admirar, em primeiro lugar, Paulo Freire (29% dos professores), seguido por Karl Marx (10%). Segundo a pesquisa, 86% dos professores têm conceito positivo sobre Che Guevara e nenhum declara ter conceito negativo. Lênin foi positivamente avaliado por 65%, enquanto sua avaliação negativa foi de apenas 9%.

De fato, desde que Paulo Freire escreveu a sua "Pedagogia dos Oprimidos", a educação foi deixada em segundo plano para dar lugar à doutrinação propriamente dita. A pedagogia dos docentes do século XXI, não trata de nenhum dos assuntos que ocuparam a cabeça dos educadores durante o último século: provas, padrões de ensino, currículo escolar, o papel dos pais na educação, como organizar as escolas, que matérias devem ser estudadas em cada série, qual a melhor maneira de treinar professores, o modo mais efetivo de educar crianças desfavorecidas em todos os níveis... Os novos pedagogos tratam apenas daquele discurso, pra lá de enfadonho, sobre opressores e oprimidos. A "Pedagogia dos Oprimidos" de Paulo Freire é uma espécie de libelo desse pensamento; um tratado político utópico que clama pelo fim da hegemonia do capitalismo e a criação de uma sociedade sem classes.

Para se ter uma idéia das prioridades do livro, basta dar uma olhada em suas notas de rodapé. Freire não está interessado nos tradicionais pensadores e educadores do Ocidente, como Rousseau, Piaget, John Dewey, Horace Mann, ou Maria Montessori. Ele cita um leque bem diferente de figuras: Marx, Lenin, Che Guevara, e Fidel Castro, assim como os intelectuais orgânicos radicais Frantz Fanon, Régis Debray, Herbert Marcuse, Jean-Paul Sartre, Louis Althusser, e George Lukács. E não há porque ser diferente, uma vez que sua idéia central é que a principal contradição em toda sociedade é entre "opressores" e "oprimidos" e que a revolução resolverá esse conflito. Os "oprimidos" estão destinados a desenvolver uma "pedagogia" que os leve à sua liberdade. Aqui, numa passagem chave, está como Freire vê seu projeto de emancipação:
"A pedagogia do oprimido [é] uma pedagogia que deve ser feita com, e não para, o oprimido (tanto indivíduos ou grupos) numa incessante batalha para recuperar sua humanidade. Essa pedagogia faz da opressão e suas causas objetos de reflexão pelo oprimido, e dessa reflexão virá o engajamento necessário na luta pela sua liberdade. E na luta essa pedagogia se fará constante".
Como essa passagem deixa claro, Freire nunca teve a mais leve intenção de que a pedagogia fosse algo relacionado ao dia-a-dia na sala de aula, como análise e pesquisa ou qualquer coisa que se leve a uma melhor produção acadêmica dos alunos. Ele almeja algo maior. Sua idiossincrática teoria sobre escolas remete apenas a uma autoconsciência dos trabalhadores e camponeses explorados que estariam "percebendo a opressão no mundo". Uma vez que eles cheguem à noção de que estão sendo explorados, mirabile dictu, "essa pedagogia não mais pertence aos oprimidos e passa a ser uma pedagogia de todos no processo de liberação permanente". É, portanto, uma bandeira eminentemente política que vem sendo levantada por praticamente todos os educadores brasileiros há uns bons 20 anos.

Em um país como o nosso, concluir que são as elites quem detêm a hegemonia do ensino público no Brasil é no mínimo forçoso. São os intelectuais orgânicos de inspiração marxista que abundam nos corredores das nossas universidades que ditam os rumos da educação no Brasil e qualquer consulta em uma biblioteca pública pode confirmar o que digo. Para cada exemplar de "A Riqueza das Nações", de Adam Smith, existem pelo menos três do "O Capital", de Karl Marx. Para cada exemplar de "Dinossauro", de Meira Penna, existem outros três de "O Estado", de Kropotkim e assim sucessivamente. Não é a toa que trato esse tema com um certo menoscabo!

