30 de junho de 2010

O iogue e o dissidente

Um iogue octogenário que diz ter vivido mais de sete décadas sem beber ou comer tem causado espanto em cientistas do mundo todo. Prahlad Jani, de 83 anos, passou duas semanas sob constante observação de 30 médicos e de câmeras de filmagem, em um estudo que terminou em março deste ano. No período, ele não ingeriu nada, não urinou e nem defecou. O iogue alega que foi abençoado por uma deusa quando tinha oito anos e que isso lhe permite viver sem alimentos. Em 2003, segundo a BBC, ele já passara dez dias sob observação de uma outra equipe médica, também sem consumir nada, mas apresentando boa saúde mental e física.

Longe dalí, em uma pequena ilha do Arquipélago do Caribe, o estado de saúde de um outro homem que também não come e nem bebe nada continua se deteriorando. Seu nome é Guillermo Fariñas, psicólogo e jornalista que optou pela greve de fome para lutar contra os desmandos do governo cubano.

Tudo começou com a morte de um outro dissidente político chamado Orlando Zapata Tamoyo, no dia 23 de fevereiro deste ano. Tamoyo reivindicava melhores condições de vida para presos cubanos que permanecem detidos nas marmorras do regime castrista. Mas, depois de 85 dias de penúria, acabou falecendo. Sua morte coincidiu com a presença do presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, em Cuba. Indagado pelos jornalistas sobre este infeliz incidente, nosso guia se limitou a dizer "que é lamentável que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome".

Em maio de 1981, quando o ativista irlandês Bobby Sands morreu depois de 66 dias de greve de fome em protesto contra as condições carcerárias a que eram submetidos os seus companheiros e pelo direito de ser considerado prisioneiro político, Lula afirmou que os "tiranos tremem na presença de homens capazes de morrer por seus ideais". Aliás, o próprio Lula recorreu à ferramenta política da fome quando foi preso pela ditadura militar. Quer dizer, não exatamente, pois alguns anos depois ele confessou que sua greve de fome havia sido uma farsa. Mas isso não importa! O fato é que antes de se tornar presidente da república, e posar para fotos de braços dados com ditadores como Fidel e Raul Castro, Lula reverberava o autosacrifício como arma política.

Ao condenar os "homens capazes de morrer por seus ideais" e sair em defesa dos seus algozes, Lula descortina o lado mais sombrio da sua personalidade. Na filosofia lulista do direito, a Lei de Segurança Nacional brasileira que condenou a militante Dilma Rousseff a 6 anos de prisão (das quais cumpriu três) ou a legislação do apartheid que aprisionou Nelson Mandela por 27 anos, por exemplo, não são menos legítimas do que as provisões das democracias. Se violam os direitos humanos, não há nada que líderes de outros países possam fazer, salvo afirmar que gostariam que isso não acontecesse.

Mas vamos voltar a Guillermo Fariñas...

Após a morte de Tamoyo, um outro dissidente político decidiu fazer greve de fome para pedir a libertação de 26 detentos em péssimo estado de saúde. Seu nome é Guillermo Farinãs e seu pedido é bastante razoável, tendo em vista que o número de presos cubanos vivendo em condições absolutamente inumanas já está na casa dos milhares.

Infelizmente, os dirigentes cubanos se recusaram a atender ao seu pedido e depois de vários e vários dias sem comer, o seu estado de saúde se deteriorou. Um dos médicos que o acompanham, declarou que a saúde dele piorou por causa de uma infecção e que nos últimos três dias "tem se complicado cada vez mais". O quadro inclui problemas hepáticos, a infecção causada por uma bactéria chamada "estafilococo" e a confirmação médica de um coágulo na jugular. A equipe médica está fornecendo um anticoagulante para tratar a trombose e recomendou que ele permaneça em repouso absoluto para evitar que o coágulo se desloque. Contudo, isso é apenas um paliativo.

Farinãs sabe disso e já fez, inclusive, os preparativos para a sua morte. Ele deseja que o ex-presidente polonês Lech Walesa deposite flores sobre sua tumba. É pede ao músico Willy Chirino, exilado em Miami, que visite seu túmulo e cante Ya viene llegando la libertad (Já vem chegando a liberdade). "Hoje, que meu povo vive iludido, eu me sinto inspirado, e um som estou cantando, anunciando a todos os meus irmãos que nosso dia já vem chegando". Claro, seus pedidos só irão se realizar no dia em que os Castro baterem as botas e aquela ilha, enfim, se tornar um país democrático. Vamos torcer para que Raul não seja tão longevo quanto o seu irmão Fidel, do contrário o presidente polones e o músico exilado podem acabar morrendo antes de terem a chance de realizar o pedido de Fariñas.

Lembram-se do líder estudantil Pedro Luis Boitel? Pois é! Ele também morreu depois de uma greve de fome. Boitel, estudante de engenharia, não aceitou a ditadura de Fidel e "foi condenado a dez anos de prisão e encarcerado num estabelecimento particularmente duro: Boniato". Morreu, depois de 53 dias, sem nenhuma assistência médica. Naquela época, Cuba era vista como o paraíso na Terra. Foi a morte de Boitel que fez com que o mundo acordasse do sonho e atinasse para a realidade. Um dia, quando os cidadãos cubanos pararem de sacrificar as suas vidas em nome dos seus ideais, o mundo reconhecerá que foi omisso e tratou a ilha com menoscabo. Mas, enquanto isso não acontece, é de suma importância que o mundo continue a procura de soluções capazes de tornar a vida dos dissidentes políticos cubanos um pouco menos dolorosa.

Eu já tenho uma sugestão! Sugiro aos dissidentes políticos cubanos que se correspondam com o iogue indiano e peçam, em nome de tudo que é mais sagrado, a sua receita. É triste dizer isso, mas há menos que eles consigam passar dois, três, quatro meses sem comer... O resultado continuará a ser o mais trágico e desfavorável possível. Afinal, os Castro já provaram que os tiranos não tremem - e tampouco cedem - diante dos homens que estão dispostos a sacrificar as suas vidas por um ideal.

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Eu não sou um poste!

Acabo de assistir - com algum atraso, admito - a entrevista da candidata petista, Dilma Rousseff, ao programa de TV Roda Viva. Em um dado momento da entrevista, um jornalista perguntou a Dilma se ela era um poste e, claro, ela negou. Do ponto de vista de Magritte, ela tem razão. Quem aí já viu o quadro La Trahison des Images (abaixo), em que aparece a seguinte inscrição: "Isto não é um cachimbo".

Magritte estava certo, aliás, certíssimo! A pintura em si não é um cachimbo de verdade mas sim a sua representação. Ora, uma imagem não é uma coisa. O desenho de um cachimbo representa um cachimbo, mas não é um. Assim como a imagem de um poste continua sendo uma boa representação de… um poste.

A candidata ainda fez algumas digressões sobre isso e aquilo, mas nada que realmente interesse aos eleitores. O tucano José Serra foi mais econômico com as palavras e ao que parece, desistiu de tentar nos convencer que ele não é uma árvore!

A petista vai ganhar ou perder? Os isentos acham que ela já ganhou. Eu, que não tenho partido, mas tenho lado, ainda não sei qual será o resultado. É tão cedo para verdades definitivas! Por enquanto a única verdade definitivamente dessa eleição é que entre um poste e uma árvore o Brasil si fu...

