12 de julho de 2010

Anotações para o capítulo brasileiro da História Universal da Infâmia

Dias atrás eu escrevi um texto narrando o períplo do dissidente cubano Guillermo Fariñas, que estava em greve de fome a mais de cem dias para protestar contra os abusos cometidos pelo governo fascínora dos irmãos Castro, em Cuba.

O texto que eu escrevi, intitulado "O iogue e o dissidente", narrava a história de Guillermo Fariñas e apostava num desfecho trágico. Não que eu desejasse a morte de Farinãs, em absoluto! Mas o meu ceticismo com o governo cubano é tão grande que não cheguei a cogitar, nem por um minuto sequer, que a humanidade e a democracia pudessem vencer essa batalha. Para mim, Fariñas teria o mesmo fim de Orlando Zapata Tamoyo, cuja morte coincidiu com a visista do presidente Lula a ilha presídio.

Felizmente, o mundo é como uma imensa roda gigante e os que hoje estão em cima, amanhã haverão de ficar em baixo. A coragem de Fariñas sensibilizou o governo espanhol e a igreja católica, que pressionaram o governo cubano para que atendesse ao menos uma das reivindicações do militante moribundo. A pressão exercida pelos diplomatas espanhois e pelos sacerdotes católicos deu certo. No fim, a dupla de carniceiros que governa aquela ilha capitulou e decidiu libertar 52 prisioneiros de consciência. Sem dúvida, foi uma vitória digna de aplausos.

Contudo, é preciso ter cautela ao comemorar essa vitória. Ainda há muito a ser feito para libertar o povo daquele pequeno país caribenho. O"muro" que aprisiona a população cubana e os impede de exercer os seus direitos civis, ainda não caiu. Haja vista o número de presos - mais de 100 - cujo único "crime" foi discordar do regime ditatorial dos irmãos Castro. Para impedir que essa situação dantesca se mantenha, o mundo civilizado precisa insistir na mobilização popular e manter o cerco diplomático sobre aquele execrável regime.

Se esmorecermos, os defensores daquele regime genocida tentarão transformar a mais recente vitória da democracia em mais um peça publicitária que apela para a benevolência do governo cubano. Já existem, inclusive, pessoas interessadas em "pegar carona" na publicidade gerada pela libertação dos prisioneiros. Gente que não moveu uma palha para livrar aqueles miseráveis das garras dos fidelistas, de repente resolveu colocar as asinhas de fora e mostrar para o mundo que se não fosse pela sua altiva e destemida ação, aquelas pessoas ainda estariam apodrecendo nas masmorras do regime comunista. Para o nosso imenso pesar, essas pessoas são brasileiras e até outro dia condenavam veementemente a atitude dos dissidentes que "estavam se deixando morrer".

Para compreender melhor a questão, sugiro que leiam o texto do jornalista Augusto Nunes, que foi publicado em seu blog recentemente:

A Era Lula revogou os limites do cinismo, confirmou neste fim de semana a dupla Marco Aurélio Garcia-Celso Amorim com a reiteração da falácia segundo a qual o governo brasileiro ajudou a negociar a libertação de presos políticos cubanos. O conselheiro presidencial para complicações cucarachas tentou costurar a fantasia na sexta-feira: "Nós atuamos na surdina, sem alarde", mentiu. Abalroado pela informação de que Lula se confessara surpreso com o sucesso das gestões feitas pela Igreja Católica, emudeceu por algumas horas. Recuperou a voz ao saber que o governo espanhol interveio em favor dos presos de consciência.

"A Espanha pegou carona com a gente, viu a bola cair nos pés e chutou", mentiu Garcia outra vez. "Nosso estilo é mais discreto", mentiu minutos depois Celso Amorim, o único chanceler da história que, em vez de conversar em voz baixa, tem um chilique por dia. Antes que Lula se atreva a embarcar nessa patifaria, convém reproduzir o que disse o presidente brasileiro em março, quando visitou Cuba para confraternizar com os Irmãos Castro, criticar o dissidente Orlando Zapata por ter morrido no cárcere, trair os presos de consciência trancafiados na ilha e fechar os olhos à greve de fome iniciada pelo psicólogo Guillermo Fariñas. Três momentos da discurseira são suficientes para que se saiba de que lado Lula sempre esteve:
"Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por fazer uma greve de fome. Vocês sabem que sou contra greve de fome porque já fiz greve de fome".

"Eu acho que a greve de fome não pode ser utilizada como pretexto para libertar pessoas em nome dos direitos humanos. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".

"Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. Cada país tem o direito de decidir o que é melhor para ele. Não vou dar palpites nos assuntos de outros países, principalmente um país amigo".
Um post de 14 de março confrontou declarações de Lula com trechos do artigo sobre o mesmo tema publicado no jornal espanhol El País por Oscar Arías, presidente da Costa Rica e prêmio Nobel da Paz. Algumas linhas bastam para fotografar-se a colisão frontal entre um estadista e um candidato profissional:
"Não existem presos políticos nas democracias. Em nenhum país verdadeiramente livre alguém vai para a prisão por pensar de modo diferente. Cuba pode fazer todos os esforços retóricos para vender a ideia de que é uma “democracia especial”. Cada preso político nega essa afirmação. Cada preso político é uma prova irrefutável de autoritarismo. Todos foram julgados por um sistema de independência questionável e sofreram punições excessivas sem terem causado danos a qualquer pessoa".
Fingir agora que o Planalto e o Itamaraty se interessaram pela sorte dos prisioneiros cubanos que Lula comparou a bandidos comuns, e atraiçoou acintosamente, é mais que um lance eleitoreiro. É uma jogada sórdida. Fingir agora que o governo estendeu o braço solidário ao bravo Guillermo Fariñas, que só depois de saber da libertação dos encarcerados interrompeu a greve de fome no 135° dia, é mais que manobra oportunista. É coisa de canalha. É, também, outra evidência de que as diretrizes da política externa brasileira andam cada vez mais parecidas com as normas não-escritas do regulamento de um clube dos cafajestes.

(O título é do próprio Augusto Nunes; achei melhor preservá-lo para não descaracterizar o seu trabalho)

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