Quando burocratas são transfigurados em professores não existe janela de saída, nenhum turn over. O processo de ensino fica comprometido, pois passa a almejar a formação de militantes políticos ao invés de líderes e empreendedores. Repare que a cada geração se multiplica o espírito de funcionário público, de servidor. Não poderia ser diferente, uma vez que os métodos de ensino e a perspectiva adotada pelo grosso dos burocratas que estão na condição de professores, visam a perpetuação da formação de novos burocratas, numa espiral sem fim.

É importante salientar que foi o ímpeto dos nossos educadores em "formar cidadãos", que deixou o país às voltas com o deságüe anual de dezenas de milhares de novos profissionais pelos cursos superiores mantidos pelas universidades públicas (e agora por instituições privadas subvencionadas por dinheiro público) em número divorciado e muito superior à emergência de empreendimentos econômicos. Esses desempregados, logrados por falsas expectativas criadas pelo estado, provocaram a demanda política por alocações compulsórias no mercado de trabalho, e é por isto que pagamos mais caro por cada produto que adquirimos ou serviço que contratamos.

Quer uma evidência da dissociação entre o ensino formal e a função que este exerce para a sociedade? Olhe em torno das faculdades e me diga o que você vê: por acaso enxerga livrarias, sebos, ou empresas de tecnologia de ponta? Não, é claro! O que você enxerga são barzinhos, não é? Dezenas deles! E algumas máquinas reprográficas também! Este é um sintoma muito decisivo para demonstrar que as pessoas não estão com a cabeça nos estudos; não almejam os estudos como uma meta; estão ali é à espera do canudo, cumprindo as formalidades que lhes foram impostas por meio da burocracia do governo. De certa forma, elas agem de uma forma racional: fingem estudar para um sistema que finge lhes ensinar.

A pedagogia freiriana compartilhada pela imensa maioria dos educadores brasileiros, caminha na contramão da história, pois ignora que o ser humano é, no famoso dizer de Kant, um fim em si mesmo. Tudo bem! A educação não é um processo neutro, mas isso não significa que ela sempre carregue consigo algum propósito político. Formar é, sem dúvida, muito mais do que apenas transmitir conhecimento e amplificar as habilidades do aluno. Formar é conscientizar, tanto alunos quanto educadores, sobre a necessidade de refletir de forma crítica. No entanto, não podemos deixar que esse processo descambe para o proselitismo ideológico da forma como vem acontecendo.

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14 de maio de 2010

Sozinho em meio a multidão

O ator Carlos Vereza denuncia o patrulhamento ideológico e explica porque decidiu expor os comentários dos petistas que entram no seu blog com o único intuito de atacá-lo. Entrar em blogs para atacar os seus autores já se tornou uma prática corriqueira entre a militância petista e demonstra o desrespeito que essas pessoas tem pela democracia, cujo alicerce é a liberdade de expressão. Para eles, Lula deve ser visto como um imperativo categorico, uma unanimidade, e vocês sabem... Tal coisa não admite o dissenso.
Mesmo aconselhado por amigos, parentes e seguidores, que me sugerem apagar o lixo mental dos "comentários" petistas; mesmo sendo caluniado, classificado como drogado, e outras "postagens" à altura do nivél "cultural" do Grande Timoneiro, não os apago, por uma simples razão: a exposição das "opiniões" desses desequilibrados evidencia, em primeiro lugar, que acredito e pratico a democracia; e como corolário, demonstro a patologia coletiva, que se apresenta como obsessão, traduzida em ofensas e ódio (Continua).
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13 de maio de 2010

A nova censura

Ontem à noite eu assisti ao brilhante "Adeus, Lênin", de Wolfgang Becker, ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim. O filme, ambientado na antiga Alemanha Oriental, começa algumas semanas antes da queda do Muro de Berlim e conta a história de Christiane, uma apaixonada colaboradora do regime comunista. Um dia, ela presencia uma manifestação contra o regime e vê o seu filho mais novo, Alex, sendo espancado e preso pela temível Stasi. Chocada, ela sofre um colapso e entra em coma.

