7 de junho de 2010

Para refletir

O Brasil ficou com nota 25,25 no índice do Repórteres sem Fronteiras, praticamente a mesma nota do Sudão, país governado por uma ditadura que carrega o peso das mortes de mais de 400 mil pessoas. A nossa vizinhança também aferiu notas medíocres, comparáveis apenas a outras ditaduras como o Congo, Líberia, Camboja e Senegal.

  • 80 Congo 24,50
  • 81 Moldóvia 24,75
  • 82 Argentina 24,83
  • 83 Senegal 25,00
  • 84 Brasil 25,25
  • 85 Cambódia 25,33
  • 85 Libéria 25,33
O relatório sobre o nosso país, que ao meu ver está incompleto, afirma que vários tipos de pressão e assedio são usados para censurar a mídia no Brasil e cita diversos casos em que isso ocorreu sem que a sociedade civil organizada objetasse. Para os autores do relatório, os legisladores brasileiros ainda não abordaram a necessidade cada vez mais urgente de criar leis especificas para proteger a imprensa nacional dos arroubos dos censores.

É evidente que liberdade de imprensa no nosso país enfrenta problemas graves. Em uma decisão tomada em 30 de abril de 2009, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal considerou a Lei de Imprensa (Lei Nº 5.250, de 1967) não recepcionada pela Constituição de 1988, o que, na prática, significou a sua revogação. Essa revogação, defendida pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) desde sua criação, em 1979, ainda apresenta um aspecto preocupante, pois deixou a imprensa brasileira vulnerável diante da falta de parâmetros para a fixação, pelo Judiciário (em particular nas instâncias inferiores), das condições do exercício do direito de resposta demandado por cidadãos ou pessoas jurídicas que se considerem prejudicadas por matérias eventualmente desfavoráveis ou que contenham erros factuais.

A maior preocupação é com a ampliação do poder discricionário dos magistrados, especialmente os de 1ª. instância, no julgamento de ações de reparação de dano moral. Isto ér grave e para se ter uma ideia do que pode gerar, em 28 de março a ANJ emitiu nota oficial em apoio ao Jornal O Estado de Minas, que após publicar uma série de reportagens sobre irregularidades na Universidade Federal de Minas Gerais, foi condenado, em primeira instância, a conceder resposta desproporcional ao espaço ocupado pelas matérias que deram origem à ação judicial. É como se a ofensa que gerou a ação tivesse sido publicada em uma nota de rodapé e o jornal condenado tivesse sido obrigado a dedicar a parte ofendida a primeira página.

Em decisão de 17 de junho, o Supremo Tribunal Federal , por 8 votos a 1, declarou inaplicável a exigência de diploma de curso superior em jornalismo como condição para o exercício da profissão, prevista no Decreto-Lei 972, de 1969. Essa medida acabou com a reserva de mercado no setor e favoreceu, sobejamente, os profissionais que não possuem a graduação. Com a ampliação do número de pessoas escrevendo sobre os mais diversos temas, a democracia ganhou e a pluralidade de opiniões passou a ser mais respeitada. No entanto, ainda existem aqueles que permanecem aferrados ao tempo em que o governo ditava quem deveria escrever e o que deveria ser escrito. Nesse momento, tramitam quatro Propostas de Emenda Constitucional (três na Câmara dos Deputados e uma no Senado Federal), reintroduzindo a exigência de diploma, agora como dispositivo da Constituição. A ideia é regastar a reserva de mercado e estabelecer uma forma de controle sobre a imprensa como nunca antes vista neste país.

E isso não é tudo! A situação da Liberdade de Expressão no Congresso Nacional é motivo de preocupação pois, além das mencionadas propostas de emendas constitucionais reintroduzindo a exigência de diploma, existem outros 349 projetos (Câmara: 40 + 277 apensados) (Senado: 16 + 16 apensados), que afetam a independência dos meios de comunicação ao restringir a publicidade. Como podemos ver, é cada vez mais comum ver pessoas atacando a liberdade de expressão e, por conseguinte a liberdade de imprensa, impunemente. Ao que parece, o brasileiro ainda não aprendeu que a liberdade significa, sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas NÃO querem ouvir. Claro, existem exceções a essa regra. No dia 30 de abril de 2009, por exemplo, o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, redigiu um acórdão no qual fez obeservações muito agudas sobre a liberdade de imprensa. Num documento de 334 páginas, o ministro declarou: "Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do poder judiciário". Em outra passagem, escreveu: "Não cabe ao Estado, por qualquer de seus órgãos, definir previamente o que pode e o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas".

Pelo visto, o ministro entendeu que aqueles que abrem mão das suas liberdade essenciais por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança. Que bom! Pena que se tratou de um movimento isolado, pois oito meses depois, em 10 de dezembro de 2009, o STF examinou um recurso jurídico do jornal Estadão contra uma sentença que proibia a publicação de reportagens com escutas obtidas na Operação Boi Barrica, que investigou as empresas dirigidas pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. O argumento do jornal era simples e lógico: se não existe "liberdade pela metade", por que a censura prévia? Infelizmente, o argumento não convenceu os outros ministros, que pela primeira vez na história daquela corte, votaram contra um acórdão e a favor da censura prévia. Decisões que sobrepõem a acordos e atentam contra as liberdades individuais, estão se tornando cada vez mais frequentes. Há, inclusive, uma certa tendência em relação às violações da Liberdade de Imprensa, pois só nos últimos anos, ocorreu um aumento substancial dos casos de censura prévia aplicada a meios de comunicação por ordem judicial. Foram 6 (seis) casos nos quais jornais e veículos a eles associados (internet, rádios, TVs, agências de notícias e seus assinantes) foram proibidos por juízes de primeira instância de divulgarem quaisquer informações sobre temas específicos.