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29 de junho de 2010

A Oceania do Caribe

No último dia 23 de junho, os democratas do mundo todo comemoraram uma das suas vitórias mais significativas sobre a tirania: a libertação da menina cubana Sandra Becerra Jova, de 11 anos, que foi retida durante quase meia década em Cuba pelas autoridades comunistas, contra a vontade dos seus pais que reclamavam a sua guarda.

O caso dessa menina é emblemático, pois ele demonstra que o empenho das democrácias é capaz de arrefecer o ímpeto comunista pela privação da liberdade. Este episódio é a prova de que a maneira mais eficaz de ajudar os cubanos a se libertarem do regime ditatorial imposto pelos Castro é a denúncia e a mobilização. Sem estas duas coisas, as entidades de direitos humanos, a imprensa e as autoridades civis e eclesiásticas, jamais tomarão conhecimento dos horrores a que a população cubana é constantemente submetida em nome de uma ideologia arcaica e sanguinária.

Sandrita, como ficou conhecida em nosso País, é filha dos engenheiros cubanos Vicente Becerra e Zaida Jova. Seus pais vieram ao Brasil para concluir a pós-graduação na Universidade de Campinas (Unicamp). Após experimentar liberdades básicas como o direito de ir e vir, por exemplo, o casal decidiu se estabelecer definitivamente no Brasil. Mas, para o seu pesar, a ditadura castrista não tolera dissidentes e tampouco é sensível as suas necessidades. Bastou que os pais de Sandra iniciassem os trâmites para que ela pudesse se unir a eles no Brasil, que o martírio da família começou.

O casal foi a Cuba, uma, duas, três vezes... Na esperança de trazer Sandra, consigo para o Brasil. Mas, infelizmente, foi tudo em vão. As autoridades cubanas insistiam em negar aqueles pais o direito natural de viverem com seus filhos e poder educá-los de acordo com os seus próprios princípios. Foi preciso que um jurista cubano exilado, Dr. Claudio Benedí, denunciasse o caso ante os chanceleres das Américas, durante a Assembléia Geral da OEA, e também diante da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, para que o regime castrista se pronuciasse a respeito.

Como de costume, os comunistas alegaram que a denúncia do Dr. Benedí era falsa e serviu apenas para provocar um "escândalo desnecessário". As declarações soaram contraditórias, pois poucos dias depois o governo cubano comunicou ao Itamaraty que a menina seria liberada. É sempre assim! Primeiro lançam uma bravata com o intuito de demover o mundo democrático da sua empreitada. Diante da negativa das nações civilizadas, decidem capitular. É parte de um estratagema previamente enjandrado para diminuir o efeito da derrota sobre a população remanescente.

No fundo, o que os comunistas temiam é que este episódio criasse um "mau" precedente em relação a outros profissionais cubanos que estudam em nosso país. Um temor absolutamente infundado, pois tão logo o PT assumiu o poder no Brasil, as relações diplomáticas com Cuba se acentuaram. Quem não se lembra do caso dos dois boxeadores cubanos que fugiram da concentração durante o Pan e pediram asilo em nosso país? Ambos tiveram os seus pedidos veementemente negados pela diplomácia do governo Lula e foram obrigados a voltar a Cuba. Mais tarde, um deles conseguiu fugir e obteve refúgio na Alemanha. Quanto ao outro, ninguém mais teve notícias dele.

Sob o governo FHC, a história da menina Sandra teve um final feliz. Sob o governo Lula, a história dos boxeadores cubanos teve um final tremendamente infeliz. Lula, que se recusa a tratar o regime cubano como uma ditadura, argumenta que não podemos dar palpites na forma como os nossos vizinhos dirigem os seus países. Ora, se não podemos cometer ingerências o que estávamos fazendo em Honduras? Aquilo era um caso isolado? É óbvio que não! Está claro que no Brasil os amigos dos petistas têm direito a tudo, exceto a lei. Já os inimigos dos petistas... Estes não têm direito a nada, nem mesmo a lei!


Eleições em Cuba

No dia 25 de abril deste mesmo ano, o governo cubano realizou eleições para eleger os delegados das 169 Assembleias Municipais do Poder Popular. Estou certo que muitas pessoas desinformadas irão mencionar este fato como uma evidência de que Cuba NÃO é uma ditadura. Como se as eleições, por si só, fossem suficientes para assegurar o cumprimento de todas as garantias democráticas.

Tão logo o governo cubano convocou o pleito, os jornalistas órfãos do socialismo começaram a desfiar o seu rosário de mentiras. O site Cuba em Debate, por exemplo, argumentou que a imprensa mundial tem necessidade de omitir as informações referentes ao pleito para manter a falsa ideia de que Cuba é uma ditadura. O jornalista Juan Marrero chegou a dizer que isso "é perfeitamente compreensível, pois um dos componentes principais da guerra mediática contra a revolução cubana tem sido negar, escamotear ou silenciar a realização de eleições democráticas: as parciais, a cada dois anos e meio, para eleger delegados do conselho, e as gerais, a cada cinco, para eleger os deputados nacionais e integrantes das assembleias provinciais".

O que ele não disse é que a população foi tocada até as "urnas" como gado pelos famigerados CDRs (Comitês de Defesa da Revolução). Você já ouviu falar nesses Comitês? Os escritores Corinne Cumerlato e Dennis Rousseau elaboraram um verbete, bastante elucidativo, que pode ajudá-lo a compreender o que eles são:
CDR - Comité de Defensa a la Revolución (Comitê de Defesa da Revolução Cubana). A partir dos 14 anos de idade, todos os cubanos são obrigados a aderir ao CDR. "Cerca de 8 milhões de cubanos são membros do comitê de defesa da revolução de seu quarteirão, dirigido por um 'presidente, um responsável pela vigilância e um responsável ideológico'. Além de seu papel de vigilância 'dos inimigos da revolução e dos anti-sociais', os cerca de 120 mil comitês que controlam o país 'constituem uma grande força de impulsão para mobilizar o bairro por ocasião das reuniões e desfiles para defesa da revolução', afirmam os textos oficiais" (CUMERLATO, Corinne; ROUSSEAU, Denis. A Ilha do doutor Castro – a transição confiscada, pg. 55. Editora Peixoto Neto, São Paulo, 2001 - Tradução de Paulo Neves).
Como podem ver, enquanto figuras representativas da esquerda brasileira, como o cardeal Arns, Frei Betto e Luis Inácio Lula da Silva vêem na Cuba comunista "sinais" de um paraíso celestial, estes comitês evidênciam que aquela ilha é uma ante-sala do inferno. Aquilo que os membros proeminentes da esquerda apontam como um sinal de civilidade e democrácia é na verdade uma evdência incontestável de que os cubanos vivem um pesadelo de proporções orwellianas. Um dia, a imprensa comunista noticia que 9 milhões de pessoas saíram as ruas para protestar contra os desmandos dos países imperialistas causadores da miséria cubana e no outro, as mesmas 9 milhões de pessoas precisam ser coagidas pelos CDR a dar suas assinaturas em um gesto de apoio ao regime comunista. Isso não lhes parece estranho?

