26 de julho de 2010

Estadounidense? Que diabo é isso?

Um dos sintomas mais claros de antiamericanismo agudo é usar o termo estadunidenses para se referir aos americanos. A palavra existe e consta nos dicionários, mas é daquelas que ninguém usa. Ou melhor, ninguém usava, porque parece que a moda está pegando. Nesse modelo de isenção que é a wikipedia em português, o termo aparece 18 vezes no verbete Estados Unidos da América. Mas o que há de errado com ele? Ora, para defendermos o uso, mas do que descabido, deste termo, precisamos ignorar a lógica e talvez até o bom-senso! Eu explico: o nome oficial do México, aquele país onde as pessoas ainda usam ponchos e sombreiros, é Estados Unidos Mexicanos. Portanto, há menos que estejamos dispostos a chamar os mexicanos de estadounidenses, tal como fazemos com os americanos, não faz sentido algum defender essa bobagem.

Além do mais, o uso da palavra estadounidense é sempre político, embora muitos não admitam. A explicação oficial é que americano é quem nasce nas Américas, portanto não seria uma designação suficiente. Norte-americano também não, já que o México e o Canadá também fazem parte da América do Norte. Daí a necessidade de criarmos uma palavra capaz de se referir especificamente aos americanos que nascem nos EUA. Parece lógico, mas não é! Esse imbróglio linguístico é lindo na teoria, mas inviável na prática. Para dar certo, teríamos que unificar de vez os gentílicos. Imaginem o caos que seria. Ao invés de ludovicenses, soteropolitanos e manauaras, teríamos sãoluisences, salvadorenses e manausenses.

Aproveitando o embalo, poderíamos também adotar riodejaneirense, paulistense, paulistanense, riograndedosulense, riograndedonortense, paraibense, pernambuquense, minasgeraisense, espiritosantense e por aí vai. Piauienses, cearenses, paraenses e paranaenses já estariam em conformidade, mas catarinenses talvez tivessem que mudar para santacatarinenses. Ainda a título de clareza, se essa estupidez colasse, não seríamos mais cariocas, e sim riodejaneirenses. Vai que os índios carijós se sentem órfãos do termo carioca que quer dizer "casa de carijó".

E pra que ficar restrito ao Brasil? Mudemos o nome da República da África do Sul (sugiro Mandelândia), afinal Namíbia, Botswana, Zimbabwe e Moçambique também são repúblicas e também ficam no sul da África. Percebem o tamanho da ignorância?

O fato é que já faz algum tempo que chamamos os americanos de americanos, um gentílico consagrado por Machado de Assis, que em seu famoso ensaio "Instinto de nacionalidade", chama Henry Wadsworth Longfellow, de "cantor admirável da terra americana". Não se trata de dizer que está certo porque Machado escreveu, mas de provar que esse uso está enraizado em nossa cultura.

Além do mais, o argumento que diz que todos devemos nos referir aos americanos como estadounidenses não possui sustentação lingüística alguma. Perguntem a um professor de português, qualquer um, se é estadounidense (sem hífen) ou estado-unidense (com hífen)? Dúvido que ele saiba a resposta, porque essa palavra é uma verdadeira aberração semântica. Enfim... É uma lógica que deixa de levar em conta um princípio básico das línguas: palavras podem ter mais de uma acepção. Americano é uma coisa sem, naturalmente, deixar de ser a outra.

Sempre existirão aqueles que, quase sempre por razões político-ideológicas, preferem o sabor vagamente espanholado do termo estadunidense (ou estado-unidense), mas daí a chamarem de vendido ou ignorante quem se atém à corrente principal da língua... Com isso eu não posso concordar!

Sugiro aos leitores darem uma fuçada na Internet e procurarem o artigo "Estadunidenses", de Demétrio Magnolli. Se não me falha a memória, esse artigo foi públicado num editorial do Estadão, em 2005.

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Ontem foi dia do escritor

Da pena do parnaso de Olavo Bilac à porno Bic de Arnaldo Jabor, nada mudou para o escritor.

Por quê? Veja abaixo.































A "Síndrome do Papel Branco", ou da tela branca (ou amarela) acima, continua igual.

Feliz dia do escritor a todos!

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12 de julho de 2010

Na savana africana ou nas florestas brasileiras, o mau é o mau independente de quem o pratica

Semana passada eu publiquei uma notícia, extraída do portal G1, que falava sobre o horror da mutilação genital feminina. O clipping cita alguns trechos do livro "A Infiel, de Ayaan Hirsi Ali, e dá uma pequena mostra do horror a que aquelas mulheres são submetidas. A autora nasceu na Somalia, um dos países africanos em que as tradições tribais se misturam ao fundamentalismo islâmico. Nos países governados por esse mixto de tribalismo e islamismo, as mulheres são privadas da sua dignidade e se transformam em propriedades da população masculina que usufrui livremente dos seus "serviços".

É preciso ter muito coragem para desvelar a crueldade das pessoas que submetem as suas mulheres e filhas a um sofrimento assim; sobretudo nos tempos de hoje, em que imperam as ditaduras do políticamente correto e da autodeterminação dos povos. Manifestar-se contra esse ou qualquer outro costume tribal equivale a ser acusados de contrariar as tradições ancestrais do povo africano, dos seus valores familiares, tribais e etc. Por conta disso, o número de mulheres atingidas por este malefício continua crescendo. O relatório "Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina", divulgado no ano passado, aponta um aumento de dois para três milhões de vítimas por ano em relação a estudos anteriores e alerta para o fato da mutilação genital feminina já ter se tornado uma prática rotineira em 28 países da África sub-sariana e do Oriente Médio.

A prática da excisão varia de acordo com a cultura do povo que a adota. Uns são mais "moderados" outros perderam por completo qualquer noção de humanidade e aderiram ao barbarismo puro e simples. No oeste da África e na Indonésia, os nativos retiram o capuz do clitóris naquilo que a Unicef e a OMS convencionaram chamar de "excisão mínima". No leste africano (Djibuti, Etiópia, Somália, Sudão, Egito, Quênia), a infibulação, também chamada de excisão faraônica, amputa o clitóris e os pequenos lábios, secionando os grandes lábios com espinhos de acácia. Nesse modelo de excisão, apenas uma minúscula abertura destinada ao escoamento da urina e da menstruação é deixada. Esse orifício é mantido aberto por um filete de madeira, que é, em geral, um palito de fósforo. As pernas devem ficar amarradas durante várias semanas até a total cicatrização da vagina. Assim, a vulva desaparece sendo substituída por uma dura cicatriz. No casamento, a mulher é "aberta" pelo marido ou por uma "matrona".

E o sofrimento não para por aí! Após o nascimento do primeiro filho, a mulher é novamente infibulada. A operação é sempre feita por mulheres (matronas) em suas próprias casas ou nas casas dos pais da vítima, em troca de presentes pelo trabalho efetuado. A menina é posta no colo de sua mãe que segura suas pernas abertas. A vagina é então mutilada, sem anestesia, por instrumentos como uma lâmina de barbear, uma faca de lâmina flexível, tesouras ou até mesmo cacos de vidro. São inúmeras as conseqüências. Esse momento abominável pode provocar um choque cardíaco, grandes hemorragias ou sangramentos contínuos que levam à morte. Isso para não falar nos hematomas e queimações ocasionados pela passagem da urina. Não é raro ver mulheres mutiladas sofrendo com perturbações menstruais, infecções locais, urinárias e genitais que motivam a esterilidade; partos complicados, repercussões na saúde mental, como ansiedade, angústia, depressão e etc.

