5 de maio de 2010

Ainda o STF e a Lei da Anistia

O texto sobre a decisão do STF de manter a Lei da Anistia com a mesma forma e conteudo em que foi aprovada pelo Congresso em 1979, gerou um acalorado debate entre amigos. Tanto melhor! O grande Mario Quintana nos ensina que quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro. Felizmente, não foi o caso aqui.

Quando escrevi aquele texto, não tinha a intenção de tecer quaisquer considerações acerca da ordem jurídica que rege o nosso país, mesmo porque, não tenho cacife para tal coisa. A ideia era - e continua sendo - propor um debate filosófico sobre os motivos que levaram os magistrado da suprema corte a deixar a lei exatamente como estava.

Do meu ponto de vista, a Lei de Anistia é parte da grande tradição brasileira de evitar conflitos. Compramos nossa independência por 2 milhões de libras em vez de entrar em guerra com Portugal. Graças a esse gesto matreiro, derrubamos a monarquia e fizemos a república em poucas horas. Assim foi com a ditadura militar: demos um golpe e acabamos com ele ao melhor estilo gersoniano. E antes que o leitor indignado venha me acusar de menosprezar a violência envolvida nesses atos, vamos recordar com que violência os EUA e as colônias espanholas ganharam sua independência. Não vou citar a França, porque os cidadãos daquele país mudaram de regime até ficarem todos cansados e deicidirem deixar tudo como estava.

Voltemos ao Brasil: Sérgio Buarque que me desculpe, mas o fato é que neste país a violência é ocasional, molecular. Da Farroupilha às revoltas da Regência, das bombas da guerrilha — respondidas com torturas militares — às ocupações de morros pelo tráfico; são todos episódios ocasionais que devem ser analisados separadamente.

Eu sei que é difícil de aceitar essa coisa de que a violência está no nosso DNA, porque nossa identidade é fundada na crença de que pertencemos ao grande clube das pessoas puras o bastante para poder julgar todas as outras. A idéia de que you can’t handle the truth, como diz aquele Jack Nicholson descabelado a um Tom Cruise engomadinho, é exatamente essa, que você não só não descende de um Adão sem pecado, como ainda deu suas contribuições.

De fato, o fim da Anistia conforme ela foi concebida acirraria os ânimos de uma direita que questionaria com ainda mais força o perdão dado aos terroristas. Na verdade, a única coisa verdadeiramente justa a se fazer seria processar todos aqueles que praticaram crimes, não importa de que lado estavam. Mas o nosso país prima pela indiferença e aventa uma suposta imparcialidade quando deveria escolher um lado, o da justiça. Nossos governantes precisam compreender que o Estado brasileiro não existe no vácuo, assim como nenhum outro Estado, e que fiat justitia, pereat mundus.

Há solução para o impasse entre os que reivindicam o direito a memória das vítimas da ditadura e os que clamam pela manutenção do status quo? Claro que não! O Brasil fez a opção histórica de ir pagando seus tributos em prestações, em vez de pagá-los de uma só vez. Morros ocupados, torturadores, terroristas e assaltantes soltos, balas perdidas...

O escritor francês, Albert Camus, que ficou no Brasil entre os meses de julho a agosto do ano de 1949, definiu o nosso país como um lugar repleto de atropelamentos em que uma multidão (de "bárbaros") apenas olha o moribundo, sem socorrê-lo. Segundo ele, "o Brasil é o país em que as estações se confundem umas com as outras; onde a vegetação inextricável torna-se disforme; onde os sangues misturam-se a tal ponto que a alma perdeu seus limites. (...) É o país da indiferença e da exaltação". E prossegue: "(...) Não adianta o arranha-céu, ele ainda não conseguiu vencer o espírito da floresta, a imensidão, a melancolia. São os sambas, os verdadeiros, que exprimem melhor o que quero dizer".

Camus deixou o nosso país levando consigo inúmeras lembranças amargas; do cansaço de certas situações repetitivas à tuberculose (diagnosticada posteriormente) e a companhia de um colega brasileiro (um médico anônimo) que em nada conquistou a simpatia do ilustre intelectual.

Todo esse papo fez com que eu me lembrasse de um certo filme do Quentin Tarantino e, mais especificamente, de uma música do Leonard Cohen que compõe a trilha sonora. O nome desse petardo é "The Future" e aconselho a todos os meus leitores a irem se acostumando com o mundo que é descrito na letra, pois nós estamos vendo o futuro no país do futuro.

Give me back my broken night
my mirrored room, my secret life
it's lonely here,
there's no one left to torture
Give me absolute control
over every living soul
And lie beside me, baby,
that's an order!
Give me crack and anal sex
Take the only tree that's left
and stuff it up the hole
in your culture
Give me back the Berlin wall
give me Stalin and St Paul
I've seen the future, brother:
it is murder.

Things are going to slide, slide in all directions
Won't be nothing
Nothing you can measure anymore
The blizzard, the blizzard of the world
has crossed the threshold
and it has overturned
the order of the soul
When they said REPENT REPENT
I wonder what they meant
When they said REPENT REPENT
I wonder what they meant
When they said REPENT REPENT
I wonder what they meant

You don't know me from the wind
you never will, you never did
I'm the little jew
who wrote the Bible
I've seen the nations rise and fall
I've heard their stories, heard them all
but love's the only engine of survival
Your servant here, he has been told
to say it clear, to say it cold:
It's over, it ain't going
any further
And now the wheels of heaven stop
you feel the devil's riding crop
Get ready for the future:
it is murder

Things are going to slide ...

There'll be the breaking of the ancient
western code
Your private life will suddenly explode
There'll be phantoms
There'll be fires on the road
and the white man dancing
You'll see a woman
hanging upside down
her features covered by her fallen gown
and all the lousy little poets
coming round
tryin' to sound like Charlie Manson
and the white man dancin'

Give me back the Berlin wall
Give me Stalin and St Paul
Give me Christ
or give me Hiroshima
Destroy another fetus now
We don't like children anyhow
I've seen the future, baby:
it is murder

Things are going to slide ...

When they said REPENT REPENT ...

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