George Orwell - que lançou o seu livro "1984" dez anos antes do início da revolução cubana - ficaria supreso ao ver no sistema comunista tantas analogias com os métodos de controle psicossocial que ele descreveu em sua novela-ficção. "Se todas as pessoas aceitam a mentira que o Partido impõe, se todos os documentos apresentam a mesma versão, então a mentira passa à História e se converte em verdade", escrevia Orwell, definindo essa situação artificial de controle mental como um literal "pensamento duplo". Na Oceania de Orwell, até o ato de deixar transparecer no rosto expressões consideradas "impróprias", já consistia uma infração passível de punição: era o chamado "rosto crime". Na Cuba de Fidel, aí daquele que parecer encimesmo e taciturno enquanto grita: "Viva la Revolucion"!

A eficácia do aparato comunista no controle psicossocial da população é tão grande que transmite a falsa impressão de que a realidade totalitária é uma situação monoliticamente sólida, sem a qualquer possibilidade de ser enfrentada ou mudada. Daí o grau altíssimo de aprovação da revolução entre os cubanos com menos de 60 anos. Claro, a coisa é um pouco diferente entre aqueles que possuem mais de 60 anos. Estes já estão escolados em ditaduras, pois viveram sob o regime de Baptista e sabem que estão à mercê de um poder que é quase onipresente. Para sobreviver, tanto um quanto o outro são obrigados a participar das manifestações e a assinar documentos que o "Big Brother" determina.

A vantagem do povo cubano sobre o povo da Oceania orwelliana, é que o "Big Brother" caribenho, ao contrário do seu par na novela, não conseguiu "converter a mentira em verdade". Todos sentem, inclusive os mais altos hierarcas, que esse edifício de mentiras, apesar das aparências de solidez, na realidade está cada vez mais frágil e vulnerável. Por isso é importante que os cidadãos brasileiros se manifestem ante os candidatos presidenciais, solicitando-lhes um compromisso público para que o futuro governo atue com firmeza no campo diplomático e humanitário, resguardando a vida dos cidadãos cubanos.

A denúncia é a forma mais efetivas de ajudar os cubanos, pois à exemplo do aconteceu no caso da menina Sandra Becerra Jova, ela pode sensibilizar os organismos internacional e fazer com que eles se pronunciem a respeito dessa situação de injustiça flagrante. As manobras orwellianas do regime cubano para aprovar a reforma constitucional que estabelece como "intocável" o regime comunista, devem ser denunciadas no mundo inteiro e transformadas em um gigantesco "caso Sandra", para que comova a opinião pública mundial. Colaborar para que isto se dê, é algo que está ao alcance de cada brasileiro e pode ser feito já nas próximas eleições.

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24 de junho de 2010

Um apartheid às avessas

Mandela bem que tentou, mas o racismo ainda está longe de ser extirpado da África do Sul. Apesar de todos os esforços do primeiro presidente negro para sepultar as velhas rivalidades e construir uma unidade nacional, o país se curvou aos desígnios de um grupo revanchista que assim que chegou ao poder, mudou nomes de ruas, caçou direitos políticos da minoria branca e adotou um sistema de governo que se parece muito com o antigo apartheid.

Isso é o que mostra a reportagem de Andre Fontenelle, para a revista Época dessa semana:
"Quem entrou na escola depois de 1994 não deveria estar sujeito à ação afirmativa", disse um jovem branco, referindo-se à política de cotas implantada depois do apartheid para reduzir a desigualdade entre brancos e negros. "Em um concurso para 50 vagas de piloto de helicóptero na polícia, havia 150 candidatos brancos. Nenhum foi aprovado", queixou-se outro branco. "Vocês se recusam a nos devolver nossas terras porque dizem que não sabemos cultivá-las", retrucou um negro. Um debatedor branco decidiu se exprimir em africânder, e não em inglês. "Esse comportamento de perguntar em africânder é intolerável!", protestou um negro. "É meu direito falar em minha língua", respondeu outro branco, tomando as dores do colega.

Basta assistir meia hora deste debate para se ter uma ideia do abismo que separa os sul-africanos pela cor da pele. O fim relativamente pacífico do apartheid deixou sem solução uma série de questões que caberá à nova geração resolver. Para os negros, o controle da economia continua injustamente na mão dos brancos; estes, por sua vez, se sentem cidadãos de segunda classe num país em que todas as leis parecem favorecer o antigo oprimido.

A minoria caucasiana enfrenta um problema inédito – a pobreza. "Dos 4 milhões de brancos da África do Sul, 750 mil vivem com menos de 4 mil rands (cerca de R$ 940) por mês", diz Tiaan Esterhuizen, de 25 anos, dirigente da Helpende Hand, organização dedicada a combater a "pobreza branca". "Os brancos pobres estão entregues à própria sorte, porque não têm direito à ajuda do governo", afirma Ernst Roets, advogado de 24 anos e líder do AfriForum, entidade de direitos civis que luta pelos direitos das minorias. Segundo Roets, há 70 favelas de brancos nos arredores de Pretória: "Se alguém fala que é preciso ajudar os brancos, é acusado de racismo". A nova geração de brancos defende o fim, ou pelo menos a flexibilização, do conjunto de leis que concede aos negros a prioridade no recrutamento das empresas.
Infelizmente, a íntegra da matéria só está disponível para assinantes.

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Katyn na Dicta & Contradicta

A última edição da revista Dicta & Contradicta traz uma excelente matéria sobre um dos eventos mais sombrios da história da humanidade: o Massacre de Katyn.

Em abril de 1940, 22.500 oficiais poloneses foram executados com uma bala na nuca e enterrados em vala comum na floresta de Katyn, perto de Smolensk. Os responsáveis por essa bárbaridade foram os comandados de Lavrentiy Beria, antigo direitor da NKVD e amigo íntimo de Stálin. Beria também foi o responsável pelo Grande Expurgo de Stálin, na décadade 30. Uma ação persecutória que liquidou cerca de dois terços dos quadros do Partido Comunista, ao menos 5.000 oficiais do Exército (acima da patente de major), 13 generais de cinco estrelas do Exército Vermelho e inúmeros civis. Como prerrogativa o Politburo declarou que todas essas pessoas eram "inimigos do povo".

Aliás, essa foi a mesma justificativa apresentada pelo tirano quando ordenou a morte daqueles polonêses na floresta de Katyn, no final da década de 40. Felizmente, essa carnificina não passou desapercebida. Um ano depois, em 1941, os alemães entraram no território soviético e descobriram do que os comunistas eram capazes em nome da sua ideologia assassina. Mas, como todo sistema comunista se alicerça única e exclusivamente na mentira... Com a quebra do "Pacto Molotov-Ribbentrop", em 1941, a troika Soviética passou a atribuir o massacre de Katyn aos nazistas, embora toda Polônia soubesse que a carnificina tinha sido ordenada por Stalin. Aos recalcitrantes que ousassem levantar a voz contra a mentira soviética, caia a mais virulenta repressão, não raro acompanhada de novos fuzilamentos.

Em 1990, o presidente russo Mikhail Gorbatchev assumiu a culpa pelo Massacre de Katyn, em uma conversa com Lech Walessa. Mas os comunistas, afeitos a dualética marxista, fizeram de tudo para desmenti-lo. Alguns historiadores, advogados, políticos e jornalistas argumentam que os documentos que serviram de base para a confissão de culpa de Gorbatchev são falsos e foram fabricadas por forças hostis à URSS para desacreditar o regime soviético. Os defensores da versão oficial chegaram a organizar uma mesa redonda com o tema "Katyn - Aspectos Jurídicos e Políticos", na qual participaram apenas os defensores da versão oficial divulgada por Stálin. Na ocasião, os oficialistas soviéticos chegaram a seguinte conclusão: Hitler havia ordenado a construção de um bunker em Smolesk e após a sua execução, fuzilou todos os prisioneiros que participaram da sua construção. Uma hipótese que de tão absurda, chega a esbarrar no ridículo!