Mas por que estou narrando todos esses horrores? Porque há uma certa classe de intelectuais que credita que nós não devemos fazer absolutamente nada quanto a isto. Segundo eles, não podemos interferir nas tradições culturais de outros povos, pois isso seria etnocentrismo. Etnocentrismo é um conceito antropológico, segundo o qual a visão ou avaliação que um indivíduo faz de um grupo social diferente do seu é baseada nos valores, referências e padrões adotados pelo grupo social ao qual o próprio indivíduo pertence. É como ver o mundo a partir de si mesmo... Ora, não poderia haver absurdo maior do que este! Ser contra um malefício que aflige milhares de mulheres mundo afora e considerar-se superior as pessoas que o praticam não tem absolutamente nada de preconceituoso. Muito pelo contrário, é dever da sociedade civil organizada lutar para que este tipo de atrocidade encontre o seu fim tão logo quanto possível, pois aqueles que são tolerantes com a maldade mais cedo ou mais tarde acabam se tornando vítimas dela.

Decidi escrever sobre este assunto após ter lido uma notícia antiga que afirma que o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro está investigando o "Programa do Jô", por uma suposta manifestação de preconceito. Segundo a procuradoria, houve denúncias sobre uma entrevista que abordava a questão de mulheres submetidas à cirurgia no clitóris na África e que comentários do apresentador podem ter manifestado preconceito em relação a hábitos e costumes culturais daquele continente. Naturalmente, as entidades que levaram a denúncia ao MPF acusaram o programa de desrespeito a comunidades negras, claro. Confesso que não vi este episódio do programa, mas pelo caráter jocoso do apresentador eu suponho que ele tenha feito alguma piada com os adeptos desses costume hediondo que a redatora da notícia eufemisticamente chama de "cirúrgia". Também não sei em que pé anda essa denúncia - ou se já deixou de andar - mas fico estarrecido por constatar que já temos multicuturalistas dispostos a defender uma brutalidade como essa, em nome das suas convicções ideologicas.

É triste dizer isso, mas a antropologia brasileira se tornou um valhacouto de relativistas culturais e apologetas do multiculturalismo. Arguir que toda cultura é igual e por isso merece ser respeitada, é o mesmo que dizer que os outros povos tem o direito sagrado de infligir dor e sofrimento aos seus semalhantes. Graças a essa tese abominável, inúmeros grupos e entidades representativas passaram a advogar em nome dos adeptos da barbárie e da selvageria. É o caso da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que justifica o infantícidio praticado por determinadas tribos indígenas brasileiras, que têm o hábito de enterrar vivas as crianças nascidas com alguma deficiencia e os gêmeos, afirmando tratar-se de hábitos culturais dos silvícolas. Como é uma instituição reconhecida, a ABA utiliza o seu prestígio para impedir que a lei Muwaji, que visa punir este crime dantesco, seja aprovada. Revestida pelo manto do cientificismo mais calhorda que existe, a associação faz um lobby feroz no congresso para manter intocável a execrável cultura infanticida.

Cultura, meus caros, é um conceito dinâmico que se adapta e se acumula de tempos em tempos para permanecer vivo. Quando freiamos a evolução cultural impedindo a invenção ou a introdução de novos conceitos, prestamos um desserviço ao progresso. Certos valores, como o bem e o mal, o certo e o errado, são absolutos e não estão sujeitos a avaliações subjetivas. Infelizmente, a turma que anda pela seara do relativismo cultural não quer saber disso. Para essas pessoas, o sofrimento das mulheres submetidas aos horrores da mutilação genital feminina e das crianças portadoras de deficiência que são enterradas vivas no alto do Xingú, não representa absolutamente nada. Para eles, a vida dessas mulheres e crianças não vale um vintêm. A dor e o sofrimento dos pais que fugiram das tribos no intento de preservar a integridade dos seus filhos é mera bobagem; um capricho diante da manutenção de sistemas culturais sofríveis.

Não se engane, caro leitor. A defesa de tais práticas e ideias não é científica ou tampouco razoavel. Na verdade, a relativização de conceitos biologicamente inquestionáveis, como dor, sofrimento, angústia, medo e desespero, dentro de um espectro social, é brutal, cruel e eugênica ( e certamente está entrelaçada com o Nazismo e seu Socialismo de cunho "nacionalista"). Se começarmos a achar que extirpar o clitóris das mulheres e assassinar crianças indígenas em nome de um costume tribal é algo normal e, portanto, aceitável, estaremos marcando o nosso retorno a Taba. Redarguir dizendo que o que "o que nós, brancos, entendemos como sendo vida e humano é diferente da percepção dos índios" é simplesmente rídiculo, pois atenta contra todos os princípios de preservação da vida e, consequentemente, da humanidade. Tese como estas personificam tudo aquilo que há de mais maquiavélico e dantesco em nossa sociedade, pois elas insinuam que as agressões praticadas pelas famílias africanas e pelos indígenas brasileiros são legítimas.

Que mundo formidável é este que estamos construindo! Ao invés de nos apegarmos a valores como a defesa intransitiva da vida, nos deixamos seduzir por teses absurdas que flertam com a selvageria. Em nome dessa moral profunda compartilhada pelos homens ocos de que Auden tanto falava, defende-se o seu direito cultural das tribos africanas à excisão feminina e dos ianomamis ao infanticídio. O que se passa com a nossa cultura? Por que sabemos defender com mais denodo a morte — ainda que a "boa morte" — do que a vida, mesmo que uma vida nem tão boa? Não é violência corrigir o que é ruim. Violência é continuar permitindo que mulheres sejam maltratadas e crianças sejam mortas em nome de culturas instáveis e corrompidas. Sinceramente, agradeço a Deus por compreender Voltaire, e saber que o mal é mal, independente da cultura que o pratica.

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Anotações para o capítulo brasileiro da História Universal da Infâmia

Dias atrás eu escrevi um texto narrando o períplo do dissidente cubano Guillermo Fariñas, que estava em greve de fome a mais de cem dias para protestar contra os abusos cometidos pelo governo fascínora dos irmãos Castro, em Cuba.

O texto que eu escrevi, intitulado "O iogue e o dissidente", narrava a história de Guillermo Fariñas e apostava num desfecho trágico. Não que eu desejasse a morte de Farinãs, em absoluto! Mas o meu ceticismo com o governo cubano é tão grande que não cheguei a cogitar, nem por um minuto sequer, que a humanidade e a democracia pudessem vencer essa batalha. Para mim, Fariñas teria o mesmo fim de Orlando Zapata Tamoyo, cuja morte coincidiu com a visista do presidente Lula a ilha presídio.

Felizmente, o mundo é como uma imensa roda gigante e os que hoje estão em cima, amanhã haverão de ficar em baixo. A coragem de Fariñas sensibilizou o governo espanhol e a igreja católica, que pressionaram o governo cubano para que atendesse ao menos uma das reivindicações do militante moribundo. A pressão exercida pelos diplomatas espanhois e pelos sacerdotes católicos deu certo. No fim, a dupla de carniceiros que governa aquela ilha capitulou e decidiu libertar 52 prisioneiros de consciência. Sem dúvida, foi uma vitória digna de aplausos.

Contudo, é preciso ter cautela ao comemorar essa vitória. Ainda há muito a ser feito para libertar o povo daquele pequeno país caribenho. O"muro" que aprisiona a população cubana e os impede de exercer os seus direitos civis, ainda não caiu. Haja vista o número de presos - mais de 100 - cujo único "crime" foi discordar do regime ditatorial dos irmãos Castro. Para impedir que essa situação dantesca se mantenha, o mundo civilizado precisa insistir na mobilização popular e manter o cerco diplomático sobre aquele execrável regime.

Se esmorecermos, os defensores daquele regime genocida tentarão transformar a mais recente vitória da democracia em mais um peça publicitária que apela para a benevolência do governo cubano. Já existem, inclusive, pessoas interessadas em "pegar carona" na publicidade gerada pela libertação dos prisioneiros. Gente que não moveu uma palha para livrar aqueles miseráveis das garras dos fidelistas, de repente resolveu colocar as asinhas de fora e mostrar para o mundo que se não fosse pela sua altiva e destemida ação, aquelas pessoas ainda estariam apodrecendo nas masmorras do regime comunista. Para o nosso imenso pesar, essas pessoas são brasileiras e até outro dia condenavam veementemente a atitude dos dissidentes que "estavam se deixando morrer".