Quando Christiane desperta, oito meses depois, o médico revela a família que seu coração está extremamente debilitado e que qualquer choque será fatal. Nessas circunstâncias, os filhos se perguntam: como explicar a mãe que o Muro de Berlim caiu enquanto ela convalescia? A solução encontrada por Alex é manter, pelo menos dentro do apartamento da família, a Alemanha Oriental viva. Para isso, ele cria uma farsa elaborada e inicia uma frenética luta para manter todas as influências externas longe do santuário socialista que montou em sua casa.

O apartamento é redecorado com os trastes da era socialista que haviam sido jogados em um depósito e a família é intimada a se vestir com as roupas que eram moda no antigo regime. Tudo vai bem, até o dia em que Christiane pede aos filhos para colocar a TV em seu quarto. Diante da possibilidade de ver a mentira ruir, Alex começa a produzir um programa de televisão no melhor estilo da finada Alemanha Oriental e recria, dentro do velho apartamento, uma RDA outrora esquecida. Assim como na literatura de Orwell, aqui a TV também aparece como falsificadora da realidade.

É evidente que as reiteradas tentativas do protagonista de recriar o "paraíso socialista", demonstram que é ele quem está sofrendo com a nova ordem. A iminência da vida adulta faz com que Alex permaneça aferrado aquele conto de fadas. Essa recusa em aceitar as responsabilidades decorrentes da maioridade fica explícita quando a sua namorada, uma enfermeira soviética chamada Lara, começa a indagá-lo sobre o porque de não dizer a verdade.

Mas não foi a Síndrome de Peter Pan do personagem principal que me atraiu e sim uma cena recheada de humor que retrata a desídia de um personagem histórico muito famoso: Cha "El Chancho" Guevara. Quando assisti o filme pela primeira vez, notei que entre os trastes da era socialista que haviam sido jogados no lixo, está um pôster de Che Guevara. É isso mesmo! No filme de Becker, Che não passa de um ícone jogado na lata de lixo. Foi na expectativa de me deleitar, mais uma vez, com esse irônico relato que decidi assistir a reprise do filme. Mas, para o meu espanto, a cena em que a imagem de Guevara é retirada do lixo, havia sido cortada.

A princípio eu achei que tivesse sido desatento e cheguei a retroceder alguns quadros para ver se não havia perdido a tomada. Vi, atentamente, o personagem principal recolocar a foto de Honecker na parede e o livro de Anna Seghers na estante. Esperei, pacientemente, até que chegasse a vez do pôster de Che Guevara, mas não aconteceu nada. Como num passe de mágica, o pôster de Guevara ressurgiu na parede sem qualquer explicação. Era como se ele nunca tivesse saído de lá... Como se nunca tivesse sido atirado na lata de lixo!

Hoje de manhã, entrei na Internet e procurei saber o porquê da obra ter sido mutilada dessa forma. Foi então que eu descobri que a distribuidora do filme na América Latina havia julgado a imagem por demais chocante. Pois é! Mais de duas décadas após a queda do Muro de Berlim, nós ainda temos stalinistas de plantão preservando a imagem de um pistoleiro internacional a serviço do comunismo. Ficou claro que da mesma forma que Stalin mutilava fotos para impor ao povo soviético uma versão falseada da história, os censores sulamericanos mutilaram o filme para manter intacta a imagem de idílica de Che Guevara. Tudo com a intenção de preservar o mito do apparatchik de gatilho fácil e sem escrúpulos.

Não chega a ser uma surpresa. No hall das personalidades "da esquerda", Che ocupa um lugar de honra e seus admiradores fazem de tudo para impedir que a sua imagem seja maculada. A famosa foto tirada pelo fotografo Alberto Korda e imortalizada no desenho do artista plástico irlandês Jim Fitzpatrick, talvez seja o maior exemplo disso. Quando ela está associada a causas nobres, não só pode como deve circular a vontade. Mas, quando está ligada a um objeto nada lisonjeiro, como uma lata de lixo... Ela tem que ser imediatamente censurada para não comprometer a imagem idílica do panegírico da esquerda.