Em 2004, após 14 anos de investigações, os tribunais militares soviéticos arquivaram o dossiê de Katyn, alegando que se tratava de um crime comum que já havia prescrito. Nada mais compreensível e, por extensão, revelador. Desde Nikita Khruschev, com a sua fraudulenta política de "coexistência pacífica", passando por Leonid Brejnev, Andropov, Chernenko e Gorbachev (para não falar em Stalin, óbvio), todos os ditadores da URSS trataram de manter os registros e documentos do massacre de Katyn soterrados nos repositórios secretos do Partido Comunista, visto que a "exposição de tais fatos poderia trazer conseqüências desagradáveis para o Estado Soviético e o socialismo".

Em 2010, a pantomima criada pelos historiadores marxistas finalmente encontrou o seu fim. Naquele ano, o presidente Dimitri Medvedev decidiu abrir os arquivos sobre o Massacre de Katyn pondo fim a um processo que havia se iniciado em 1991, com Boris Yetsin. Nestes aquirvos, foi encontrada uma nota - assinada por Beria - que atesta a culpa dos soviéticos no massacre. No texto, o ex-diretor da NKVD propõe que todos os oficiais poloneses presos durante a invasão soviética da Polônia, em 1939, sejam sumariamente executados. Apesar disso, o governo russo não emitiu nenhuma nota de pesar; nenhum pedido de desculpas as famílias das vítimas.

Temos dezenas de filmes sobre os campos de concentração nazistas, sobre as matanças de Hitler. Mas não me recordo de nenhum filme sobre os gulags soviéticos ou sobre os Massacres stanilistas. Pergunto-me porque razão, motivo ou circunstância, nenhum cineasta se interessou em filmar "Arquipélago Gulag", de Soljenítsin? Óbvio que essa é uma pergunta capsciosa! A maioria das pessoas envolvidas com a idustria cinematografica está comprometida - em maior ou menor grau - com a ideologia que propiciou esses massacres. Nenhum deles está preparado para abrir mão da "fé" que abraçou com tanta veemência. Nenhum deles está preparado para reconhecer que o "novo homem" precognizado pelos socialistas é na verdade um tirano sanguinário.

Na falta de um cineasta de peso como Spielberg ou Polansky, coube ao cineasta polonês Andrzej Wajda, narrar a história do Massacre de Katyn. E ele o fez maravilhosamente bem! Wajda deu vida a ferida acompanhando, pelos olhos da esposa de um oficial polonês, os caminhos tortuosos que o Massacre de Katyn abriram em seu país. Ele foi e voltou no tempo ara mostrar o impacto na vida de cada pessoa afetada direta ou indiretamente pelos massacres e conseguiu produzir um equilibrio perfeito entre estes momentos de grande impacto - a produção é impecável - e as reiteradas tentativas da população de retomar uma rotina normal após a guerra.

Ao dramatizar o sofrimento e a dor moral dos poloneses (em especial, das polonesas) que resistiam à mentira comunista institucionalizada, o filme do diretor polonês robustece a arte e faz do cinema um instrumento a serviço da consciência humana. Wajda não é um falso artista, o enganador, digamos, na linha de um Cacá Diegues, tipo que se esconde por trás da mistificação ideológica para justificar a mentira utópica. O polonês trabalha duro, e de forma inspirada, na busca de um sentido transcendente que lhe permita inquirir a verdade perversa do seu tempo com senso moral e independência.

Infelizmente, nem mesmo o sucesso do filme foi suficiente para demover as críticos e intelectuais brasileiros da mentira contada pelos soviéticos. Não houve qualquer menção ao filme de Wajda na imprensa especializada e mesmo nos grandes jornais, a cobertura do seu lançamento foi pífia. Lembro-me que na ocasião do lançamento do filme, a secção de serviço "Rio Show", no Segundo Caderno de "O Globo", disse o seguinte: "Os bastidores do Massacre de Katyn, meses depois da invasão nazista na Polônia, em 1939". Apenas isso! Não sei se foi por ignorância ou cínismo, mas o fato é que a imprensa brasileira - à exemplo do que acontece lá fora - se recusou a cobrir um dos episódios mais torpes da 2ª Guerra Mundial, que eliminou praticamente toda elite militar polonesa e foi perpetrado pelos comunistas à serviço do Kremlin. Uma lástima!

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22 de junho de 2010

Por que será que alguns escritos permanecem sempre atuais?

- De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
(Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

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O Ficha Limpa e as boas intenções

Oscar Wilde, o célebre escritor britânico, costumava dizer que as boas intenções são a ruína do mundo, pois as únicas pessoas que realizaram coisas relevantes foram aquelas que não tinham intenção alguma de fazê-lo. Pitágoras, filósofo e matemático grego, aconselhou os seus discípulos a "não se deixarem impressionar pelas ideias alheias" e a "não permitir que estas lhes afastem do projetos honestos". Ele chegou, inclusive, a prescrever uma ordem que deveriam ser seguida à risca por todos aqueles que se relacionavam - direta ou indiretamente - com ele: "Cala-te ou dize coisas que calham mais do que o silêncio". Todo esse cuidado com as boas intenções e, principalmente, com as coisas que eram ditas em função delas, não era fruto do acaso. Tanto Pitágoras quanto Oscar Wilde, sabiam que ao longo da história as boas intenções têm sido a ruína da humanidade. O porquê é relativamente simples de se enteder: quem, em sã consciência, teria coragem de vituperar contra coisas que são tidas como boas pela imensa maioria das pessoas?

Fiz essa breve digressão para tratar de um assunto que está na boca de todos desde a semana passada: o Projeto de Lei que ficou conhecido como Ficha Limpa. O projeto é uma iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas de eleitores desde o lançamento da proposta, em setembro do ano passado. Sua aprovação pelo Senado causou polêmica por conta de uma emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que foi acatada pelo relator, Demóstenes Torres (DEM-GO). A emenda substituiu a expressão "tenham sido condenados" por "que forem condenados", no parágrafo que estabelece quais são os políticos alcançados pela lei. A intenção, segundo os senadores, era padronizar o projeto, que já trazia nas outras alíneas expressões com o tempo verbal no futuro. Essa alteração gerou inúmeras controvérsias e despertou a ira dos defensores do projeto, que argumentavam que ela teria sido pensada para garantir a impunidade dos políticos com ficha suja nas eleições de outubro.

Na última quinta, o TSE deu a discussão por encerrada declarando que a Lei da Ficha Limpa vale já para a eleição deste ano. A meu ver, a decisão é extremamente temerária, pois fere um dos princípios basilares da democracia: a presunção de inocência. Claro, com exceção de um ou dois articulistas políticos, ninguém na imprensa atinou para este detalhe. É compreensível, pois do jeito como as coisas andam, estas pessoas correriam o risco de serem confundidas com defensores da impunidade. Creio que o Supremo Tribunal Federal, órgão cuja principal atribuição é servir como guardião da Constituição Federal, também não dirá nada a respeito. Exceto, é claro, que alguém decida apelar a ele. Mas quem seria louco o bastante para fazê-lo? Certamente essa pessoa seria execrada pela opinião pública! E é justamente isso que me preocupa. Quando um grupo de pessoas decide moralizar a política interditado o debate sobre determinados temas, a democracia costuma ser a maior prejudicada.

