25 de abril de 2010

Gran Torino: a grande obra de Clint Eastwood

Esqueçam Godard. Esqueçam Manuel de Oliveira. Até abro uma brecha para Paul Thomas Anderson, David Fincher, Michael Mann e Philippe Garrel. Mas não tenho dúvidas: Clint Eastwood é o maior diretor vivo!

Acabo de assistir Gran Torino, uma obra de arte do cinema contemporâneo, e achei que seria interessante compartilhar a experiência com os meus leitores. Pois bem! Esqueçam tudo que vocês aprenderam sobre o papel socio-político das artes, pois Gran Torino não é um filme sobre choque de culturas, política de imigração, racismo, xenofobia ou intolerância. Também não é um filme sobre as maravilhas do multiculturalismo. Trata-se do retrato de um um homem que tenta sobreviver sob os escombros de algo cuja compreensão lhe escapa.

Eastwood encarna a figura do velho Walt Kowalski, um veterano da guerra da Coréia, traumatizado e arrependido. Ele é proprietário de um ainda reluzente Gran Torino, de 1972, carro da Ford, uma das montadoras americanas que já foram expressão da opulência do país e que hoje são o retrato de sua crise.

Como diretor, Eastwood brinca com o espectador dentro dos moldes de uma simplicidade enganosa. Há clichês, caricaturas, auto-referencias (a homenagem a Dirty Harry é evidente), pistas falsas – mas há também espaço para cenas admiráveis e com aquele humanismo que só Eastwood é capaz de fazer quando retrata um relacionamento. No início, a rabugice do protagonista faz com que o filme se assemelhe a uma comédia; no final, temos uma tragédia.

A história começa com a morte da esposa de Walt e ilustra o cotidiano de um homem viúvo e solitário, com filhos caricatos que não se assemelham minimamente com ele. Walt não suporta o mundo como ele realmente é e tem absoluta convicção de que as grandes virtudes da humanidade se perderam para sempre. Irascível, ele quer apenas que o deixem em paz, que não pisem em seu gramado e que não o tratem com uma intimidade forçada e dissimulada. Ocorre que seu bairro, a exemplo da América, também mudou (empobreceu e foi tomado por imigrantes) e Walt passou a assistir impassível a uma "invasão" de asiáticos , com seus costumes estranhos. Até o dia em que uma família da etnia Hmong, originária do Laos, se torna sua vizinha.

A violência é o desrespeito as leis se tornam constântes e os membros das gangues acabam se tornando habitues das ruas do bairro. Certo dia uma gangue hmong impõe ao filho mais velho dos vizinhos de Walt, uma tarefa: roubar o Gran Torino do último homem branco do local. O roubo é frustrado graças a pronta intervenção de Walt e aquela gente estranha passa, então, a fazer parte de sua vida. Daí em diante, o velho decide enfrentar a gangue e se transforma no herói da comunidade hmong.

Abstenho-me de comentar alguns grandes momentos de Gran Torino porque acabaria contando a história. Na verdade esse texto é sobre o filme de um republicano inteligente, que admite, sim, com extrema dureza, as várias crises que hoje se conjugam em seu país. De um lado, está o veterano da Coréia: rígido, disciplinado, inclinado a cuidar apenas da própria vida e, em política, fiel à idéia da "América para os americanos". Do outro, a fragmentação, as línguas estranhas, as gangues, os carros japoneses, o amoralismo… Se os imigrantes são os "bárbaros", com os seus exotismos, os naturais são os cínicos e decadentes americanos e a família de Walt ilustra como ninguém esse estado de coisas.

No poema À Espera dos Bárbaros, de Constantino Kaváfis, os romanos, com o seu império em frangalhos, esperam a chegada de povos estranhos e enquanto isso não acontece, ninguém se ocupa mais de nada. Afinal, "os bárbaros estão chegando". Ocorre que o tempo passa, e eles não vêm:

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

Será que Eastwood compreendeu, finalmente, as virtudes do multiculturalismo e, como querem alguns, resolveu purgar, ele também, republicano notório, os erros dos EUA? Será que Eastwood compreendeu, finalmente, que os tais valores americanos são tão ultrapassados, embora reluzentes, como o seu Gran Torino?

Pois é… Nada disso! Eastwood não canta as glórias de povo nenhum. Tampouco sugere que os hmongs tenham lá grande contribuição a dar à América, embora se torne amigo da família. A resposta necessária, vocês verão, inclusive para proteger os direitos dos hmongs, sai da América mais profunda. Prestem atenção, nas cenas finais, ao close dado num isqueiro Zippo - uma espécie de símbolo dos soldados americanos na Segunda Guerra, na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã - a mensagem que aquele enquadramento nos transmite é muito clara: "Eastwood ainda acredita no poder civilizador da América".

Naturalmente, existem outras leituras de Gran Torino. Há quem diga que o filme se revela como uma obra profundamente pessimista, sombria e triste. Afinal, não é apenas sobre a morte de uma determinada América, representada na própria persona de Eastwood. É sobre a tragédia da velhice. É sobre o fato de que, quando você ficar velho, o que sobrou são pessoas com quem não tem nenhum parentesco, mas somente uma linha tênue de confiança – e olhe lá. Os que vêem a película dessa forma, não deixam de ter uma certa razão.

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Um comentário:

  1. A idéia que você tecitura por todo esse depoimento é muito bem compreendida. O poema ao fim sintetiza.
    Não me alongo no comentário, pois devo confessar que ainda não assisti ao filme, mas já me interessei demais.

    F.M.

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