28 de maio de 2010

A lógica do quanto pior melhor

Ontem a noite foi ao ar a propaganda partidaria do DEM. O partido trouxe o candidato tucano José Serra como destaque e, a exemplo da peça petista, teve uma mensagem absolutamente clara, sem ambiguidades. Embora nem um nem outro tenham falado em eleição, os recados são inequívocos: para os petistas, Dilma é a melhor para dar continuidade à obra de Lula; para os democratas, Serra é o melhor para o Brasil conquistar mais do que já tem.

O PT chegou a entrar com uma representação no TSE pedindo a suspensão do horário político do DEM, mas teve o pedido veementemente negado pelo ministro Aldir Passarinho. O ministro fez questão de lembrar que a representação proposta pelos petistas caracterizava censura prévia. A representação me fez recordar o drama dos dissidentes políticos que vivem na China: a cada aniversário do Massacre da Praça da Paz Celestial, o governo chinês prende algumas centenas de pessoas para que elas não pensem em protestar.

Estou certo que alguns leitores não acharão este assunto adequado a proposta do blog, mas depois de ler esse texto vocês compreenderão que a disscussão vai muito além do debate político.

Em suas notas sobre a Inglaterra, Montesquieu escreveu: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas com prontidão, pois boas leis existem por toda parte". O ilustre francês deve estar desapontado com o nosso país, pois apesar de todas as leis proibindo a antecipação da campanha eleitoral, ela tomou as ruas e os infratores passaram ao largo, ignorando todas as restrições legais.

O Presidente da República, que deveria ser um exemplo de lisura e honestidade para todos os brasileiros, foi multado nada menos que QUATRO VEZES pelo TSE por realizar campanha eleitoral ilegal. A última inserção televisiva do PT, por exemplo, ocorreu no mesmo dia em que o TSE julgava as inserções do partido exibidas em 2009 - julgamento adiado por motivos vários. Resultado: o partido foi punido por propaganda antecipada com a perda do horário político em... DOIS MIL E ONZE! Definitivamente, o crime compensa, ao menos o eleitoral.

A leniência do TSE para com os transgressores levanta algumas dúvidas: a imensa aprovação popular do presidente da República tem o condão de preservá-lo contra eventual punição caso seja denunciado por crime eleitoral? A permissividade que se observa no patamar de cima não induz atores de patamares de baixo a caminharem numa rota de ilegalidade? É óbvio que sim! E a propaganda que o DEM levou ao ar na noite de ontem é a maior prova disso.

Pode-se discutir as regras, as leis, sua validade etc., mas não se pode DESCUMPRI-LAS pelo fato de discordar do seu rigor. Entretanto, foi exatamente isso que o DEM fez ao exibir uma peça publicitária do candidato tucano, José Serra. Há, porem, um detalhe que não pode ser menosprezado: podemos acusar o DEM de escarnecer das regras mas não de modificá-las em benefício próprio. Se você quer achar o Arquimedes, procure-o fora do DEM.

Foi o PT quem instaurou esse vale-tudo eleitoral, fazendo com que os demais partidos políticos começassem a achar que respeitar a lei é o mesmo que conceder uma vantagem substancial ao adversário. Graças a lógica petista do "quanto pior melhor", a imensa maioria dos partidos foi arrastada para a ilegalidade. Afinal, eles prefem apostar em uma justiça eleitoral morosa e extremamente leniente com aqueles que transgridem as leis do que correr o risco de entregar as eleições de lambuja para o adversário. Em parte, eles estão certos, pois se perdessem posando de guardiães da moral e da ordem pública, ainda teriam que ouvir o berro dos brasileiros que aderiram a Lei de Gerson: "Bem feito! Quem mandou reclamar ao invés de agir".

A culpa por este imbróglio é dos próprios brasileiros, que preferem fazer vista grossa para os abusos dos seus candidatos a cobrar uma postura ética e comprometida com os ideiais democráticos. Some-se a isso o fato de haver um hiato de dois meses entre o anuncio da candidatura e o início da campanha eleitoral e temos um cenário que propicia toda sorte de ilegalidades. Contudo, a passividade do nosso povo e as incoerências do legislativo, não podem servir como justificativa para os candidatos continuarem burlando as leis de maneira consciente e deliberada. Se ignorarmos a lógica e enveredarmos por este caminho, estaremos privatizando as virtudes e socializando as ilegalidades.

Infelizmente, a imprensa encarregada de cobrir as eleições já aderiu a esse princípio. Os jornalistas que deveriam fiscalizar e denunciar estes abusos, se acostumaram a tratar os pecados e pecadilhos dos nossos políticos como algo absolutamente normal. A cada nota de rodapé que os jornalistas dedicam às multas, às infrações e aos crimes (sim, isso é CRIME!), eles contribuem para o aumento da sensação de impunidade. Há uma ilegalidade, há uma "multa" e tudo continua absolutamente "normal". Como se não bastasse, os que estão financeiramente vinculados aos candidatos não dão uma só nota sobre o tema e, quando o fazem, tratam desses casos como se fosse admissível burlar a lei pelo fato da legislação não lhes parecer adequada.