O princípio de que uma lei só pode retroagir para beneficiar as pessoas é um fundamento do estado democrático de direito que colabora com a civilização e que nada tem a ver com a impunidade. Sem ele, inexiste segurança jurídica. Mas nem a OAB, nem os ministros do Supremo (exceção feita a Marco Aurélio de Melo) parecem se importar com isso. Mas de onde vem tamanha indiferença? É simples! A imensa maioria dos cursos de direito do nosso país foram loteados pelos inúmeros parcialismos que cercam a àrea — direito disso e daquilo — e perderam a dimensão superior de tão nobre profissão, que é proteger o indivíduo da arbitrariedade do Estado, dos poderosos ou dos grupos organizados que atentam contra os direitos e garantias individuais. Enquanto os nossos magistrados discutem os desígnios da sociedade naquilo que eles chamam de "direito achado nas ruas", a lei e a justiça são deixadas de lado. Até mesmo um dos princípios mais comezinos da democracia é atacado em nome das boas intenções de um povo inculto que por não suportar mais a leniência dos nossos tribunais com aqueles que transgridem a lei, acabou se tornando parte dessa trangressão.

É óbvio que reconheço o anseio da sociedade por justiça. Alegra-me ver que ainda somos capazes de sair desse estado de dormência para lutar por aquilo que nos é caro. No entanto, sou obrigado a lembrar que essa luta deve se pautar por aquilo que diz a lei maior do nosso país, que é a Constituição Federal. Não é admissível que uma nação que se pretende democrática recorra a expedientes tão baixos quantos leis de exceção para resolver problemas como corrupção, nepotismo e improbidade administrativa. Quando ignoramos este fato, transformamos aquela que poderia ser uma medida saneadora em uma verdadeira aberração jurídica. Por favor, compreendam: não estou dizendo que devemos deixar tudo do jeito que está, em absoluto. Estou dizendo que as mesmas pessoas que se organizaram para levar o projeto Ficha Limpa até a aprovação no Senado e, posteriormente, à sanção presidencial, poderiam ter criado uma espécie de censura moral aos partidos que mantêm candidatos condenados. Isso sim seria eficaz na luta pela moralização dos nossos quadros políticos. Isso sim teria alguma relevância a longo prazo!

Mas, infelizmente, a sanha moralizadora dos aiatolás do Ficha Limpa não pode esperar. Eles querem que tomemos providências para impedir os políticos corruptos de se candidatarem o quanto antes. Uma reivindicação justa, é verdade, mas que esconde inúmeras irregularidades. Vejam o que fizeram com a palavra inelegibilidade, por exemplo. No afã de condenar os políticos ficha suja, torceram o verbo até chegarem a conclusão de que a inelegibilidade não era uma punição, mas uma "condição", sem a qual o político não poderia se candidatar. Ora, se a supressão de um direito garantido a todos os cidadãos não é uma punição, o que é então? Difícil dizer! Na semana passada, o jornalista Reinaldo Azevedo escreveu algumas palavras sobre isso. Segundo ele, "a tal iniciativa popular — de fato, de uma ONG — conseguiu o prodígio de relativizar dois princípios da Carta: a presunção da inocência e a não-retroatividade da lei". É óbvio que ele está certo! Basta usar a lógica para percebê-lo.


E os absurdos não param por aí! Existem algumas questões de suma importância que passaram desapercebidas pelo noticiário político. Algumas semânticas e outras técnicas, mas todas igualmente relevantes. Entre as questões de natureza semântica há uma, em especial, que requer a nossa atenção: o "colegiado de juízes". Não existe, em nosso país, esse tal colegiado de juízes. A expressão, que parece ter saído de algum manual da novilíngua orweliana, foi criada para não melindrar os juízes de primeira instância que tiveram o seu trabalho desprestigiado pelo legislador. Na prática, a lei diz que esse negócio de condenação em primeira instância não conta e que a justiça própriamente dita só é aplicada a partir da segunda. Agora, digamos que haja um tempo "x" para que uma sentença de primeira instância chegue à segunda. No caso de candidatos ou pré-candidatos a cargos públicos, esse caminho seria encurtado, certo? Essa decisão colegiada de juízes, para o caso dos que querem disputar eleições, se daria numa sessão extraordinária ou já seria considerada a sessão ordinária mesmo, sendo a decisão definitiva daquela instância? Eu não sei e ate agora ninguém explicou.

E olha que ainda faltam as considerações de ordem técnica, como a presunção de inocência e etc. A democracia exige que o réu seja tratado como inocente até que o seu processo tenha sido julgado. Nesse caso, como ficam os políticos que foram impedidos de se candidatar e absolvidos, pouco depois, em virtude de uma apelação? Os prejuízos sofridos por este político seriam incalculáveis, pois além dos gastos com a campanha e etc, há o prejuízo eleitoral (de ter sido implicado em um processo por improbidade ou sei lá mais o que). Como recuperar o que esse político perdeu? Impossível, claro. Mas ninguém está minimamente interessado nessas questões. Sinceramente, não é razoável que se possam cassar direitos políticos de um cidadão brasileiro, sem que ele tenha sido condenado. Admitir tal coisa seria o mesmo que decretar o fim do Estado de Direito, essa bobagem, essa irrelevância… Desculpem-me a franqueza, mas é um debate estúpido!

Como se não bastasse, existem outros pontos que dão margem para multiplas interpretações, como por exemplo, o parágrafo que impede os politicos que tenham sido condenados por ocultação de bens e valores de se candidatarem. A princípio, a ideia parece maravilhosa, mas basta alguns minutos de reflexão para constatar que isso não passa de uma boçalidade. Querem ver? Enquanto discutíamos a aprovação do Ficha Limpa, Hugo Chavez, o caudilho venezuelano, emitiu uma ordem de prisão contra o presidente da última rede de TV independente da Venezuela. A acusação era de "ocultar bens" (automóveis) e "valores" (doláres) em sua casa, para manipular os preços do mercado. Percebem como uma ideia aparentemente boa pode ser usada para justificar toda sorte de arbitrariedades? E essas são apenas algumas das questões que estão deixando os juristas desse país de cabelo em pé. Existem outras, tão importantes quanto essas, que ainda carecem de esclarecimento.

Dizem que essa lei vai moralizar a política brasileira e sanear os nossos costumes, que orbitam entre a corrupção e oportunismo puro e simples. Eu, pessoalmente, acho isso um exagero. Estão superestimando a lei e as suas eventuais contribuições. Os 40 mensaleiros do PT, por exemplo, eram todos fichas-limpa. José "marimbondos de fogo me mordam" Sarney, idêm. Isso prova que é possível fraudar a democracia e o Estado de Direito tendo uma ficha mais limpa que as vestes da Virgem Maria. Já está mais do que na hora da população brasileira aprender que não é possível resolver problemas complexos com soluções simples e facéis. Por isso eu afirmo que aqueles que aprovam uma lei que pune retroativamente não percebem que estão pondo uma corda no próprio pescoço. No futuro, as pessoas verão que essa aberração irá nos fazer mais mal do que bem, pois na "sociedade da mobilização" as violações nunca vem desacompanhadas.


