26 de julho de 2010

Estadounidense? Que diabo é isso?

Um dos sintomas mais claros de antiamericanismo agudo é usar o termo estadunidenses para se referir aos americanos. A palavra existe e consta nos dicionários, mas é daquelas que ninguém usa. Ou melhor, ninguém usava, porque parece que a moda está pegando. Nesse modelo de isenção que é a wikipedia em português, o termo aparece 18 vezes no verbete Estados Unidos da América. Mas o que há de errado com ele? Ora, para defendermos o uso, mas do que descabido, deste termo, precisamos ignorar a lógica e talvez até o bom-senso! Eu explico: o nome oficial do México, aquele país onde as pessoas ainda usam ponchos e sombreiros, é Estados Unidos Mexicanos. Portanto, há menos que estejamos dispostos a chamar os mexicanos de estadounidenses, tal como fazemos com os americanos, não faz sentido algum defender essa bobagem.

Além do mais, o uso da palavra estadounidense é sempre político, embora muitos não admitam. A explicação oficial é que americano é quem nasce nas Américas, portanto não seria uma designação suficiente. Norte-americano também não, já que o México e o Canadá também fazem parte da América do Norte. Daí a necessidade de criarmos uma palavra capaz de se referir especificamente aos americanos que nascem nos EUA. Parece lógico, mas não é! Esse imbróglio linguístico é lindo na teoria, mas inviável na prática. Para dar certo, teríamos que unificar de vez os gentílicos. Imaginem o caos que seria. Ao invés de ludovicenses, soteropolitanos e manauaras, teríamos sãoluisences, salvadorenses e manausenses.

Aproveitando o embalo, poderíamos também adotar riodejaneirense, paulistense, paulistanense, riograndedosulense, riograndedonortense, paraibense, pernambuquense, minasgeraisense, espiritosantense e por aí vai. Piauienses, cearenses, paraenses e paranaenses já estariam em conformidade, mas catarinenses talvez tivessem que mudar para santacatarinenses. Ainda a título de clareza, se essa estupidez colasse, não seríamos mais cariocas, e sim riodejaneirenses. Vai que os índios carijós se sentem órfãos do termo carioca que quer dizer "casa de carijó".

E pra que ficar restrito ao Brasil? Mudemos o nome da República da África do Sul (sugiro Mandelândia), afinal Namíbia, Botswana, Zimbabwe e Moçambique também são repúblicas e também ficam no sul da África. Percebem o tamanho da ignorância?

O fato é que já faz algum tempo que chamamos os americanos de americanos, um gentílico consagrado por Machado de Assis, que em seu famoso ensaio "Instinto de nacionalidade", chama Henry Wadsworth Longfellow, de "cantor admirável da terra americana". Não se trata de dizer que está certo porque Machado escreveu, mas de provar que esse uso está enraizado em nossa cultura.

Além do mais, o argumento que diz que todos devemos nos referir aos americanos como estadounidenses não possui sustentação lingüística alguma. Perguntem a um professor de português, qualquer um, se é estadounidense (sem hífen) ou estado-unidense (com hífen)? Dúvido que ele saiba a resposta, porque essa palavra é uma verdadeira aberração semântica. Enfim... É uma lógica que deixa de levar em conta um princípio básico das línguas: palavras podem ter mais de uma acepção. Americano é uma coisa sem, naturalmente, deixar de ser a outra.

Sempre existirão aqueles que, quase sempre por razões político-ideológicas, preferem o sabor vagamente espanholado do termo estadunidense (ou estado-unidense), mas daí a chamarem de vendido ou ignorante quem se atém à corrente principal da língua... Com isso eu não posso concordar!

Sugiro aos leitores darem uma fuçada na Internet e procurarem o artigo "Estadunidenses", de Demétrio Magnolli. Se não me falha a memória, esse artigo foi públicado num editorial do Estadão, em 2005.

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8 comentários:

  1. Obviamente é um termo criado com propósitos políticos Thiago, assim como "América" no lugar de Estados Unidos, e acredito que esses propósitos sejam válidos, e nos valorizam, mas também a questão linguística é relevante.

    Repito o que comentei em outro blog, o fato de os Estados Unidos terem incluído "da América", o nome do continente no nome do país, não desqualifica “América” como continente, e apenas isso, mesmo que mundo afora o termo “América” seja utilizado para designar o país em questão e o gentílico “americano” seja utilizado para os estadunidenses (por propaganda estadunidense, no falso sentido de união entre os Estados americanos sob liderança consentida dos EUA), América é sempre continente e americanos os que ali nascem. Acho que cabe a nós, também americanos, desfazer essa confusão, e isso não é nenhum “antiamericanismo”, aliás, como poderia ser se também sou americano?, viu a confusão? Mesmo se o Brasil tivesse o nome de “República Federativa do Brasil da América” ainda assim seríamos chamados de brasileiros e não americanos. O mais sensato, evitando confusão, é o termo estadunidense ou estado-unidense, não é modismo, é afirmação da nossa identidade perante o mundo. Se queremos ser conhecidos, primeiro devemos dizer quem somos, sem pestanejar ou medo de sermos confundidos.

