24 de junho de 2010

Katyn na Dicta & Contradicta

A última edição da revista Dicta & Contradicta traz uma excelente matéria sobre um dos eventos mais sombrios da história da humanidade: o Massacre de Katyn.

Em abril de 1940, 22.500 oficiais poloneses foram executados com uma bala na nuca e enterrados em vala comum na floresta de Katyn, perto de Smolensk. Os responsáveis por essa bárbaridade foram os comandados de Lavrentiy Beria, antigo direitor da NKVD e amigo íntimo de Stálin. Beria também foi o responsável pelo Grande Expurgo de Stálin, na décadade 30. Uma ação persecutória que liquidou cerca de dois terços dos quadros do Partido Comunista, ao menos 5.000 oficiais do Exército (acima da patente de major), 13 generais de cinco estrelas do Exército Vermelho e inúmeros civis. Como prerrogativa o Politburo declarou que todas essas pessoas eram "inimigos do povo".

Aliás, essa foi a mesma justificativa apresentada pelo tirano quando ordenou a morte daqueles polonêses na floresta de Katyn, no final da década de 40. Felizmente, essa carnificina não passou desapercebida. Um ano depois, em 1941, os alemães entraram no território soviético e descobriram do que os comunistas eram capazes em nome da sua ideologia assassina. Mas, como todo sistema comunista se alicerça única e exclusivamente na mentira... Com a quebra do "Pacto Molotov-Ribbentrop", em 1941, a troika Soviética passou a atribuir o massacre de Katyn aos nazistas, embora toda Polônia soubesse que a carnificina tinha sido ordenada por Stalin. Aos recalcitrantes que ousassem levantar a voz contra a mentira soviética, caia a mais virulenta repressão, não raro acompanhada de novos fuzilamentos.

Em 1990, o presidente russo Mikhail Gorbatchev assumiu a culpa pelo Massacre de Katyn, em uma conversa com Lech Walessa. Mas os comunistas, afeitos a dualética marxista, fizeram de tudo para desmenti-lo. Alguns historiadores, advogados, políticos e jornalistas argumentam que os documentos que serviram de base para a confissão de culpa de Gorbatchev são falsos e foram fabricadas por forças hostis à URSS para desacreditar o regime soviético. Os defensores da versão oficial chegaram a organizar uma mesa redonda com o tema "Katyn - Aspectos Jurídicos e Políticos", na qual participaram apenas os defensores da versão oficial divulgada por Stálin. Na ocasião, os oficialistas soviéticos chegaram a seguinte conclusão: Hitler havia ordenado a construção de um bunker em Smolesk e após a sua execução, fuzilou todos os prisioneiros que participaram da sua construção. Uma hipótese que de tão absurda, chega a esbarrar no ridículo!

Em 2004, após 14 anos de investigações, os tribunais militares soviéticos arquivaram o dossiê de Katyn, alegando que se tratava de um crime comum que já havia prescrito. Nada mais compreensível e, por extensão, revelador. Desde Nikita Khruschev, com a sua fraudulenta política de "coexistência pacífica", passando por Leonid Brejnev, Andropov, Chernenko e Gorbachev (para não falar em Stalin, óbvio), todos os ditadores da URSS trataram de manter os registros e documentos do massacre de Katyn soterrados nos repositórios secretos do Partido Comunista, visto que a "exposição de tais fatos poderia trazer conseqüências desagradáveis para o Estado Soviético e o socialismo".

Em 2010, a pantomima criada pelos historiadores marxistas finalmente encontrou o seu fim. Naquele ano, o presidente Dimitri Medvedev decidiu abrir os arquivos sobre o Massacre de Katyn pondo fim a um processo que havia se iniciado em 1991, com Boris Yetsin. Nestes aquirvos, foi encontrada uma nota - assinada por Beria - que atesta a culpa dos soviéticos no massacre. No texto, o ex-diretor da NKVD propõe que todos os oficiais poloneses presos durante a invasão soviética da Polônia, em 1939, sejam sumariamente executados. Apesar disso, o governo russo não emitiu nenhuma nota de pesar; nenhum pedido de desculpas as famílias das vítimas.