Com o apoio do governo federal, os novos censores criaram uma Conferência Nacional de Comunicação cuja pauta preliminar incluía a defesa de uma série de medidas regulando os meios de comunicação que supunham graves cerceamentos à liberdade de expressão. As entidades da imprensa apresentaram uma série de premissas – todas previstas na Constituição– que seriam as condições necessárias a que os meios de comunicação participassem da referida Conferência. Os meios de comunicação queriam o respeito à livre iniciativa, a garantia da liberdade de expressão, do direito à informação e o respeito ao princípio da legalidade (serem todos contra condutas lesivas a direitos autorais). Mas o governo e as entidades representativas dos meios sociais que participaram do evento, trabalhavam sob outras premissas. Na prática, eles reividicavam o controle social dos meios de comunicação (seja lá o que isso for) e a revisão do marco regulatório das comunicações brasileiras. É importante salientar que a revisão desse marco faria com que as empresas do ramo se tornassem reféns do governo. Nos países vizinhos, "rever o marco regulatório das comunicações" é um eufemismo para cancelar concessões de radiodifusão antes concedidas a meios de comunicação da imprensa livre.

Naturalmente, as propostas aventadas na Conferência deram o que falar. Algumas saíram de lá com o status de projetos de lei e outras passaram a fazer parte das diretrizes de partidos políticos como o PT, o PC do B e o PDT. Frise-se que nenhuma dessas proposições respeitava o dispositivo constitucional que garante a todos, indistintamente, o direito à liberdade de expressão, sendo vedado apenas o anonimato. Agora imaginem, se nem mesmo a Constituição Federal foi respeitada, o que terá acontecido com as garatias e direitos fundamentais do setor privado? Ora, nenhuma das demandas das principais entidades da mídia – Abert, ANJ e Aner – foram atendidas, o que obrigou as entidades a se retirarem da Conferência. O gesto foi muito criticado pelos organizadores, que se referiram a ele como um boicote. Vai ver eles queriam que essas três entidades colaborassem ativamente na construção do seu próprio cadafalso.

Infelizmente, os ataques à atividade jornalística não param por aí! Em junho do ano passado, durante uma viagem ao Cazaquistão, o presidente Lula criticou o "denuncismo da imprensa", referindo-se a cobertura que os jornalistas estavão dando às evidências de irregularidades no Senado Federal envolvendo seu presidente, José Sarney. Na ocasião, Lula chegou a dizer que o senador é uma pessoa séria e tem "história suficiente" para não ser tratado como "uma pessoa comum" pela imprensa. O que isso quer dizer eu sinceramente não sei. Tenho dificuldade em aceitar a ideia de que o presidente da república, líder máximo desta nação, esteja divindo os brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.

Como escrevi no passado: "Os historiadores certamente terão muito a dizer sobre a contribuição do governo Lula para o prosseguimento das transformações pelas quais o país começou a passar nos anos 1990. Mas também haverão de registrar que o seu governo foi o que mais se indispôs com a imprensa livre. Haja vista que ele foi o governante que, com pouco mais de um ano no poder, tentou expulsar do país o correspondente do New York Times por ter escrito uma reportagem (de duvidosa qualidade) sobre o seu gosto pela bebida. Na época, o então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o alertou de que a expulsão seria inconstitucional, pois o jornalista era casado com uma brasileira. Em resposta, ouviu de Lula um sonoro: 'Foda-se a Constituição'. Pois bem! A Constituição de 1988, que Lula mandou se foder, consolidou a democracia e estabeleceu os parâmetros para uma convivência justa e harmoniosa entre o estado de direito e as liberdades civis. É inadmissível que 25 anos após o fim do regime militar, sua aplicação ainda seja motivo de controvérsia para políticos e juristas".

Liberdade de expressão ou é total e irrestrita ou não é liberdade!

Leitura recomendada: "A liberdade de imprensa no Brasil", publicado no Caderno da Cidadania do jornal Observatório da Imprensa, em 2004.

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2 comentários:

  1. Essa POSTAGEM está repleta de pontos interessantes, mas vou me prender a exigência de diploma para ser jornalista. Primeiro vale citar que não é prática comum em grandes países do mundo. Não sou a favor que qualquer curioso passe a lançar a caneta sobre tudo e todos, mas fica algumas dúvidas, cujas respostas são lógicas. Pergunto porque um jornalista do campo econômico não é um economista com especialização em comunicação ou produção textual? Jornalismo ciêntífico então! Cabe isso para todas as áreas. No momento que exige diploma universitário para a prática da função me parece uma agressão com profissionais de outras áreas. A imprensa é algo fundamental, mas vejo que sua prática tem consequencias graves na sociedade. Será que o Brasil é um pilar do avanço educacional no mundo a ponto de termos formação superior para jornalistas? Deveríamos então ter uma imprensa exemplar, mas infelizmente não é o que vemos.

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  2. Rodrigo,

    Você tocou em alguns pontos importantíssimos! Mais tarde eu vou postar um texto antigo que havia sido públicado no Whats up Brazil falando sobre isso.

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