Para compreender melhor a questão, sugiro que leiam o texto do jornalista Augusto Nunes, que foi publicado em seu blog recentemente:

A Era Lula revogou os limites do cinismo, confirmou neste fim de semana a dupla Marco Aurélio Garcia-Celso Amorim com a reiteração da falácia segundo a qual o governo brasileiro ajudou a negociar a libertação de presos políticos cubanos. O conselheiro presidencial para complicações cucarachas tentou costurar a fantasia na sexta-feira: "Nós atuamos na surdina, sem alarde", mentiu. Abalroado pela informação de que Lula se confessara surpreso com o sucesso das gestões feitas pela Igreja Católica, emudeceu por algumas horas. Recuperou a voz ao saber que o governo espanhol interveio em favor dos presos de consciência.

"A Espanha pegou carona com a gente, viu a bola cair nos pés e chutou", mentiu Garcia outra vez. "Nosso estilo é mais discreto", mentiu minutos depois Celso Amorim, o único chanceler da história que, em vez de conversar em voz baixa, tem um chilique por dia. Antes que Lula se atreva a embarcar nessa patifaria, convém reproduzir o que disse o presidente brasileiro em março, quando visitou Cuba para confraternizar com os Irmãos Castro, criticar o dissidente Orlando Zapata por ter morrido no cárcere, trair os presos de consciência trancafiados na ilha e fechar os olhos à greve de fome iniciada pelo psicólogo Guillermo Fariñas. Três momentos da discurseira são suficientes para que se saiba de que lado Lula sempre esteve:
"Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por fazer uma greve de fome. Vocês sabem que sou contra greve de fome porque já fiz greve de fome".

"Eu acho que a greve de fome não pode ser utilizada como pretexto para libertar pessoas em nome dos direitos humanos. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".

"Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. Cada país tem o direito de decidir o que é melhor para ele. Não vou dar palpites nos assuntos de outros países, principalmente um país amigo".
Um post de 14 de março confrontou declarações de Lula com trechos do artigo sobre o mesmo tema publicado no jornal espanhol El País por Oscar Arías, presidente da Costa Rica e prêmio Nobel da Paz. Algumas linhas bastam para fotografar-se a colisão frontal entre um estadista e um candidato profissional:
"Não existem presos políticos nas democracias. Em nenhum país verdadeiramente livre alguém vai para a prisão por pensar de modo diferente. Cuba pode fazer todos os esforços retóricos para vender a ideia de que é uma “democracia especial”. Cada preso político nega essa afirmação. Cada preso político é uma prova irrefutável de autoritarismo. Todos foram julgados por um sistema de independência questionável e sofreram punições excessivas sem terem causado danos a qualquer pessoa".
Fingir agora que o Planalto e o Itamaraty se interessaram pela sorte dos prisioneiros cubanos que Lula comparou a bandidos comuns, e atraiçoou acintosamente, é mais que um lance eleitoreiro. É uma jogada sórdida. Fingir agora que o governo estendeu o braço solidário ao bravo Guillermo Fariñas, que só depois de saber da libertação dos encarcerados interrompeu a greve de fome no 135° dia, é mais que manobra oportunista. É coisa de canalha. É, também, outra evidência de que as diretrizes da política externa brasileira andam cada vez mais parecidas com as normas não-escritas do regulamento de um clube dos cafajestes.

(O título é do próprio Augusto Nunes; achei melhor preservá-lo para não descaracterizar o seu trabalho)

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10 de julho de 2010

Marina pede punição por vazamento de dados da Receita

Este blogueiro tem uma regra muito simples: assumir publicamente as coisas de que gosto e repudiar veementemente as coisas de que não gosto. É uma especie de princípio de vida que não tem absolutamente nada a ver com alinhamento partidário ou ideologia. É apenas coerência; algo que tem faltado a maior parte dos analistas políticos "isentos".

Por essas e outras, resolvi fazer um clipping com uma notícia do Estadão em que Marina Silva fala sobre o vazamento de dados sigilosos da Receita Federal.

Por Marcelo Auler

A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, defendeu hoje que os responsáveis pelo vazamento de informações da Receita Federal sejam punidos, depois de a responsabilidade deles ficar comprovada em uma investigação que, embora rigorosa, garanta o amplo direito à defesa, “pois não estamos em uma sociedade de justiçamento”, segundo disse. Para Marina, também devem ser punidos “aqueles que lançam mão de informações adquiridas de forma ilegal e fraudulenta para prejudicar quem quer que seja. Esta punição, é claro, é dada pela sociedade, pelo cidadão”, explicou.

Marina insistiu no discurso de que processo eleitoral não pode ser um vale tudo. "Toda e qualquer informação que extrapole o Estado Democrático de Direito não deve ser tolerada, nem pelas instituições, nem pelos candidatos e, principalmente, pela sociedade. Em uma eleição, se tem que provar que se é capaz de respeitar as instituições públicas. Se, para ganhar, não se respeitam as instituições e o jogo democrático, é um sinal de que quando estiver com o poder na mão, fará pior", argumentou.

Prestem atenção a este último parágrafo, pois ele é vital para aqueles que defendem a democracia e o Estado Democrático de Direito. E, por favor, não confundam a exposição dessa fala com preferência ou militância política. Esse blogueiro não tem partido, mas tem lado e quem o conhece sabe muito que lado é esse.

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9 de julho de 2010

O programa quem faz são os fregueses

Os petistas estão furiosos com esta charge do Nani que ironiza o fato do PT ser "um partido de programas". Há quem fale em processar o cartunista para impedi-lo de trabalhar. Nada mais natural! Pessoas que apoiam um programa de governo que prega o "controle dos meios de comunicação" costumam demonstrar características típicas dos ditadores.


Sinceramente, não consigo entender porque os petistas ficaram tão irritados com esta charge. Será que é por causa da crítica que o cartunista fez ao fato do PT elaborar diversos programas de governo, ao gosto dos seus "fregueses"? Ou será que é por causa da óbvia analogia com as profissionais do sexo? Bom, a julgar pela natureza dos comentários que o Nani recebeu, acho que está mais para a segunda opção. De repente, os petistas foram acometidos por um surto de moralismo agudo. Estranho, pois foram estes mesmos petistas que regulamentaram o exercício da prostituição em nosso país e deram a profissão um código na Classificação Brasileira de Ocupações. Claro, o governo negou veementemente que o ministério tivesse estimulado e oficializado a ocupação e chegou até a dizer que "o ministério estará realizando convalidações/revisões, para esta e outras famílias ocupacionais representadas no documento CBO, visando à implementação de ajustes que, eventualmente, se fizerem necessários".

Quem lê um troço destes, entende que os petistas ficaram chocados com a indigitada notícia porque são todos pudicos. Se é assim, o que diabos eles estavam querendo dizer quando elaboraram aquela cartilha ensinando as mulheres a se prostituirem? Sim, leitor! Existe uma cartilha editada e publicada pelo governo federal ensinando as mulheres a se prostituir. O documento é bem didático e traz conselhos para as prostitutas aplicarem dinheiro na poupança e recolherem a contribuição ao INSS. Também há dicas como: "seduzir com apelidos carinhosos", "envolver com perfume", "respeitar o silêncio do cliente" e até comportamentos específicos da atividade no garimpo, como "lavar roupas dos garimpeiros". Os petistas ainda abordaram o tema da ética profissional ao explicar que a prostituta deve evitar "envolvimento com colegas de trabalho".