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21 de junho de 2010

A influência de uma cueca no universo político e literário

Vocês se lembram daquele sujeito preso com uma mala de dinheiro e alguns milhares de dólares na cueca? Era assessor de um irmão de José Genoino, um dos petistas mais notáveis que já se viu.

Naquela época, o petismo inaugurou uma nova categoria na política e nas finanças: a cueca como casa de câmbio. Pouco tempo depois, outro sujeito enrolado com o mensalão resolveu repetir o procedimento, criando uma nova moeda: a "eureca", o euro na cueca (cortesia da revista Veja).

No auge do escandâlo, ojornalista Reinaldo Azevedo escreveu no site Primeira Leitura um texto chamado "Cueca, literatura e política". O episódio era tão bizarro, tão característico do petismo, que a linguagem jornalística lhe pareceu insuficiente para narrá-lo. O jornalista fez, então, uma brincadeira. Contou a mesma história segundo o estilo de vários autores. A coisa ficou divertida, caiu na rede, multiplicou-se, mas o resultado... O cuequeiro ascendeu no PT e Genoino foi eleito deputado.

Mas por que estou lhes contando isso? Na semana passada, soube que o cuequeiro havia iniciado um períplo para reaver o dinheiro apreendido pela Policia Federal. Ao que parece, os petistas que outróra negavam com veemência o episódio, hoje não só o reconhecem como também exigem reparação por ele. Eu sei que isso lhes causou engulhos, mas o que há de ser feito? Como diria o Diogo Mainardi: "Quando as instituições que deveriam nos salvaguardar dos abusos cometidos pelo Estado falham, quando o poder falha, quando o judiciário falha... Só nos resta esculachar".

Marketing
A Casa das Cuecas, tradicional loja de underwear masculina, pode trocar o nome para Casa de Câmbio. Com cartão-fidelidade para petistas.

Literatura política

Em vez de Marx ou Maquiavel, os petistas podem ler os sete livros da série Capitão Cueca, publicados pela Cosac & Naify. Para os teóricos da conspiração, o mais indicado é Capitão Cueca e o Perigoso Plano Secreto do Professor Fraldinha Suja. Ótimo para candidatos a comissário do povo. Para os que se amarram num debate-boca sobre o monopólio petista da ética, pode-se recomendar Capitão Cueca e o Ataque das Privadas Falantes. E para os que querem, mas já não podem, se livrar de companhias incômodas e suas milionárias contas secretas, vai o Capitão Cueca e a Grande e Desagradável Batalha do Menino Biônico Meleca Seca.

Um Haicai:

Cueca e dinheiro,
o outono da ideologia
do vil companheiro

À moda Machado de Assis:

Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca.

À moda Dalton Trevisan:

PT. Cem mil. Cueca. Acabou.

À moda concretista:

PT
Cueca
Cu
PT
Eca
Peteca
Te
Peca
cloaca

À moda Graciliano:

Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os dólares a lhe pressionar os testículos.

À moda Rimbaud:

Prendi os dólares na cueca, e vinte e cinco anos de rutilantes empulhações cegaram-me os olhos, mas não o raio X.

À moda Álvaro de Campos:

Os dólares estão em mim
já não me sou
mesmo sendo o que estava destinado a ser.
Nunca fui senão isto:
um estelionato moral
na cueca das idéias vãs.

À moda Drummond:

Tinha um raio X no meio do caminho.

À moda TS Eliot:

Que dólares são estes que se agarram a esta imundície pelancosa?
Filhos da mãe! Não podem dizer! Nem mesmo estimam
O mal porque conhecem não mais do que um tanto de idéias fraturadas, batidas pelo tempo,
E as verdades mortas já não mais os abrigam nem consolam”.

À moda Lispector:

Guardei os dólares na cueca e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que estávamos juntos, mas a de séculos de uma crença que eu sempre soube estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a nota.

À moda Lênin:

Não escondemos dólares na cueca, antes afrontamos os fariseus da social-democracia. Recorrer aos métodos que a hipocrisia burguesa criminaliza não é, pois, crime, mas ato de resistência e fratura revolucionária. Não há bandidos quando é a ordem burguesa que está sendo derribada. Robespierre não cortava cabeças, mas irrigava futuros com o sangue da reação. Assim faremos nós: o dólar na cueca é uma arma que temos contra os inimigos do povo. Não usá-la é fazer o jogo dos que querem deter a revolução. Usá-la é dever indeclinável de todo revolucionário.

À moda Stálin:

Guarda e passa fogo na cambada!.

À moda Guimarães Rosa:

Zezinho doleta tinha dívida de gratidão que não se paga jamais, seu moço, com Nhô Nobre, coisa assim lá pras bandas de outro mundo genuinamente de dentro dos cafundós da alma e por isso aceitou abrigar lá nas baixuras do homem onde a gente peca e fica sujo de tanta felicidade aquela dinheirama toda. E sentiu assim uma gostosura morna, só esfriando quando o sordado do zóio amarelo lhe apalpou as honras. Mas se calou mudo como nos confins do mundo imundo.

À moda Rubem Fonseca

O dinheiro lhe pesava no escroto e aquela acidez permanente ameaçando romper a barreira do esfíncter esofagiano inferior. Mastigou um comprimido de magnésia bisurada e achou engraçado que pudesse ter uma ereção numa hora como aquela, com o sangue a encher os corpos cavernosos de sua honra inútil, procurando um lugar entre notas amassadas e pentelhos hirsutos. Sentiu, sem saber por quê, vontade de matar anões.

À moda Jô Soares:

Eu não uso cueca.

À moda Proust:

Acomodou os dólares na cueca e atentou para o elástico frouxo e a trama do tecido já interrompida pela ação do tempo. O sol invadia pela janela o quarto de um hotel perdido no centro velho da cidade, e a trajetória de seu raio sofria um ligeiro deslocamento ao passar através de uma das abas da janela que se projetava, antiga, para fora, sobre uma cidade cinza, porém viva. Àquela hora, ruidosos, apressados e alegres, rapazes e moças do povo seguiam para o trabalho espiados por uma algaravia de estilos que pendia dos prédios, cujos capitéis e acantos da antiga elite cafeeira, já tomados pela fuligem, deitavam sua sombra sobre aquela massa humana, tão mais viva quanto mais disforme em suas roupas de tecido ordinário, porém com a graça eloqüente que tem a vulgaridade. Àquela hora, Odette acabara de se levantar e olhava com preguiça a macieira à frente de sua janela. Não pensava nada, pálida ainda de sono renitente. Caminharia ela também em direção à janela, olharia o quintal, estenderia mais adiante a vista, olhando os primeiros passantes do dia e diria com a força de uma sentença que nele sempre tinha o poder de um evento milagroso: “Acordei”. Passou ainda uma vez as mãos sobre o volume de notas escondido sob a cueca de elástico esbaguelado, fechou a porta e seguiu para o aeroporto. Odette tomava café.

À moda Julio Cortázar:

Um cronópio não carrega dinheiro na cueca porque está mais para supervida do que para intervida, como um fama, que então enche os fundilhos com bolinhos de dinheiro e sai por aí dobrando esquinas e chamando para si a perícia da polícia e depois se queda quietinho, apagando a memória do celular.