    Thiago, o gentílico "sul-rio-grandense" parece ser um imbróglio linguístico para você?, pois é assim, de maneira correta, que são chamados os que nascem no Rio Grande do Sul. Portanto é lindo na teoria e também perfeitamente praticável, já aceito por outros países americanos, defendido seu uso por vários linguistas e já faz parte do dicionário.

    Os mexicanos não precisam ser chamados de estadunidenses pois "Mexicanos" não é continente, não se confunde com outros povos, é específico.

    E mais, não existe "Américas" pois o continente é um só, a América, sendo que América do sul ou do norte são apenas designações para melhor especificar a região, ou subcontinentes.

    Chega de sermos vistos como pseudo-americanos. Capitão América com estrelinha no peito sob traje vermelho e azul: o cacete! Américo Vespúcio não gostaria disso.

    Vinícius.

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  2. Vinícius,

    Desculpe-me a franqueza, mas o seu comentário me lembrou o bom e velho - mas velho do que bom, é verdade - complexo de vira-lata de que tanto falava Nelson Rodrigues.

    Ninguém tentou desqualificar o termo América, como continente. Muito pelo contrário! Ressaltei, mais de uma vez, que um coisa pode conviver muitíssimo bem com a outra. Assim como existe Rio de Janeiro (Estado) e Rio de Janeiro (município), existe América (Continente) e América (país).

    Eu não me sinto orfão do termo carioca por não ter nascido "na gema". E você também não deveria se sentir orfão do termo americano por não ter nascido em um país chamado América.

    Quer gostemos ou não, Estados Unidos é a forma de organização do Estado Americano. Bem como nos Estados Unidos Mexicanos ou Estados Unidos do Brasil (nome oficial do Brasil até 1967). Sendo assim, o uso do termo estadounidense - uma estrovenga que foi adotada apenas pelos latino americanos - nada mais é do que uma manifestação política que jogou pro alto qualquer critério linguístico.

    Como eu, e a imensa maioria dos leitores do meu blog, não aderimos a patrulha do políticamente correto, continuamos a nos referir aos cidadãos americanos como aquilo que eles realmente são: americanos!

    Podemos conviver perfeitamente bem com o fato de que nós somos americanos porque nascemos no Continente Americano; embora seja rídiculo tratar o Continente como se fosse uma imensa nação. A nacionalidade é o vínculo entre uma pessoa e um Estado, e não entre uma pessoa e um Continente ou etnia.

    Toda essa bobagem indigenista - sim, porque nasceu com Tupac Amaro - de que devemos nos irmanar aos demais povos andinos, já deveria ter sido superada pelos habitantes deste grotão. Mas não...

    Com o surgimento do bolivarianismo chavista e o resgate das ideias mofadas daquele imprestável do Eduardo Galeano, acabamos resgatando essa cretinice. Graças a isso, hoje o que temos por aqui é um mixto de Complexo de Vira Lata com a Síndrome do Comigo Ninguém Pode. Uma lástima!

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  3. A propósito:

    Essa história de que você não pode ser antiamericano porque também nasceu na América Continental é bobagem. O mundo está cheio de antisemitas de origem semita - alguns deles são judeus, inclusive. Por que não haveria de haver um, ou mais, antiamericano que também fosse americano?

    Revel explica, meu caro...

    Revel explica.

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  4. Sinto falta de novos posts! Não irá mais atualizar o blog?
    A propósito, concordo inteiramente com sua posição quanto ao uso de "estadunidense" e variantes.

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  5. Boa noite!

    Achei teu blog no skook. Gostei do conteúdo daki. :D
    beijos!

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  6. Nós na realidade, com todas as venias a Machado, somos um bando de macacos obedientes, caso contrário, seria:
    1 Sul Americano do Brasil.
    2 Centro Americano da Nicaragua, etc...
    3 Caribe-Americano de Cuba, etc....
    ou Caribenho Americano de............
    4 Norte Americano do Estados Unidos do México
    5 Norte Americano dos Estados Unidos (não deram nome a Nação, danem-se!!)
    6 Norte Americano do Canadá.
    saudaçoes Sul Americanas do Brasil!!

    edu

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  7. Postei, inseri minha sena, cadê meu comentário?

    edu

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  8. Thiago, este foi o melhor post sobre o mais aberrante termo de todos os tempos, em minha opinião: 'ESTADUNIDENSE'. Simplesmente perfeito.
    Se tudo tem limite na vida, por que o antiamericanismo também não?
    Parabéns.

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