E não para por aí! Para não deixar nenhum assunto de fora, os petistas dividiram o documento em sete áreas de atividade distintas: batalhar programa, minimizar as vulnerabilidades, atender clientes, acompanhar clientes, administrar orçamentos, promover a organização da categoria e realizar ações educativas no campo da sexualidade. E vão longe no assunto... Ignorando as propagandas contra a exploração do turismo sexual, a cartilha fala até em "fazer companhia ao turista" e "acompanhar o cliente em viagens". Sem deixar de mencionar, é claro, a preocupação que os petistas demonstram ao recomendar que as profissionais do sexo não se esqueçam das ferramentas necessárias para fazer o trabalho, entre elas: guarda-roupa de batalha, gel lubrificante à base de água e até mesmo cartões de visita. É mole ou quer mais?

Torço para que essa gente aprendam que hipocrisia não é virtude e conviver bem com as críticas não é um direito, mas sim uma obrigação imposta a todos que usufruem das benesses da democracia. Quando esse dia chegar, eles compreenderão que a função de um chargista é desconstruir discursos arranjados e fazer troça com aquilo que ninguém mais faz por medo ou receio. Humor, meus caros, não pode ter agenda. Não tem de se subordinar a um partido ou a uma ideologia, senão acaba sendo assassinado pela ditadura do politicamente correto. É por isso que as charges que apelam à educação moral e cívica, costumam ser chatas e sem graça . E é por isso também que não existem chargistas de respeito nas ditaduras. Se é para concordar, convenhamos, ninguém precisa desenhar! Basta uma palavrinha: "Sim".

Ps.: Sensato mesmo era Tom Jobim, que dizia que um país onde as prostitutas gozam, os traficantes cheiram e um carro usado vale mais que um carro novo é, sem dúvida, um país de cabeça para baixo.

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8 de julho de 2010

Quando um símbolo representa bem mas do que apenas um símbolo

O Brasil apresentou hoje a logomarca da Copa do Mundo de 2014. No seu simplismo, o país conseguiu reproduzir aquilo que há de pior no cidadão brasileiro: o nacionalismo arrogante de que Paul Johnson tanto falava. A imagem é composta por três mãos, duas verdes e uma amarela, que compõem e agarram, a um só tempo, a cobiçada taça. Ora, todo mundo sabe que a taça fica, temporariamente, com aquele que ganha a competição. Sendo assim, não cabe ao Brasil botar, literalmente, as mãos nela antes da hora. Além disso, devíamos ter atinado para um detalhe óbvio: a pluralidade da competição e o impacto deste símbolo na imagem do país anfitrião. Tenho certeza que dentro de uma ou duas semanas, os principais periódicos esportivos estarão dizendo que em vez de o desenho abrir as portas do país para os visitantes, fecha-se em si mesmo, como um caracol, e anuncia: "A taça é dos brasileiros".

E o que dizer das cores? Como predominam o verde e o amarelo, fica evidente que a idéia era usar as cores pátrias. Então o que faz aquele "2014" em vermelho? Desde quando essa é uma cor nacional? Pode até ser a de um partido, mas do Brasil ela efetivamente não é. Aliás, já que estamos falando sobre este assunto, convêm perguntar: onde foi parar a cor azul, que está estampada em absolutamente todos os símbolos nacionais? Ninguém sabe; ninguém viu. Os mais pragmáticos podem argumentar que o contraste entre o vermelho, o verde e o amarelo, fez bem ao símbolo e que o azul só serviria para deixá-lo sem graça e demodê. Talvez seja, mas isso não é desculpa para deixar de fora uma das cores da nossa bandeira. Se o azul não caiu bem no símbolo, paciência. Devíamos ter criado outro ao invés de aceitar essa excrecência.

Comparem o símbolo com o da Copa do Mundo da África do Sul: em vez da taça, prêmio que só cabe ao vencedor, exalta-se o esporte em si, na figura de um jogador flagrado num lance espetacular; em vez do nacionalismo bocó, a estilização do continente africano, necessariamente multicolorido, plural. O desenho é aberto, receptivo, festivo. O nosso, por outro lado, concentra sinais que evocam uma arrogância desnecessária e caracterizam uma espécie de bravata. Não é condizente com o nosso país. Ou melhor, é sim! Na verdade o desenho escolhido tem a cara do país da bravata. E o pior é que já nasceu velho. Espero que o futebol, ao menos, se renove até 2014.


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7 de julho de 2010

Entre a cruz e a espada

Como vocês sabem, não tenho costume de fazer previsões sobre o resultado das eleições que se avizinham e tampouco atribuir aos institutos de pesquisa dons premonitórios. Como já escrevi aqui, ainda é muito cedo para prever quem será o vencedor do próximo pleito. No entanto, já podemos dizer que não importa quem vença a disputa, o país sairá perdendo. Afinal, escolher entre uma terrorista impenitente e um ex-líder estudantil amargurado não deixa de ser uma tremenda "escolha de Sofia".

A primeira costuma afirmar que o país mudou, que os tempos mudaram e etc., mas por alguma razão inexplicavel continua se referindo com uma ponta de orgulho aos tempos em que militava em organizações terroristas que queriam transformar o Brasil em uma republiqueta soviética. Será que o Brasil terá a cara e a coragem de eleger, duas décadas depois da queda do Muro de Berlim e da derrocada do comunismo, uma militonta comunista? Eu não sei, mas até que ela tem boas chances.

O segundo é um político de menor expressão que por já ter aprontado das suas, se recusa a fazer oposição à candidata do governo. Pela primeira vez na história da república aoposição – que de oposição nada têm – tem em mãos um acervo de denúncias capaz de fazer corar os reportéres que denunciaram o escândalo no complexo Watergate. Mas, por temer a reação da sua adversária, Serra não ousa utilizá-lo. Mensalão, falso dossiês, as relações privilegiadas do filho do presidente com uma operadora de telefonia, o assassinato de Celso Daniel... Tudo isso viria bem a calhar agora!

Não se pode dizer que o medo de Serra é infundado, afinal, quem esconde os seus próprios mensaleiros - refiro-me a Eduardo Azeredo - não pode sair por aí expondo os mensaleiros dos outros. É tudo muito simples! Se ele decidir denunciar as corrupções do PT, terá que prestar conta das corrupções do PSDB. O tucano tampouco pode atacar o obsoletismo das esquerdas, porque participou ativamente dele. E também não pode investir contra Lula, porque sabe que nem de longe é tão popular quanto ele. Ora, nesse caso o que diabos ele pretende fazer? Eu ainda não sei e duvido muito que alguém saiba.

Não quero que pensem que estou aqui tomando o partido do candidato do PSDB. Longe disso. Para mim, tanto Serra como Dilma valem a mesma coisa. Isto é, zero. Estou apenas constatando que se os tucanos não mudarem a toada rapidamente, vão perder as eleições pela inércia do seu candidato. Nesse momento, os petistas estão nadando de braçadas. Claro, isso só está acontecendo porque o PT tem a sorte de contar com uma oposição absolutamente idiota.

Não passa um só dia sem que eu receba uma série de spans de generais de pijama denunciando as falcatruas do governo federal. Na ausência de uma oposição confiável, esses bravos senhores tomaram para si a responsabilidade de impedir o avança das hostes comunistas. Ora, mas por que razão, motivo ou circunstâncias não fizeram isso enquanto estavam na ativa? Silêncio. É sempre assim. Garantida a aposentadoria, os generais de antanho se transformam em verdadeiras feras. Quando estavam na ativa e detinham o poder das armas, dobraram a cerviz e capitularam diante dos abusos cometidos pelos seus superiores. Mas agora que estão na reserva, se transformaram em verdadeiros paladinos da democracia, guardiães das liberdades civis. Esse fenômeno me leva a crer que nada confere mais coragem a um general que um confortável pijama.