Nos passado, filmes como "La Palombella Rossa", de Nanni Moretti, "East Side Story", de Dana Ranga, "Je Vous Salue Marie", de Jean-Luc Godard e "The Last Temptation of Christ", de Martin Scorsese, foram sumariamente censurados. Hoje, a censura é mais sutil. O filme passa, desde que ninguém blasfeme contra os sagrados ícones do hagiológico da esquerda!


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12 de maio de 2010

Uma citação e tanto!

Ao longo do dia, troco e-mails com amigos sobre os mais diversos assuntos. Alguns não podem ser divulgados de maneira nenhuma, mas existem outros que podem e devem ser divulgados. É nessa categoria que se inclui o último email do meu diletíssimo amigo, José Dettmann. Trata-se de uma citação, extraída de um livro antigo, mas nem por isso menos atual:

A história, que tem sido o fator de múltiplas transformações sociais e é, ao mesmo tempo, um baluarte onde crepitam as mais altas finalidades ou concepções humanas, repetimos, deve sempre ser um documento precioso e imparcial, e nunca um libelo de acusação

E, apesar das nossas concepções pessoais, temos para nós que o historiador escrupuloso não tem religião nem credos políticos ou sociais, quando no desempenho de suas funções.

(...)

O historiador sectarista é um ente educador, e, necessariamente, pernicioso à Juventude que deseja perscrutar as altas finalidades da ciência histórica na sociedade dos homens livres!

(Rubio Brasiliano, em carta à Jorge Bahlis. Excerto do livro "O Rio Grande do Sul e A Cisplatina," escrito por Rubio Brasiliano, em 1935)


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10 de maio de 2010

A farra dos quilombolas

Recentemente o professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Denis Lerrer Rosenfield, publicou um artigo intitulado "A captura da Constituição", no jornal Estado de São Paulo. No artigo, Lerrer fala sobre a onda do "políticamente correto" que tomou o nosso país de assalto nos últimos anos. Segundo ele, "em nome da justiça o políticamente correto se transformou em uma fonte de injustiça e passou a servir como justificativa para toda sorte de abusos e arbitrariedades".

Eu já havia escrito sobre este assunto no meu antigo blog, mas devido a importância do tema, achei que retomar a discussão viria bem a calhar. Tudo começou quando eu decidi escrever algo sobre a política de distribuição de terras do nosso governo. Eu já havia lido uma ou outra coisa sobre o processo de formação da identidade social, cultural e antropológica do brasileiro quando, de repente, dei de cara com um livro magnífico sobre o assunto. Chama-se "A revolução dos Quilombolas", de Nelson Ramos Barreto. Uma obra que deve ser encarada como leitura fundamental por aqueles que se interessam pelo assunto.

O livro de Barreto, narra as maracutaias feitas pela tróica da malandragem "bantustola" (os quilombolas dos bantustões racistas): Fundação Palmares, Incra e falsos quilombolas. O termo "bantustola" foi criado pelo escritor Félix Mayer e, certamente, ainda vai dar o que falar. Por isso, gostaria de fazer algumas considerações a respeito para evitar discussões desnecessárias: Bantustões eram aquelas áreas criadas pelo regime do Apartheid, em que os negros eram confinados como animais e de onde só podiam sair com autorização do governo. Quando Felix associa a palavra "bantustão" a "quilombola" é evidente que está fazendo uma comparação. Uma comparação com a qual eu concordo, daí o fato de reproduzi-la inúmeras vezes nesse texto.

Esses quilombolas estão sendo organizadas dentro dos mesmos conceitos das fazendas coletivas soviéticas, os kolkhoses, que levaram a fome à antiga URSS. Ninguém é dono de nada, já que apenas a "comunidade quilombola" é proprietária das terras. Assim, como diria Felix Mayer, galinha d'angola em terreno bantustola não tem dono porque é comunitária a caçarola... No futuro, favelas e mais favelas serão criadas por conta desse movimento racista, pois ninguém vai querer trabalhar para progredir na vida num lugar onde tudo é distribuído a todos na mesma medida (taí a justa medida do Herodoto, Flávio).

