12 de julho de 2010

Na savana africana ou nas florestas brasileiras, o mau é o mau independente de quem o pratica

Semana passada eu publiquei uma notícia, extraída do portal G1, que falava sobre o horror da mutilação genital feminina. O clipping cita alguns trechos do livro "A Infiel, de Ayaan Hirsi Ali, e dá uma pequena mostra do horror a que aquelas mulheres são submetidas. A autora nasceu na Somalia, um dos países africanos em que as tradições tribais se misturam ao fundamentalismo islâmico. Nos países governados por esse mixto de tribalismo e islamismo, as mulheres são privadas da sua dignidade e se transformam em propriedades da população masculina que usufrui livremente dos seus "serviços".

É preciso ter muito coragem para desvelar a crueldade das pessoas que submetem as suas mulheres e filhas a um sofrimento assim; sobretudo nos tempos de hoje, em que imperam as ditaduras do políticamente correto e da autodeterminação dos povos. Manifestar-se contra esse ou qualquer outro costume tribal equivale a ser acusados de contrariar as tradições ancestrais do povo africano, dos seus valores familiares, tribais e etc. Por conta disso, o número de mulheres atingidas por este malefício continua crescendo. O relatório "Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina", divulgado no ano passado, aponta um aumento de dois para três milhões de vítimas por ano em relação a estudos anteriores e alerta para o fato da mutilação genital feminina já ter se tornado uma prática rotineira em 28 países da África sub-sariana e do Oriente Médio.

A prática da excisão varia de acordo com a cultura do povo que a adota. Uns são mais "moderados" outros perderam por completo qualquer noção de humanidade e aderiram ao barbarismo puro e simples. No oeste da África e na Indonésia, os nativos retiram o capuz do clitóris naquilo que a Unicef e a OMS convencionaram chamar de "excisão mínima". No leste africano (Djibuti, Etiópia, Somália, Sudão, Egito, Quênia), a infibulação, também chamada de excisão faraônica, amputa o clitóris e os pequenos lábios, secionando os grandes lábios com espinhos de acácia. Nesse modelo de excisão, apenas uma minúscula abertura destinada ao escoamento da urina e da menstruação é deixada. Esse orifício é mantido aberto por um filete de madeira, que é, em geral, um palito de fósforo. As pernas devem ficar amarradas durante várias semanas até a total cicatrização da vagina. Assim, a vulva desaparece sendo substituída por uma dura cicatriz. No casamento, a mulher é "aberta" pelo marido ou por uma "matrona".

E o sofrimento não para por aí! Após o nascimento do primeiro filho, a mulher é novamente infibulada. A operação é sempre feita por mulheres (matronas) em suas próprias casas ou nas casas dos pais da vítima, em troca de presentes pelo trabalho efetuado. A menina é posta no colo de sua mãe que segura suas pernas abertas. A vagina é então mutilada, sem anestesia, por instrumentos como uma lâmina de barbear, uma faca de lâmina flexível, tesouras ou até mesmo cacos de vidro. São inúmeras as conseqüências. Esse momento abominável pode provocar um choque cardíaco, grandes hemorragias ou sangramentos contínuos que levam à morte. Isso para não falar nos hematomas e queimações ocasionados pela passagem da urina. Não é raro ver mulheres mutiladas sofrendo com perturbações menstruais, infecções locais, urinárias e genitais que motivam a esterilidade; partos complicados, repercussões na saúde mental, como ansiedade, angústia, depressão e etc.

Mas por que estou narrando todos esses horrores? Porque há uma certa classe de intelectuais que credita que nós não devemos fazer absolutamente nada quanto a isto. Segundo eles, não podemos interferir nas tradições culturais de outros povos, pois isso seria etnocentrismo. Etnocentrismo é um conceito antropológico, segundo o qual a visão ou avaliação que um indivíduo faz de um grupo social diferente do seu é baseada nos valores, referências e padrões adotados pelo grupo social ao qual o próprio indivíduo pertence. É como ver o mundo a partir de si mesmo... Ora, não poderia haver absurdo maior do que este! Ser contra um malefício que aflige milhares de mulheres mundo afora e considerar-se superior as pessoas que o praticam não tem absolutamente nada de preconceituoso. Muito pelo contrário, é dever da sociedade civil organizada lutar para que este tipo de atrocidade encontre o seu fim tão logo quanto possível, pois aqueles que são tolerantes com a maldade mais cedo ou mais tarde acabam se tornando vítimas dela.

Decidi escrever sobre este assunto após ter lido uma notícia antiga que afirma que o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro está investigando o "Programa do Jô", por uma suposta manifestação de preconceito. Segundo a procuradoria, houve denúncias sobre uma entrevista que abordava a questão de mulheres submetidas à cirurgia no clitóris na África e que comentários do apresentador podem ter manifestado preconceito em relação a hábitos e costumes culturais daquele continente. Naturalmente, as entidades que levaram a denúncia ao MPF acusaram o programa de desrespeito a comunidades negras, claro. Confesso que não vi este episódio do programa, mas pelo caráter jocoso do apresentador eu suponho que ele tenha feito alguma piada com os adeptos desses costume hediondo que a redatora da notícia eufemisticamente chama de "cirúrgia". Também não sei em que pé anda essa denúncia - ou se já deixou de andar - mas fico estarrecido por constatar que já temos multicuturalistas dispostos a defender uma brutalidade como essa, em nome das suas convicções ideologicas.