Isso sem falar nos monomaníacos que só pensam naquilo: atacar o PT. Não, não estou defendendo o partido corrupto. Pessoas como Tarso Genro, Marco Aurélio Garcia, Pilla Vares, Flávio Koutzii e José Genoino não são dignos de clemência. O problema é que atacar o PT com calúnias ou denúncias inconsistentes é o mesmo que favorecê-lo. E é exatamente isso que os anti-petistas profissionais, que algum lucro devem aferir das suas campanhas sistemáticas, tem feito. Querem um exemplo? Um dia desses eu recebi um email explicando por que Dilma Rousseff não pode ser presidente do Brasil. Segundo o autor, a candidata petista não poderia se tornar presidente porque teria participado do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick e nos Estados Unidos não há prescrição para um crime como esse. Sendo assim, Dilma estaria impedida de entrar em território americano mesmo depois de eleita. O autor dessa pérola só se esqueceu de uma coisa: Dilma não participou do seqüestro de Elbrick.

Será que mesmo com todos os escandâlos de corrupção, compadrio, formação de quadrilha e lavangem de dinheiro, as pessoas que advogam a favor do PSDB não consegue encontrar argumentos para defender José Serra? Será que no meio desse valhacouto de ladrões não há uma só notícia digna de ser mencionada por eles? Triste país este meu, em que a oposição está oferecendo a situação mais quatro anos de poder. Em outras épocas eu até ficaria triste, mas hoje não. Estou convencido que os governantes são apenas um reflexo - ainda que deletério - do menoscabo da população que os elegeu.

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É o mesmo que engordar porco

As pessoas que me conhecem pessoalmente sabem que não tenho qualquer tipo de apreço pela monarquia. No entanto, a anedota que publico a seguir sucita algumas reflexões interessantes a respeito desse sistema tão peculiar de governo.

- Oi, compadre! Você entende bem qual a diferença entre Monarquia e República?

- Pra mim, isto é o mesmo que engordar porco.

- Como assim?

- Na Monarquia, você pega um porco magro, coloca ele no chiqueiro e dá muita comida pra ele todos os dias (milho, farelo, restos de comida....); depois de algum tempo ele fica gordo, pesado e já não come tanto como no início - basta uma ou outra espiga de milho e algumas sobras da comida para saciar o apetite do bicho. Na República, você coloca um porco magro no chiqueiro - e gasta muito milho e farelo, até ele engordar. Quando ele fica gordo, você tira ele do cercado e coloca outro porco magro para engordar. Aí, você tira o porco gordo e coloca outro magro e fica toda a vida repentindo a operação, infinitas vezes...

- Peraí, compadre. Assim não há milho que agüente .

Respondeu, então, o que estava explicando:

- Vejo que você entendeu bem a diferença. No final, estaremos todos mortos.

Sejam sinceros; isto faz ou não faz a gente refletir?

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6 de julho de 2010

Democracia - Como garantir que ela não corrompa a si mesma?

Como eu previra, o texto "O neogolpismo e sua face tupiniquim", sucitou as mais diversas reações. Alguns estão de pleno acordo com aquilo que eu escrevi, mas outros possuem ressalvas que mercem ser analisadas com o máximo de atenção. O intuito desse novo texto é dissecar a questão e quem sabe chegar a um consenso sobre o assunto.

Tenho notado em discussões, jornais e até em artigos acadêmicos que está na moda uma distorção do conceito de democracia, segundo a qual democracia seria algo bom em si mesmo; se ela falha, a receita é mais democracia! Mais de que democracia nos estamos falando? Nos últimos anos, essa palavra tem sido usada - como uma frequência nunca antes vista - para legitimar as ditaduras e impor regimes autoritários aos cidadãos. Isso tem acontecido porque nos esquecemos que a articulação entre liberdade e democracia é indireta e deve ser mediada pelo Rule of Law (Império das Leis).

Mas o que isso quer dizer? É simples! A grosso modo, quer dizer que a liberdade antecede toda organização social e somente homens livres podem se reunir e decidir de que forma serão governados - "constituir governos entre eles" - e escolher seus representantes para exercerem esta função. Ao decidirem isto certamente perdem algo da liberdade absoluta que poderiam gozar caso, digamos, resolvessem viver isoladamente e de forma selvagem. Este quantum de liberdade perdida só poderá ser acordado por aqueles que estão em pleno gozo da sua liberdade. Naturalmente, os que devem perder a maior fração da liberdade devem ser aqueles que forem escolhidos para governar. Pois somente assim seremos capazes de garantir que os homens criem os governos, e nunca o contrário.

O problema é que a imensa maioria das pessoas faz o exato oposto disso. É natural, pois somos criados pelos nossos pais, que governam a casa com grandes poderes e provêem tudo que é necessário para a nossa subsitência. Em nossas relações familiares, aprendemos que a liberdade nos é concedida aos poucos e nossa participação nesta aquisição vai aumentando gradualmente até a idade adulta. Como a nossa única referência da sociedade é a família, projetamos os conhecimentos que adquirimos através dela no Estado. Asim, nós não apenas esperamos que ele seja o provedor das nossas necessidades, como também que nos conceda a liberdade necessária para que possamos viver condignamente. Este é o fundamento da democracia para o homem-massa: eleger os dirigentes que distribuirão mais benesses é mais importante do que ser livre e responsável por si mesmo. Lamentável!

Esse conceito deturpado e acrescido de inúmeras excrescências tem pouco ou nada a ver com o ideal democrático. Por essa razão, precisamos depurá-lo para só então compreendê-lo. Nesse processo, o primeiro elemento que devemos subtrair da nossa equação é o termo "democrácia direita". A rigor, a democracia direta nunca existiu. Democracia é a predominância da vontade de uma maioria sobre um minoria e nada além disso. Na Grécia, louvada por muitos como a mãe da democracia, somente os homens livres e adultos votavam, as mulheres e os escravos eram excluídos da Ágora. O "povo" grego era representado por um minoria contemplada pelo governo que não fazia outra coisa senão refletir os desejos do próprio governo.

Como se vê, a única diferença entre o sistema político adotado pelos gregos e as ditaduras modernas era a aceitação. O primeiro era tido como legítimo e ordinário pelos cidadãos e o segundo era - e ainda é - imposto a revelia das leis. Percebam que as diferenças tangem apenas a aplicação do sistema, o seu modus operandi é muito parecido e termina por privar o povo da liberdade e do império das leis de que lhes falei. Mas então qual é a melhor forma de governo? Sem dúvida é aquela em que as pessoas consentem em ser governadas. Consentir em ser governado não é a mesma coisa que se submeter a vontade da maioria, em absoluto. Na verdade, o consentimento dos governados é uma situação na qual o povo se autogoverna nas suas comunidades, na religião e nas instituições sociais, e nas quais o governo só pode entrar mediante o consentimento do povo. Existe entre o povo e o governo limitado um vasto espaço social no qual homens e mulheres, nas suas capacidades individuais, podem exercer a liberdade do autogoverno. Simples, não acham?

Naturalmente, isso por si só não garantirá a segurança da democracia, da liberdade e da inviolabilidade das leis. Por isso, a sociedade civil organizada criou o conceito de checks and balances (um conjunto de limitações e inspeções dentro do sistema governamental cuja função é manter o balanceamento entre as diversas facções e impedir que uma delas acumule poder em excesso). Algo parecido com o Poder Moderador instituídos pela Constituição Brasileira de 1824 e pela Carta Constitucional portuguesa de 1826. A fórmula é simples, aliás simplíssima. Ao invés de três poderes, haveriam quatro: Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário e o Poder Moderador. Este último seria responsável pelo equilíbrio entre os demais e, em última análise, poderia exercer uma força coativa sobre os outros.