Mas por hora, vamos deixar as flexões morais de lado para ver o que a lei, o alicerce do Estado Democratico de Direito, diz sobre isso. Pois bem! A Constituição Federal, em seu Art. 68, prevê que as terras ocupadas pelos antigos descendentes de quilombos, os quilombolas, tenham os devidos registros cartoriais: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". É importante atentar para as palavras escritas pelo constituinte: "que estejam ocupando suas terras", não "que ocupavam", "que tinham ocupado" ou "que irão ocupar".

Infelizmente, está acontecendo o oposto. O Incra e a Fundação Palmares estão aceitando qualquer sujeito que se indentifique como quilombola (a tal "auto-atribuição" ou "autodefinição") e concedendo terras em áreas onde nunca houve o menor sinal da existência de um quilombo. Basta o bantustola dizer que tinha um tataravô escravo que andou por tais e tais terras ou serras, que pescou em tais e tais rios ou lagos, que caçou em tais e tais matas e prados e voui là... O seu pedido é imediatamente aceito e protocolado, sem direito de contestação do proprietário.

Em Campos Novos, na Invernada dos Negros, um antigo fazendeiro doou cerca de 1/3 de suas terras a antigos escravos, depois de serem devidamente alforriados. Hoje, cerca de 32 famílias vivem naquelas terras. É óbvio que essas famílias não são quilombolas, mas o Incra, baseado no laudo de uma antropóloga catarinense, decidiu aumentar o tamanho das terras ocupadas para aproximadamente 8.000 hectares "numa primeira etapa". Tudo isso para que sejam assentados cerca de 1.000 bantustolas na região!

O leitor deve estar se perguntando como um punhado de famílias de escravos alforriados, que receberam um naco de terra do seu antigo senhor, se transformou em uma colônia com milhares de indivíduos? Essa é uma pergunta interessante, visto que não podemos continuar sem antes saber como foi feito o milagre da multiplicação dos quilombolas. Ora, essa explosão demográfica digna de um assentamento na Faixa de Gaza, foi orquestrada pelo próprio Incra, que há alguns anos atrás, iniciou a distribuição de cestas básicas na região. As cestas, atrairam a atenção de inúmeros espertalhões que, na maior cara-de-pau, se "identificaram" como bantustolas, assinando uma lista que não tem, ou melhor, não teria nenhum valor jurídico em um país sério. O interessante é que a maioria desses picaretas importados pelo Incra nem sabe o que significa "quilombola", pois alguns deles falam em "quirombolas" e até em "carambolas".

No Rio de Janeiro, por exemplo, um sujeito chamado Damião Braga Soares dos Santos ocupou irregularmente um imóvel da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência , no bairro da Saúde, e se identificou como um bantustola. Damião trazia consigo a sua mulher, Marilúcia da Conceição Luzia, e mais três picaretas. Até aí tudo bem, tem sem-vergonha em toda parte. Porém é assombroso que a Fundação Palmares e o Incra tenham aceitado tal absurdo como uma prova de existência bantustola. Que negro fugido teria tido o displante de fundar um quilombo no centro do Rio de Janeira, na região portuária, próximo de um antigo Forte Militar?

Dentro dessa loucura bantustola, o município de São Mateus, ES, deverá ser desapropriado em cerca de 80% de seu território, para doação a falsos quilombolas! Para onde o governo irá mandar as pessoas que habitam aquele local é um mistério. O fato é que as famílias responsaveis pela produção de um dos agronegócios mais diversificados do país e quiçá do mundo, estão ameaçadas de despejo e até agora, não apareceu uma viva alma para explicar quem vai arcar com esse prejuízo? Bem, essa é uma pergunta que vem sido evitada pelos políticos do lugar há pelo menos uns 10 anos.