É triste dizer isso, mas a antropologia brasileira se tornou um valhacouto de relativistas culturais e apologetas do multiculturalismo. Arguir que toda cultura é igual e por isso merece ser respeitada, é o mesmo que dizer que os outros povos tem o direito sagrado de infligir dor e sofrimento aos seus semalhantes. Graças a essa tese abominável, inúmeros grupos e entidades representativas passaram a advogar em nome dos adeptos da barbárie e da selvageria. É o caso da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que justifica o infantícidio praticado por determinadas tribos indígenas brasileiras, que têm o hábito de enterrar vivas as crianças nascidas com alguma deficiencia e os gêmeos, afirmando tratar-se de hábitos culturais dos silvícolas. Como é uma instituição reconhecida, a ABA utiliza o seu prestígio para impedir que a lei Muwaji, que visa punir este crime dantesco, seja aprovada. Revestida pelo manto do cientificismo mais calhorda que existe, a associação faz um lobby feroz no congresso para manter intocável a execrável cultura infanticida.

Cultura, meus caros, é um conceito dinâmico que se adapta e se acumula de tempos em tempos para permanecer vivo. Quando freiamos a evolução cultural impedindo a invenção ou a introdução de novos conceitos, prestamos um desserviço ao progresso. Certos valores, como o bem e o mal, o certo e o errado, são absolutos e não estão sujeitos a avaliações subjetivas. Infelizmente, a turma que anda pela seara do relativismo cultural não quer saber disso. Para essas pessoas, o sofrimento das mulheres submetidas aos horrores da mutilação genital feminina e das crianças portadoras de deficiência que são enterradas vivas no alto do Xingú, não representa absolutamente nada. Para eles, a vida dessas mulheres e crianças não vale um vintêm. A dor e o sofrimento dos pais que fugiram das tribos no intento de preservar a integridade dos seus filhos é mera bobagem; um capricho diante da manutenção de sistemas culturais sofríveis.

Não se engane, caro leitor. A defesa de tais práticas e ideias não é científica ou tampouco razoavel. Na verdade, a relativização de conceitos biologicamente inquestionáveis, como dor, sofrimento, angústia, medo e desespero, dentro de um espectro social, é brutal, cruel e eugênica ( e certamente está entrelaçada com o Nazismo e seu Socialismo de cunho "nacionalista"). Se começarmos a achar que extirpar o clitóris das mulheres e assassinar crianças indígenas em nome de um costume tribal é algo normal e, portanto, aceitável, estaremos marcando o nosso retorno a Taba. Redarguir dizendo que o que "o que nós, brancos, entendemos como sendo vida e humano é diferente da percepção dos índios" é simplesmente rídiculo, pois atenta contra todos os princípios de preservação da vida e, consequentemente, da humanidade. Tese como estas personificam tudo aquilo que há de mais maquiavélico e dantesco em nossa sociedade, pois elas insinuam que as agressões praticadas pelas famílias africanas e pelos indígenas brasileiros são legítimas.

Que mundo formidável é este que estamos construindo! Ao invés de nos apegarmos a valores como a defesa intransitiva da vida, nos deixamos seduzir por teses absurdas que flertam com a selvageria. Em nome dessa moral profunda compartilhada pelos homens ocos de que Auden tanto falava, defende-se o seu direito cultural das tribos africanas à excisão feminina e dos ianomamis ao infanticídio. O que se passa com a nossa cultura? Por que sabemos defender com mais denodo a morte — ainda que a "boa morte" — do que a vida, mesmo que uma vida nem tão boa? Não é violência corrigir o que é ruim. Violência é continuar permitindo que mulheres sejam maltratadas e crianças sejam mortas em nome de culturas instáveis e corrompidas. Sinceramente, agradeço a Deus por compreender Voltaire, e saber que o mal é mal, independente da cultura que o pratica.

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3 comentários:

  1. Concordo com absolutamente TUDO.
    Dê uma passadinha lá no meu blog e pegue o selo "Dirty Harry - Reaça!".
    http://www.cheirodcafe.blogspot.com

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  2. Ufa!Enfim encontrei algo que valeria a pena ter dado para a minha professora de Patrimônio Cultural ler.DÁ até pra sentir um alívio, ao ler um artigo como esse,que nos lembra que não estamos sós nessa sociedade com leis e práticas tão "Solidárias".Que preferem defender teorias e práticas culturais insanas e rídiculas a optar pela defesa da vida humana. Os chimpanzés têm mais privilégios! Kelly Brasil

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  3. Caro,

    Concordo com tudo. Mas, obséquio cite a fonte de algumas das informações (http://sognarelucido.wordpress.com/2010/04/02/porque-a-antropologia-brasileira-nao-e-ciencia/)

    obrigado,

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