Essa "precaução extra" é o remédio para as doenças mais comuns nos Governos Republicanos: a tirania democrática (abuso pela maioria dos direitos da minoria) e a incompetência democrática (tendência inerente às democracias de não funcionarem com eficiência). Mas, este remédio tem que ser aplicado com parcimônia, do contrário os seus efeitos podem se tornar nefastos. Foi exatamente por isso que criamos a separação dos poderes. Através dela, garantimos que o remédio seja administrado de acordo com as nossas necessidades e impedimos que uma mesma pessoa faça parte de mais de um Poder, ou que um dos Poderes assuma a função do outro. Em tese é maravilho, mas na prática isso nunca funionou muito bem no Brasil. Aqui, o presidente se imiscui nos assuntos do Poder Legislativo por intermédio das Medidas Provisórias - que se parecem muito com os Decretos Lei do Estado Novo - e passa assim, a fazer parte - ainda que de maneira informal - de mais de um Poder.

Para evitar que isso continue a acontecer, precisamos reservar os poderes não delegados ao Estado pela Constituição, nem por ela proibidos, ao povo. Isso já é feito, de maneira exemplar, na Suíça. Lá o povo tem a última palavra sobre questões essenciais. Pelo menos quatro vezes por ano os cidadãos suíços recebem um envelope da Confederação Suíça do seu Cantão ou da sua Comuna e são convocados a opinar sobre assuntos específicos. Ao contrário das democracias representativas puras, os eleitores suíços podem se manifestar amiúde, se constituindo assim na instância política suprema, e não apenas episódica. A grande maioria das votações se faz de forma secreta utilizando urnas, ou enviando envelopes fechados pelo correio. Em dois cantões ainda se utiliza o sistema de "Assembléia Popular" (Landsgemeinde), onde os cidadãos votam em praça pública, erguendo suas mãos.

E os referendos? Os suíços também apostam nos referendos, mas diferente do que acontece na América do Sul, lá o governo não detêm o direito de convocá-los. Somente o povo tem o direito de propor a realização de consultas sobre questões essenciais e se porventura ficar insatisfeito com o seu resultado, pode reunir reunir 50.000 assinaturas (cerca de 0,67% da população), e ter o direito de convocar um novo referendo que poderá revogar a lei aprovada pelo primeiro. É fácil compreender o porquê disso. Os suíços aprenderam - há mais tempo do que nós - que nos países em que as instituições democráticas não são sólidas, ou são instáveis, o chefe do Poder Executivo pode usar as consultas populares para fins partidários, ideológicos, autoritários ou auto-legitimadores. É tudo muito simples; muito elementar.

Quando os poderes do governo nacional se resumem aqueles que foram delegados a ele pelo povo, através da Constituição, asseguramos a impossibilidade dos tiranos e ditadores fazerem este tipo de coisa. Além disso, no espaço deixado por um limitado governo central o povo pode se auto-regular, de acordo com seus valores morais e sociais, e apelar para as instituições políticas locais para obter auxílio. Note-se que a forma de governo - monarquia ou república - não tem tanta importância assim. Do mesmo modo, não faz diferença se a democracia é direta ou representativa, se o país é capitalista ou socialista. A raison d'être dos procedimentos democráticos escolhidos como os melhores - ou menos ruins - é defender a liberdade individual e o direito das minorias. Reparem que isso é bem mais do que apenas votar e ser votado! Isso é cuidar para que a democracia tenha os meios e modos constitucionais necessários para impedir que seus instrumentos sejam usados, perversamente, para fomentar a democracia delegativa - que é seu exato oposto.

Quando ignoramos isto, a democracia se tranforma na herdeira direta da monarquia absolutista. Ou pior, pois ao menos naquela havia a possibilidade do sistema de governo avançar para a monarquia constitucional ou para a república. Nos países onde as consultas populares foram usadas para legitimar a vontade dos seus governantes, nem mesmo isso há. Vejam o exemplo do Venezuela e do Equador. Nesses dois países, os governantes usaram as suas respectivas eleições populares como um subterfúgio para cometer toda sorte de arbitrariedades contra o Estado Democrático de Direito. É como se o voto tivésse conferido a eles poderes imperiais. Ao invés dos antigos "Eleitos" por direito de sangue, os "Eleitos" por direito de voto, que constituem a casta dos cidadãos de primeira classe; cabe aos eleitores se contentar com a segunda classe, aos quais não se deve nenhuma obrigação, apenas o pagamento de benesses para anestesia. Por isto, a democracia tal como é entendida pela modernidade, é a democracia adjetivada de social, na realidade "socialista", um eufemismo para evitar o reconhecimento da tirania comunista, que é de que se trata. Há uma frase de Chesterton que ilustra muito bem isso: "Os republicanos tinham um horror enorme à palavra 'rei'. Como conseqüência, inventaram e nos impuseram a palavra 'imperador'".

Ao contrário do que acontecia no passado, hoje os negros, mulheres e homossexuais podem exercer o seu direito democrático livremente, mas ao contrário do que muitos pensam, isso não representou um avanço. Digo isso porque se criou uma nova classe de excluidos: os oposicionistas, que perderam vez e voz nessa relação espúria com o Estado. Nos casos menos graves, eles foram excluidos das relações políticas e nos mais graves... Foram excluidos até das relações públicas em nome das supostas "boas intenções". Nesses países, democracia passou a ser o sistema de governo em que eles mandam no povo e ditadura quando o povo escolhe deliberamente mandar neles. Percebem a inversão?

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5 de julho de 2010

O ópio acabou

Confesso que não sei o que mais me irrita nesses dias Copa do Mundo; se o ruído das malditas vuvuzelas ou a falta de decoro dos comentaristas da Globo. O barulho das vuvuzelas é irritante, sem dúvida, mas acho que o relativismo moral dos nossos comentaristas é ainda pior. Foi difícil ver aquele time de "jornalistas" contratados a peso de ouro louvando Luís Fabiano, que meteu o braço na bola duas vezes para fazer seu gol de placa. Mas o que há de ser feito? Nesses dias de Copa do Mundo, acusar a ilegalidade do feito se confunde com uma espécie de mesquinharia, de inapetência para a celebração. Afinal, Luis "Fabuloso" Fabiano é brasileiro e tem aquele jeito moleque de driblar as regras e tirar vantagens dos tolos. Jeito que se não foi criado, foi difundido por um outro jogador de futebol: Gerson, o "Canhotinha de Ouro". Com a filosofia de que o importante é levar vantagem em tudo, ele conseguiu perverter praticamente todos os nossos costumes. Imaginem se o Massie - ou qualquer outro jogador argentino - tivesse metido a mão na bola e saído todo faceiro. Tenho certeza que diriam que isso é um absurdo. Mas, como foi o Luis "Fabuloso" Fabiano...

Como se não bastasse, fomos obrigados a ver os mesmos comentaristas enaltecendo a atitude do jogador uruguaio Suarez de meter a mão na bola para evitar que seu time fosse desclassificado do torneio. Meter a mão na bola já foi sinônimo de trapaça, de roubo. Mas esses tempos ficaram para trás e hoje em dia esse gesto, digamos, inusitado, acabou virando sinônimo de coragem e virtude. Para aquele time de comentaristas, devemos saudar Suarez, cujo gesto maroto salvou a sua seleção da desclassificação e acabou eliminando a última seleção africana do mundial. Some-se a isso, os comentários pra lá de inapropriados que foram dirigidos a Felipe Melo no lance que gerou a sua expulsão. Segundo o time de comentaristas da Globo, a expulsão foi injusta e denota um "rigor excessivo" do arbitro. Será que eles se esqueceram que os jogos de hoje são filmados e que os videoteipes estão acessíveis a qualquer um que possua um televisor? Não creio! Na realidade, o que esses Kants da bola queria é que a população ignorasse o pisão vergonhoso que Felipe Melo deu no jogador holandês. Mas não adiantou. Felipe Melo é quem é e ninguém em sã consciência seria capaz de ignorar isso.