No final da Ilha da Marambaia, existe uma unidade de Fuzileiros Navais, onde Lula gosta de passar suas férias. Além dos fuzileiros, habitam a região cerca de 106 famílias, que vivem basicamente da pesca, da aposentadoria e da Bolsa Esmola. Certo dia uma Ong inventou que essas famílias são bantustolas e a malandragem foi aceita pela Fundação Palmares e pelo Incra, que passou a reivindicar que a metade da ilha (16 milhões de m²), sejam destinados a formação de uma reserva bantustola!

Nunca se soube da existência de quilombos no Amazonas. Mas há quatro anos apareceu um em Novo Airão, a noroeste de Manaus. Lá, 22 famílias se declararam herdeiras de escravos fugidos. Até então, elas contavam outra história: descenderiam de sergipanos que, há 100 anos, teriam imigrado para trabalhar na coleta do látex. Em 1980, a comunidade entrou em um limbo jurídico. Naquele ano, o governo incluiu sua vila no Parque Nacional do Jaú. As famílias passaram a viver ilegalmente na área. O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu o problema convertendo-os em quilombolas – ou "carambolas", como eles se autodenominam.

Na localidade de Oriximiná, no Pará, o governo federal reconheceu oficialmente a existência de uma comunidade remanescente de um quilombo e assim concedeu um pedaço de terra aos supostos herdeiros dos supostos escravos que supostamente viviam ali. Desde então, foram instituídas outras 171 áreas semelhantes em diversas regiões. Em boa parte delas, os critérios usados foram tão arbitrários quanto os que permitiram - e continuam permitindo - a explosão de reservas indígenas.

De repente, passou a ser mais negócio se dizer negro do que mulato. Desde que o governo começou a financiar esse tipo de segregação racial, os mestiços que moram perto de quilombos passaram a se declarar negros para não perder dinheiro. Índio que não é índio, negro que não é negro, reservas que abrangem quase 80% do território nacional e podem alcançar uma área ainda maior: o Brasil é mesmo um país único.

A coisa é tão grave, que antropólogos da Universidade de Brasília (UnB) criaram um mapa do Brasil onde aparecem nada mais, nada menos que 2.228 quilombos. A Fundação Palmares, com o apoio dos bantustolas, já inflacionou esse número para quase 5.000 numa tentativa de angariar mais apoio político para a sua causa. FHC, o antigo mecenas dos desvalidos, aproveitou e concedeu, em menos de oito anos de mandato, um Estado de São Paulo inteiro ao messetê, a um custo de cerca de R$ 25 bilhões. Nesse favelão apocalíptico, somente 9% dos assentados conseguem viver de seu próprio trabalho, 91% vivem de passeatas e cestas básicas. O insumo agrícola que esses falsos trabalhadores rurais recebem não é grão de milho ou de soja, mas de um pano vermelho que é usado na confecção de bandeiras, bonés e camisetas. E assim, de "carambola" em "quirombola", os bantustolas deitam e rolam. Felizes bantustolas!

Mas como, afinal, essa bagunça começou? Bem, o racismo quilombola deve a sua origem a FHC , o marxista chique, que na deliberação do Programa Nacional dos Direitos Humanos, de 1996, deu início à divisão do Brasil em um país bicolor: "Determinar ao IBGE a adoção do critério de se considerar os mulatos, os pardos e os pretos como integrantes do contingente de população negra". Graças a esse programa, os negros mestiços, ainda que tenham 50% de sangue europeu, passaram a ser tratados como africanos puros. Com uma canetada FHC acabou com uma instituição nacional, a "mulata", e deixou milhares de gringos como o cartunista Lan, a ver navios.

Em 2003, já no governo Lula, a situação se agravou com um decreto presidencial que permitiu aos descendentes dos antigos moradores de quilombos exigir do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o direito de receber o seu pedaço de chão. Com esse decreto, o governo dispensou a chancela de laudos antropológicos e permitiu que a desapropriação seja conduzida após uma simples autodeclaração dos interessados. Resultado: desde que o decreto foi promulgado, explodiu o número de comunidades que se auto-intitulam quilombolas, de 840 para cerca de 3.000. Com isso, a área potencialmente demarcável chou a espontosos 20 milhões de hectares, o equivalente ao território do Paraná. Um segundo decreto, ainda estendeu o direito dos quilombolas a outros grupos "tradicionais", como comunidades de terreiros urbanos, quebradeiras de cocos babaçu, pomeranos, entre outras.