À moda Roberto Schwarz:

O dólar na cueca expõe uma das muitas faces da crise do capital, que tanto mais se expõe quanto mais aniquila as dimensões de uma visibilidade que, à medida que se impõe, explora os caminhos de sua própria inviabilidade. Seu fator estruturante elimina o espaço da subjetividade, e a cueca passa a encarnar, então, não o dinheiro como base material do valor, mas o fetiche da ilegalidade que hoje marca o capitalismo. O indivíduo-indivíduo se torna um indivíduo-cueca à medida que agasalha, como metáfora e metonímia, a moeda que traduz um ponto de trajetória do domínio do império.

À moda Emir Sader:

É tudo culpa do Fernando Henrique e do Ariel Sharon (hoje seria culpa do Bibi Natanyahu).

À moda Marilena Chaui:

A cueca de Espinosa melou por ti, segundo Merleau-Ponty.

À moda Renato Janine Ribeiro:

Uma cueca cheia de dólares é sempre mais que uma cueca cheia de dólares. Uma cueca cheia de dólares apela às culpas que cada um de nós carrega dentro de si e quer ver espiadas e expiadas por meio da ação de um partido ético, que só pode ser o PT, embora eu não seja filiado ao partido. Reparem que duas crises se cruzam neste evento como emblemas: ao mesmo tempo em que o símbolo do império escancara o seu poder de chantagem, sabemos que o dinheiro foi flagrado na cueca, expressão de uma intimidade masculina que vem à luz, como se o homem contemporâneo buscasse ser outra coisa e desse um grito de socorro, mais feminino, mais humano, mais aberto, mais gentil.

À moda Eça de Queirós

Tinha escondido os dólares nas cuecas. Surpreendido, emudeceu, e seu olhar se perdeu nas rutilâncias metálicas do aeroporto, detendo-se nas colunas sobrepostas por uma camada que imaginava espessa de aço escovado. Àquela hora, Luísa estaria a preparar o café, e um aroma denso, doce, tomaria o ambiente, numa esfera de sensualidade doméstica em tudo avessa à inquirição pela qual certamente haveria de passar. À sua volta, o alarido da imprensa simulava um auto-de-fé de que ele era o cordeiro de Deus, pronto para o rito sacrificial. E esta idéia quase que lhe foi uma forma de conforto, não tivesse sido tirado de sua acolhedora catatonia pelas palavras do meirinho, que insistia no cumprimento de um ritual burocrático que estava a léguas de sua buliçosa vida interior.
— Qual é a origem deste dinheiro? Quem lho deu?
A voz parecia advir das trevas, de um escuro persecutório que contrastava com a luz refletida e esmagada nas colunas de aço escovado. Disse, então, para si mesmo, que a privacidade houvera ficado perdida num determinado ponto da história, que já não tinha mais volta. O tempo corria. Urgia que tivesse ao menos uma desculpa. Algo que pudesse devolvê-lo àquela cálida sensação de que tudo, na vida, passa e de que vivemos à espera da morte.

À moda Flaubert

O dólar na cueca apelava a um rol de licenças íntimas desde que houvera decidido que o exercício da vontade não podia encontrar no crime o seu limite. Tinha plena consciência da afronta aos padrões vigentes da moralidade, mas o que, inicialmente, lhe parecia uma escolha tomou a súbita determinação de uma vontade compulsiva, cujos detalhes ele podia experimentar com mórbido prazer. Sabia que se fazia, assim, o último extremo da abjeção, e a culpa lhe consumia a alma e lhe pesava nas calças, como se a matéria conspirasse com uma antiga moral e lhe apontasse um dedo acusador. Mas já não era mais senhor de suas escolhas. Àquela tentação da censura, opunha-se uma outra: o prazer da transgressão que experimentam os criminosos, ainda que ele pudesse sentir-se o último dos desgraçados. Tinha fortes razões para concluir que chegava ali empurrado por tudo o que fizeram dele. Mas não podia negar à sua própria consciência uma evidência: amava o crime e a abjeção a que era relegado. Sentiu-se, então, estimulado por uma força que muitos chamariam de estranha, mas que ele sabia ser o chamamento de sua própria vontade, como um édito, uma determinação do destino. E riu intimamente de suas própria e falsa profundidade, que não era diferente de escarnecer de sua moral desengonçada.

À moda Nelson Rodrigues

Tomou um Chicabom e escondeu os dólares na cueca de bolinhas. Antes de ser preso, ainda pensou: “Todo homem tem de fazer amor com a sua cunhada e de ejacular ao menos uma vez no lavatório”.

À moda Cecília Meireles

Às vezes um homem passa
do outro lado do vidro. Às vezes, um menino
e seu irmão. Tudo lhe parece perfeito,
sereno, em seu lugar, como personagens
de Lope de Vega.
E, no entanto, havia aquilo:
os dólares presos à cueca.
Ainda teve tempo de pensar:
“Haverá uma forma em que eu possa
conciliar a mentira com o que há de belamente
fatal nesta hora”.
Algo em sua consciência censurava
a escolha insensata, a que respondia, no entanto,
certa atração fatal pelo suavemente sórdido,
como um desenho vulgar
feito no cabo de um punhal de prata.

À moda Shakespeare

Ó tempo devorador de homens e de reputações! Ó dia aziago! Em má hora quis o destino que a minha vontade e a sorte se encontrassem neste sortilégio. Vai, vil metal, confessa o meu opróbrio, denuncia a minha covardia.

À moda Musil

Escondeu os dólares na cueca. A suposição de que pudesse estar cometendo um crime o excitava um pouco, embora dissesse para si mesmo que aquele não era um sentimento genuíno, que lhe aflorasse das entranhas rumo à pele. Um olhar curioso, que o via de fora, emprestava ao ato a força de uma transgressão que ele mesmo não reconhecia, desiludido que estava até do fascínio do crime. Mas compreendia, no entanto, que outros pudessem se excitar em seu lugar. Deu-se, assim, por satisfeito em poder animar a vida alheia, já que a própria lhe parecia presa não exatamente do absurdo, mas de uma poderosa maldição da repetição. Pois que se deliciassem, então, com o acontecimento excepcional.

À moda Ascenso Ferreira

Parte o cearense, valente,
Com os dólares na cueca escondidos.
Olha o moço do raio-x
Com a coragem dos fortes
E não desvia o olhar nem mesmo
Quando lhe indagam:
— De quem é isto?
“Pra que tanta coragem?”,
Ele se pergunta.
Pra nada.

À moda Camões

Enquanto quis cueca que tivesse
Esperança de algum ocultamento,
O gosto de um suave livramento
Me fez que alguns milhares escondesse.

À moda Manoel de Barros

Nos fundilhos do meu quintal,
íntimo, meu senhor,
o dólar me faz
homem-bomba.

Ele me lula,
Ele me sapo,
Ele me picareta.
Ele me PT.

Conheço de palma os dementes do Brasil.
Penso que na minha cueca
não tem dinheiro ilegal,
mas um silêncio feroz,
que vai morrer com o passarinho.
Sem dar um pio.

PS - A lista de estilos foi sendo ampliada pelos leitores, e novas intervenções foram se acrescentando à versão original.