Felizmente esse cinismo acabou! A seleção brasileira capitulou diante da selção holandesa e agora a impresa poderá voltar a tratar das questões verdadeiramente importantes para este país. Thank you dutch people! Pois eu já não suportava mais tamanho descaso com as questões relevantes desse meu Brasil. Claro, ainda vai levar algum tempo para o brasileiro acordar do seu estado de torpor. Você dúvida? Então dê uma olhada nas propagandas triunfalistas que estamos tendo que engolir. Estou certo que se o Brasil tivesse vencido, os publicitários estariam retratando a nossa seleção como os "fortões" do Bairro Peixoto. Como perdeu - e feio - eles resolveram apostar na autocomiseração. É sempre assim... Quando se está por cima, as propagandas são uma uma mistura de Carnaval com Leni Riefenstahl. Quando se está por baixo, sobra aquele tom decoroso dos ressentidos cheios de alma. Será que o Brasil não consegue ser um pouco menos sisudo e um pouco mais gauche? Será que faz mal rir de si mesmo?

Mas nem tudo é desgraça! Ao menos a derrota serviu para por um freio no uso político da Copa. O presidente Lula e sua candidata Dilma Rousseff, que não são bobos nem nada, já haviam anunciado a intenção de ir à Africa do Sul. O objetivo dessa dupla de malandros, óbvio, era se agarrar à taça e garantir algumas boas tomadas para usar na propaganda eleitoral do seu partido. Mas, como diria Drummond: "Havia uma Holanda no meio do caminho". Com a derrota do time de Dunga, a dupla de oportunistas foi obrigada a enfiar a vuvuzela no saco e ir tocar em outras paragens. Que bom! Não deixa de ser uma vitória para o cidadão brasileiro.


A propósito

Algumas pessoas me perguntam se não canso de descer o malho no presidente Lula? Essas pessoas argumentam que a despeito das minhas críticas, a popularidade dele continua crescendo e etc. Segundo eles, não é possível que tantos estejam enganados e tão poucos estejam certos. Ora, é justamente o contrário! Se 170 milhões de pessoas afirmam que uma coisa é boa, elas só podem estar enganadas. Afinal, inteligência não brota em árvores. Assim, quando vejo um pensamento sendo compartilhado por milhões de pessoas, logo presumo que se trata de uma bobagem. Entenderam?

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Um costume hediondo

Milhares de meninas africanas foram - e continuam sendo - submetidas à extirpação do clitóris, em operações realizadas sem quaisquer cuidados de saúde. A situação já foi denunciada por Ayaan Hirsi Ali em seu belo livro A Infiel e agora é outra somali, a modelo Waris Dirie, quem critica essa prática nefasta.
As histórias são parecidas: sem aviso, as meninas são levadas pelas mães a um local ermo, onde encontram uma espécie de parteira que as espera com uma navalha. Sem qualquer anestesia ou assepsia, a mulher abre as pernas das garotas - muitas vezes, crianças de menos de dez anos - e corta a região genital, num procedimento que varia da retirada do clitóris ao corte dos grandes lábios e à infibulação (fechamento parcial do orifício genital).

Estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres vivem hoje sob consequências da mutilação - a maioria na África. A organização tem uma campanha contra a prática, que considera prejudicial à saúde da mulher e uma violação dos direitos humanos.

A mutilação ocorre em várias partes do mundo, mas tem registro mais frequente no leste, no oeste e no nordeste da África e em comunidades de imigrantes nos EUA e Europa. Em sete países africanos - entre eles Somália, Etiópia e Mali - a prevalência da mutilação é em 85% das mulheres. (Continua)
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1 de julho de 2010

O "neogolpismo" e sua face tupiniquim

A América Latina tem sido um laboratório de fórmulas de aparência democrática criadas com o único e verdadeiro intuito de suprimir a democracia. O principal centro de elaboração destas fórmulas é a Venezuela, do caudilho Hugo Chavez. Uma vez eleito, o golpista frustrado de 1992, aplicou um método populista vulgarmente chamado pelos seus adeptos de "democracia direta". O método consiste na convocação de um plebiscito para examinar a proposta de convocação de uma nova constituinte. O ardil está em aplicar o método logo após a vitória eleitoral, maneira infalível de garantir sem maiores riscos a criação da Câmara para rever a Constituição e, posteriormente, assumir o seu controle. O modelo já foi exportado para a Bolívia e o Equador, onde Evo Moralles e Rafael Correa plasmaram constituições para garantir a sua permanência por um período indeterminado.

Diferente do golpe de estado convencional, preconcebido por um grupo de militares que usurpam o poder por meio da força, o "neogolpismo bolivariano" se utiliza dos dispositivos democráticos para atacar a própria democracia. Esse novo tipo de golpe é encabeçado por civis e conta com o apoio tácito (passivo) ou a cumplicidade explícita (ativa) das Forças Armadas. Seu objetivo é violar a constituição do Estado com uma violência menos ostensiva. Para isso, os novos golpistas tentam preservar um semblante institucional mínimo (como o Congresso em funcionamento e/ou com a Suprema Corte temporariamente intacta), para dar ao povo a falsa ideia de que vivem em uma democracia. Ao contrário dos golpes que ocorreram nas décadas de 60 e 70, nem sempre há uma grande potência (por exemplo, Estados Unidos) a par dos desígnios dos golpistas.

Na América Latina, existe uma espécie de "escola" do neogolpismo. Ano após ano, aqueles que atentam contra a democracia vêm se aprimorando e tornando os métodos de atuação mais sofisticados e - por que não? - menos questionáveis. Por exemplo, os golpes que ocorreram no Equador - contra Abdalá Bucaram em 1997 e Jamil Mahuad em 2000 – eram tão efetivos e sofisticados que acabaram sendo tolerados e aceitos na região. Não existiu uma virulência desproporcional e as sucessões presidenciais se encarregaram de lhes dar aspectos de quase constitucionalidade. Washington e Brasília (especialmente no caso de Mahuad) não questionaram seriamente o que ocorreu, e até hoje o Grupo do Rio e a Organização dos Estados Americanos discutem o assunto.

Tempos depois, em 2002, houve uma tentativa desastrada de depor Hugo Chávez na Venezuela. Países como Argentina, Brasil e Chile reagiram imediatamente, repudiando o ocorrido e qualificando-o como um golpe de Estado. Mas os americanos, cientes do mau que Hugo Chávez representava para as liberdades individuais do povo venezuelano, decidiram seguir por outro caminho. Eles não apenas se recusaram a emitir uma nota de agravo ao golpe como também o justificaram (o mesmo foi feito pela Espanha, Colômbia e o pelo Fundo Monetário Internacional). Dois anos mais tarde, em 2004, os americanos recorreram novamente ao conceito de golpe benévolo e promoveram a saída forçada de Jean-Bertrand Aristide, no Haiti. Na ocasião, Washington sustentou que foi Aristide quem provocou, com o seu comportamento antidemocrático, a crise institucional que levou à sua remoção do governo. De fato, todos esses homens foram destituídos do cargo de presidente por atentar - direta ou indiretamente - contra a democracia.

Agora, quem insiste neste assunto é o PT, por meio da sua candidata, Dilma Rousseff. Em uma entrevista recente, ela falou sobre a necessidade de uma reforma constitucional, mas não especificou o que, exatamente, mudaria em nossa Constituição. Até aí, nenhuma surpresa! Consta no programa do partido a nacionalização do kit chavista que prega, entre outras coisas, uma democracia sem alternância de poder, sem liberdades republicanas e sem a possibilidade de convocar uma nova constituinte para desfazer os arranjos da anterior. É, em suma, um golpe branco. Desferido por meio das instituições democráticas como um tapa com luva de pelica. Já imaginaram o risco que o nosso país correrá caso regras implementadas em áreas essenciais da política possam sem alteradas em votações por maioria simples, numa Câmara dominada pelo PT e seus aliados fisiológicos? Seria um desastre!