E tem mais! Esse jogo de conceitos e etnias fez com que o censo, que apresentava 51,4% da população brasileira como branca, 5,9% como negra e 42% como parda, apresentasse uma população negra de 47,9%, contribuindo para a criação do slogan: "No Brasil a pobreza tem cor, e ela é negra". Esse "cambalacho censitário", propiciou o surgimento de projetos de lei como o PLS nº 213/2003, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), que pretende instituir o Estatuto da Igualdade Racial, com direito a uma constituição paralela para os negros que vivem em quilombolas. Um verdadeiro Apartheid, pois não se trata de igualar os direitos para todas as raças, mas de fazer uma divisão, separando os negros em seus direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à cultura, como se isso já não fosse garantido na Constituição a todos os brasileiros sem distinção de raça.

Toda essa algazara tem um propósito: dividir o país em raças, cores e grupos sociais. Parece estar dando certo, pois em março do ano passado, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Promoção e Igualdade Racial, afirmou que "não é preconceito negro odiar branco, é uma coisa natural". Imaginem se eu afirmasse que é natural o branco escravizar o negro, por ser superior intelectualmente. Tenho certeza que seria imediatamente preso por "racismo". Mas, como Dona Matilde é ministra, não aconteceu absolutamente nada. Tambem pudera! Imaginem como seria difícil processar um negro, ou uma negra, por racismo.

Mas, para alcançar esse intento, não basta converter a história em lorota. É preciso criar alguns mitos e suplantar outros, menos uteis para a causa. Foi assim que substituiram a bondosa Princesa Isabel por Zumbi, um escravocrata que espalhava o terror nas populações vizinhas a partir do Quilombo dos Palmares. Infelizmente, para os bantustolas oportunistas, o homem branco, essa criatura cruel e ávara que inventou o conceito da propriedade privada, não é o único responsável pela desídia dos negros africanos. De Gilberto Freire a Darcy Ribeiro, quase todos os antropologos reconhecem que a vida em um quilombo não tinha nada de diferente da vida em uma senzala. A luta dos negros que fundaram essas comunidades não era contra a iniqüidade desumanizadora da escravidão, mas sim pelo direito, que para muitas tribos africanas é tido como sagrado, de escravizar. É uma recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia. Os bantos, por exemplo, até hoje escravizam os pigmeus camaroneses!

Mas quem liga para isso? À exemplo do que acontece em outras áreas da vida pública, o movimento negro aprendeu que a mentira pode ser um arma poderosa na busca pelos seus objetivos e assim, de mentira em mentira, de safadeza em safadeza, de malandragem em malandragem, resolveu levar a "revolução quilombola" do campo para a cidade. É o messetê dos negros, como disse Nelson Barretto.

Algumas dúvidas já se impõem: só "beiçola" pode ocupar terra de bantustola? Branquelo azedo e "pindirriga", como eu, pode se casar com mulher bantustola, viver no bantustão quilombola e procriar filhos bantustolas? Ou isto será proibido, para preservar o código genético dos negros, para que não tenha nenhum tipo de "contaminação" de sangue branco? Se for assim eu juro que entendo, pois depois que publicaram The Bells Curve, tem um monte de teorias esquisitas circulando por aí.

Se a moda pegar, dentro em breve teremos "branquelolas", os "quilombolas de brancos", nas cidades de origem alemã e italiana de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Lula já criou até uma moeda para os bantustolas de Alcântara, MA, o "Guará", portanto, não me causaria espanta se o presidente criasse uma moeda exclusiva para os alemães de Blumenau. Poderia ser "Pila", palavra que no Sul significa "dinheiro" ou "Fritz"... Tenho certeza que os habitantes de Pomerode, a cidade mais alemã de Santa Catarina, iriam adorar!

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