Assim, os partidos seguem, teratologicamente, acusando uns aos outros daquilo que chamam de "baixaria na campanha eleitoral". Os ministros do TSE permanecem lamentando a falta de interesse dos políticos em "sanear os nosso costumes" e os eleitores... Bem, os eleitores já estão devidamente anestesiados e não estão dando a mínima para a comédia dos costumes que se tornou a vida pública brasileira. É evidente que nem o PT e nem o PSDB estão interessados em mudar esse quadro. Nenhum deles está verdadeiramente preocupado em promover qualquer aperfeiçoamento estrutural das nossas instituições, pois ambos estão ocupados testando os limites da legalidade para alavancar os seus candidatos. Na prática, os partidos reconhecem a sua própria incapacidade de conviver com a cultura da probidade e do zelo e seguem com a sua rotina de trangressões sem hesitar ou se envergonhar.

Quem perde com essa queda de braço político-eleitoreira é a democracia, que passa a conviver com toda sorte de abusos em nome da busca incessante pelo poder e tem o debate político rebaixado a uma corrida de ilegalidades que parece não ter fim. É inequivocamente inadmissível que os candidatos à presidência da república se transformem em praticantes costumazes da ilegalidade eleitoral, levando uma multa atrás da outra. Se a campanha é indiscutivelmente ilegal, em que medida a eleição que provem dela é legítima?

Aquilo que nós presenciamos ontem foi apenas um indício do que está por vir. O mês de maio foi marcado por uma série de intervenções petistas no rádio e na TV, mas o mês de junho será dos tucanos que provavelmente irão usar o tempo destinado a propaganda dos partidos políticos que compõem a sua aliança para popularizar o seu candidato. Uns alegam que o excesso de rigor da justiça eleitoral só prejudicaria o processo democrático e outros, mais sensatos, alegam que é justamente a falta de rigor que propicia situações como essas. Uns vibram com os pontos que os seus candidatos aferem todas as vezes que os partidos fazem uma incursão vergonhosa ao terreno da ilegalidade e outros lamentam essa profunda falta de brios que acometeu as pessoas do nosso país.

Numa analogia futebolística, é como se dois times estivessem comemorando gols irregulares em uma partida ainda em curso. O problema é que não se trata de um jogo, mas sim do futuro deste país e da credibilidade das suas instituições. As quatro multas que foram aplicadas a Lula, as duas que foram aplicadas a Dilma e aquela que, provavelmente, será aplicada a José Serra, ilustram o quadro de desrespeito pelo aparato legal que tomou conta dessa disputa e vocês sabem... Quando o poder rebaixa a institucionalidade, o resto o segue numa espiral negativa.

O país do "jeitinho" nunca esteve tão perto de se transformar em uma ditadura branca. O regrismo de Pedro Santos*, médico que se elegeu prefeito de Montes Claros (MG), está prestes a ser suplantado pela lógica torpe de meia-dúzia de políticos de moral desbragada que preferem governar na desonra do que perder na honra.

* Por temer estragos no jardim, o prefeito de Montes Claros, Pedro Santos, mandou afixar uma placa com os seguintes dizeres: "Proibido pisar na grama. Quem não souber ler favor perguntar ao guarda".

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2 comentários:

  1. Lamentável a condução dos fatos pelo nosso Presidente. Não tenho candidato definido, mas me parece assombroso como o povo se mantém calado após tantas lambanças.

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  2. Rodrigo,

    O Lula é a face mais notável desse triste retrato, mas infelizmente não é a única. Os brasileiros, de um modo geral, preferem conviver com a omissão a ter que ensaiar uma reação contra aquilo que consideram ofensivo.

    Dizer que o crime não compensa em um país como o nosso é bobagem. Os partidos políticos brasileiros estão provando que, no universo eleitoral, o delito pode ser extremamente compensatório.

    Os partidos políticos transformaram a propaganda partidária em peça de campanha. Rende algumas multas mixurucas no TSE, é verdade, mas não há dinheiro que pague a felicidade de ver dois candidatos absolutamente inssosos convertidos em presidenciáveis competitivos.

    Claro que o PT não vai deixar barato e a exemplo do que fizera a oposição com publicidade ilegal de Dilma, vai representar no TSE contra o DEM e Serra. O tribunal, por sua vez, vai expedir novas multas. Em junho, PPS e PSDB reincidirão. O PT recorrerá. Mais duas ou três multas serão aplicadas e voui là, estará feita a pantomima.

    Se fosse levada ao pé da letra, a legislação facultaria a impugnação das candidaturas. No limite, poderia até tisnar a posse do eleito. Mas quem acredita que os ministros do TSE terão peito para levar a lei a ferro e fogo?

    É, meu caro. O crime no Brasil, quando compensa, muda de nome. Na eleição, chama-se esperteza de campanha. Eu, entretanto, prefiro chama-lo por aquilo que realmente é: hipocrisia coletiva.

    Vamos torcer para que o povo acorde!

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