Na prática, os plebiscitos marcam o retorno ao cesarismo, um regime político onde o povo delega vultosos poderes a uma só personalidade. Querem um exemplo? Vejam o que aconteceu em Portugal, com Salazar e na Alemanha, com Hitler. Dilma sabe disso, mas mesmo assim reafirma o credo petista a favor de propostas como o financiamento público das campanhas, da votação em lista e da aplicação de plebiscitos. São ideias muito polêmicas, sem dúvida! A estatização completa dos gastos em campanha, por exemplo, não eliminaria o risco de caixa dois e o voto em lista, não individualizado, acabaria concedendo poder absoluto as cúpulas partidárias (como no modelo soviético). Já a aplicação de plebiscitos... Dispensa comentários! A controvérsia em torno dessas bandeiras desaconselha a convocação de uma constituinte, sobretudo após uma vitória eleitoral que poderia "contaminar" o trabalho dos nossos legisladores.

Além disso, não há garantias que essa constituinte não trará mais prejuízos do que benefícios para a população. Câmaras revisoras são convocadas em circunstâncias muito específicas, como guerras e mudanças de regime. Usá-las para tratar de temas que poderia ser facilmente apreciadas pelos nossos legisladores é uma ofensa ao Estado Democrático de Direito, pois põem em xeque o equilíbrio entre os poderes. Mas os petistas não estão nem aí para isso! Afirmam que a discussão só não foi levada a termo pelo Congresso porque não há interesse entre os senadores. Ora, se os governistas não são capazes de arregimentar a maioria dos nossos congressistas é porque não existe consenso na sociedade em torno desta revisão. Vocês podem apostar que no dia em que houver um consenso na sociedade em torno da revisão da nossa Constituição Federal, não faltarão deputados e senadores empenhados em levantar essa bandeira. Afinal, é o eleitor que garante a permanência deles na casa e, por conseguinte, o leite dos seus filhos.

O PT sabe que existem aperfeiçoamentos na legislação eleitoral que prescindem de mudanças constitucionais. Mas estes aperfeiçoamentos não tocam em uma questão fundamental para o partido: o limite imposto por lei para que um político possa ser reeleito. Por isso, decidiu contornar a questão com esse papo de que precisamos fazer uma reforma constituinte o quanto antes. Não se enganem, reformas propostas na surdina por um partido ou mesmo por uma entidade representativa, não raro possuem um DNA golpista. O assunto é sério, delicado, e não pode ser esquecido na agenda de debates dos candidatos sobre a sucessão presidencial.

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Um texto sobre sobre psicologia social, formação da identidade cultural brasileira e etc.

Agora há pouco eu estava lendo um texto do Stephen Kanitz sobre psicologia social, formação da identidade cultural brasileira e etc. Como o assunto é vital para que possamos compreender as relações de poder no Brasil de hoje, me senti tentado a escrever alguma coisa a respeito. Em seu texto, Kanitz afirma que uma parte considerável da responsabilidade pela nossa forma de ser e da igreja católica. Não há dúvida de que o catolicismo desempenhou um papel importantíssimo na formação política, religiosa, social e cultural do brasileiro. Mas daí a dizer que devemos a ela boa parte das mazélas que afligem a nossa sociedade... Chega a ser um despropósito!

O texto de Kanitz manifesta um engano que parece ser extensivo a uma parcela considerável da intelectualidade brasileira. Já virou lugar comum atribuir as falhas dos brasileiros - que vão dos de caráter aos vícios públicos e privados - ao catolicismo. Para eles, é a nossa herança católica que nos denigre e deforma. Claro, isso não passa de mais uma bobagem progreçista que acabou contaminando a todos. Até mesmo um intelectual de peso como Sérgio Buarque de Hollanda embarcou nessa canoa furada e atribuiu o fato de sermos "docéis" e "cordatos" a nossa educação católica apostólica romana. A tese é interessante, mas não pode ser tomada como verdade absoluta. Observem a forma violenta com que os brasileiros, de modo geral, pautam as suas relações sociais e me respondam: vocês realmente acreditam na suposta cordialidade do nosso povo?

Nós, brasileiros, pensamos e agimos de uma forma um tanto passional. Mas não fazemos isso porque somos cordatos e sim porque temos uma imensa dificuldade para entender as formalidade do mundo político. Do meu ponto de vista, agimos assim porque somos incapazes de estabelecer distinções entre o público e o privado, por exemplo. É natural que um povo que não consegue compreender questões fundamentais da vida pública, prefira ser guiado pela emoção em detrimento da razão. O problema é que ao agir assim, somos inseridos num círculo vicioso, onde abdicamos da nossa cidadania para manter uma relação de informalidade com o Estado. Para que trabalhar se podemos ganhar na loteria? Para que exigir que os nossos filhos estudem, se eles podem se tornar jogadores de futebol? Para que ensinar as nossas filhas a serem idependentes, se elas podem resolver todos os seus problemas conseguindo um bom marido? Para que se empenhar em obter aquela promoção, se aquele parente que tem um bom emprego na prefeitura pode conseguir isso num piscar de olhos?

Quando deixamos de conviver com a nossa cidadania (em potencial), perdemos a chance de influenciar na vida política do nosso país e assumimos a posição de servos, submissos a vontade do seu senhor ou imperador. Mas espere aí. O absolutismo acabou! Será mesmo? Na prática, nós trocamos seis por meia dúzia. Substituimos a imagem do monarca que protege a todos pela do presidente que é eleito a cada quatro anos, mas continuamos reverenciando a sua figura como se fossemos dependentes dela. Na maioria dos países do mundo, a transição entre a monarquia e a república veio acompanhada por uma mudança na mentalidade da população que deixou de ser servo para se tornar cidadão. No Brasil, as coisas não foram bem assim... Nos tornamos cidadãos com mentalidades de servos e geramos um híbrido da democracia com o despotismo que acabou propiciando o surgimento de inúmeros escândalos políticos. Os inumeráveis casos de corrupção, acordos políticos, compadrios, fraudes eleitorais, golpes, manipulação da população, miséria e etc., são um exemplo disso.

O PSDB e o PT, por exemplo, surgiram da militância nas agremiações de esquerda e possuem inúmeros políticos de formação marxista leninista. No entanto, agem como verdadeiros donos do Brasil e usufruem do herário como se este fosse uma espécie de direito legalmente instituido. Aqui, como em outros casos, não há nenhuma influência do catolicismo que exorta os seus fiéis a "partilhar o pão". O que temos, meus caros, é a manifestação mais cabal desse misto de democracia com despotismo que nós criamos. No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, o Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo. Você não concorda? Então analise atentamente a implantação do método gramsciano de domínio dos aparelhos de Estado e dos meios culturais. Graças a ela, uma casta de intelectuais que praticaram e praticam intencionalmente o duplo pensar, pregando mentiras contra a sua própria consciência e buscando por todos os meios minar a ordem moral da sociedade, se apossou do Estado como se este fosse um espécie de burgo.

O catolicismo sempre pregou o oposto disso! Seus sacerdotes sempre foram contra todos aqueles que não atendiam à voz de comando do "centralismo democrático" e praticavam a dissimulação, a mentira e o fisiologismo político. Se quisermos encontrar a razão de ser do povo brasileiro, não devemos procurar em livros como o Malleus Maleficarum e o Codex Inquisitorum, mas sim no Capital e nos Cadernos do Cárcere. Mas, claro, ninguém está interessado em encontrar o X dessa equação. Ao que parece, a infiltração gramsciana foi tão bem sucedida que até homens de inteligência excepcional, como Kanitz, passaram a usar a mesma linguagem e a fazer a mesma falsa pregação de forma voluntária e inconsciente. Por isso, nada mais justo do que reproduzir uma citação que é oriunda da religião apontada por eles como a causadora de todas as nossas desgraças: "Pai, perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem".

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