Temos dezenas de filmes sobre os campos de concentração nazistas, sobre as matanças de Hitler. Mas não me recordo de nenhum filme sobre os gulags soviéticos ou sobre os Massacres stanilistas. Pergunto-me porque razão, motivo ou circunstância, nenhum cineasta se interessou em filmar "Arquipélago Gulag", de Soljenítsin? Óbvio que essa é uma pergunta capsciosa! A maioria das pessoas envolvidas com a idustria cinematografica está comprometida - em maior ou menor grau - com a ideologia que propiciou esses massacres. Nenhum deles está preparado para abrir mão da "fé" que abraçou com tanta veemência. Nenhum deles está preparado para reconhecer que o "novo homem" precognizado pelos socialistas é na verdade um tirano sanguinário.

Na falta de um cineasta de peso como Spielberg ou Polansky, coube ao cineasta polonês Andrzej Wajda, narrar a história do Massacre de Katyn. E ele o fez maravilhosamente bem! Wajda deu vida a ferida acompanhando, pelos olhos da esposa de um oficial polonês, os caminhos tortuosos que o Massacre de Katyn abriram em seu país. Ele foi e voltou no tempo ara mostrar o impacto na vida de cada pessoa afetada direta ou indiretamente pelos massacres e conseguiu produzir um equilibrio perfeito entre estes momentos de grande impacto - a produção é impecável - e as reiteradas tentativas da população de retomar uma rotina normal após a guerra.

Ao dramatizar o sofrimento e a dor moral dos poloneses (em especial, das polonesas) que resistiam à mentira comunista institucionalizada, o filme do diretor polonês robustece a arte e faz do cinema um instrumento a serviço da consciência humana. Wajda não é um falso artista, o enganador, digamos, na linha de um Cacá Diegues, tipo que se esconde por trás da mistificação ideológica para justificar a mentira utópica. O polonês trabalha duro, e de forma inspirada, na busca de um sentido transcendente que lhe permita inquirir a verdade perversa do seu tempo com senso moral e independência.

Infelizmente, nem mesmo o sucesso do filme foi suficiente para demover as críticos e intelectuais brasileiros da mentira contada pelos soviéticos. Não houve qualquer menção ao filme de Wajda na imprensa especializada e mesmo nos grandes jornais, a cobertura do seu lançamento foi pífia. Lembro-me que na ocasião do lançamento do filme, a secção de serviço "Rio Show", no Segundo Caderno de "O Globo", disse o seguinte: "Os bastidores do Massacre de Katyn, meses depois da invasão nazista na Polônia, em 1939". Apenas isso! Não sei se foi por ignorância ou cínismo, mas o fato é que a imprensa brasileira - à exemplo do que acontece lá fora - se recusou a cobrir um dos episódios mais torpes da 2ª Guerra Mundial, que eliminou praticamente toda elite militar polonesa e foi perpetrado pelos comunistas à serviço do Kremlin. Uma lástima!

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2 comentários:

  1. Este post é relevantíssimo! Já o encaminhei para a discussão na Marx é Inquestionável.

    Além disso, não é só a crítica especializada está corrompida, meu amigo. Os Historiadores não estão fazendo o seu papel de guardiães da memória.

    Lidei com um desses imbecis na Marx é Inquestionável e o FDP disse que o objetivo do historiador é "estudar o homem concreto, que pode ser homem, mulher ou criança". Convenhamos esse homem concreto não é só abstrato, como tira do homem o poder de ser senhor do seu próprio destino. Aí fica essa merda de luta de classes intocada. Ah, me poupe, né?

    Thiago, eu agradeço a você mais uma vez por ter escrito este post relevante! Este blog merece ser lido por mais gente.

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