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Educação Moral e Cívica

Encontrei esse texto no blog Cheiro de Café e achei que seria bom compartilhá-lo com os meus leitores.

A violência entre cidadãos comuns, ou seja, aqueles que não são considerados bandidos, aumenta mais do que a violência dos bandidos contra a população nas grandes cidades.

por Rafa (suponho que seja Rafaella) Guerra

Isso não é surpresa para mim. Há muito tempo venho notado uma tendência das pessoas em lutar pelos seus direitos de forma questionável, em abominar a idéia da omissão, da falta de personalidade (leia-se gênio forte e histeria), em querer aparecer mais e ser mais do que o outro. Isso é o que conta hoje em dia. Houve uma inversão de valores. Aquele que tenta lidar com o outro de forma diplomática e civilizada, respeitando e tolerando as diferenças é o típico idiota do século XXI, é um cidadão sem expressão, sem personalidade. Como já havia mencionado em outro post, a moda agora é dizer que fala tudo NA CARA (que pretensão, hein? Quem disse que a sua opinião é assim tão importante?), que não importa o que os outros pensam sobre você, tem até uma frase (constantemente repetida) RIDÍCULA que diz: “falem bem ou mal, mas falem de mim”. Será que as pessoas que dizem isso param realmente para prestar atenção no sentido da frase? Será que alguém tem essa necessidade tão grande de aparecer de qualquer forma a ponto de querer ser vítima de maledicência?

Pois bem, essa semana, duas pessoas morreram por causa de uma briga de vizinhos que teve como causa um saco de lixo na calçada. Como é que pode? São duas vidas humanas! Será possível que nossa vida não valha mais do que um saco de lixo? O pior é que esse é apenas um de muitos casos de brigas entre cidadãos “comuns” que terminam em morte. Falta educação, e não é de física, química, português e matemática que eu estou falando. As escolas perdem muito tempo ensinando coisas inúteis, sim, porque até hoje nunca precisei utilizar o valor de PI, nem aquelas fórmulas loucas de física para nada na minha vida. Não, não sou contra o ensino dessas disciplinas, só acho que este ensino deveria ser voltado para as coisas práticas do dia a dia, depois, os alunos que se identificassem com essa ou aquela área, poderiam se aprofundar nos assuntos mais específicos. Na minha época de criança, existia (além de todas as disciplinas que existem hoje) uma disciplina chamada “EMC – Educação Moral e Cívica”, até hoje não entendi por que excluíram uma matéria tão importante como essa do currículo. O nome já diz tudo, tínhamos noção de moral e CIVILIDADE, coisas essenciais para se viver em sociedade. Já que não podemos contar com os valores morais dos pais e o bom-senso comum, o governo tem a obrigação de ensinar isso nas escolas. Isso é mais importante do que QUALQUER conhecimento técnico sobre qualquer coisa.

Cada indivíduo é apenas 1 dos milhões de habitantes das grandes cidades. Não estamos sozinhos, não podemos fazer tudo o que der na telha (mesmo coisas lícitas), quem quiser isso tem que morar isolado no meio do mato. Há que se respeitar o OUTRO, afinal de contas, nós também somos o outro para alguém. Não estou dizendo que não devemos lutar pelos nossos direitos, reivindicar, discutir, contestar, muito pelo contrário. Só acho que tudo isso pode ser feito de forma civilizada, cordial, polida, fina. E isso vai de assuntos pessoais a coletivos. Muitas vezes, dar o exemplo faz mais efeito do que começar uma discussão. Muitas vezes também, as pessoas teimam em discutir por qualquer coisinha, só pelo prazer de discutir ou, quem sabe, para extravasar a raiva por uma noite mal comida, digo, mal dormida. Se a pessoa é amargurada, mal amada, estressada, ninguém tem nada a ver com isso. Temos que aprender a separar as coisas.

Enfim, se um relacionamento em família já é difícil e desgastante, imagine um relacionamento com milhões de pessoas? É claro que não pode ser fácil! Acredito que as dicas para um bom relacionamento no casamento sirvam também para a vida em sociedade: RESPEITO, TOLERÂNCIA, RAZOABILIDADE, CESSÃO, MALEABILIDADE. Acho que esse é o verdadeiro e tão falado “amor” ao próximo. É claro que se isso tudo for feito com prazer, fica bem menos difícil. Agora, se a pessoa achar que não tem a obrigação de respeitar, tolerar, racionalizar, ceder ou ser maleável, para os casais, existe o divórcio, para os cidadãos, resta o mato.

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18 de junho de 2010

A morte do velho portuga

Morreu aos 87 anos o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de literatura. Lamentei profudamente o seu falecimento, apesar de não ser um grande fã da sua obra. Suas "inovações" nunca me interessaram e a sua tão elogiada "técnica" não passava de um maneirismo. Seu "estilo" não me agrada e nãome diz absolutamente nada. Ou melhor, diz sim: sua sintaxe de exceção, as vozes do discurso que vão se misturando, aquele fluxo de pedregosa verborragia, aquela mistura de tempos, tudo aquilo vai me cansando.

Não li seu último livro, Caim, porque O Evangelho Segundo Jesus Cristo - um livro primitivo na forma e simplório no conteúdo - coneguiu matar o pouco apreço que eu nutria por ele. Ralph Emerson, escritor norte americano, dizia que o talento sozinho não consegue fazer um escritor; deve existir um homem por trás do livro. Eu vou além e afirmo que é o caráter do escritor que define a sua importância aos olhos do público. É claro que sei distinguir as escolhas ideológicas do escritor dos recursos estéticos empregados em sua obra, mas prefiro quando o próprio escritor é capaz de fazê-lo. Acho que isso facilita a vida do leitor e contribui sobejamente para que não se criem equivocos a respeito das reais itenções do autor. Infelizmente, Saramago nunca primou por este quesito.

Em Alem do Bem e do Mal, Nietzsche critica a moral cristã. Em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Saramago critica os cristãos. Como podem ver, a diferença não está apenas na forma da sua crítica, como também no seu conteúdo. É fácil compreender porque o portuga julgou adequado inveter o teor da mensagem contida nos evangelhos. No fundo, ele sabia que jamais seria perturbado, pois o cristão é, em essência, um cordeiro que segue fagueiro para a imolação, sem reclamar de nada. Por essas e outras, O Evangelho Segundo Jesus Cristo é um livro execrável. Na literatura, não se desconstrói a religião sem se apaixonar pelo fato religioso. O pio Dostoievski conseguiu ser muito mais duro com Deus cristão sem, no entanto, ser ofensivo ou desairoso com os próprios critãos.

Há quem diga que eu exagero nas restrições de natureza ideológica e deixo de lado a obra propriamente dita. Discordo, pois na prosa literária as deliberações do escritor são tão importantes quanto a sua narrativa. Sempre achei que o conteudo é inúmeras vezes mais importante que a forma, por isso costumo me indagar o que exatamente o escritor quis dizer quando recorreu a tais e tais recursos estéticos em sua obra. Ser "inventivo" não é o mesmo que ser "progresista", pois a inventividade nem sempre colabora para a evolução das ideias. Ao contrário, na maioria das vezes, aquilo que é chamado de "inventividade" não passa de um excesso de brocados supostamente "modernizantes".

Não sei se é para o bem ou para o mal, mas não consigo ler um livro sem atinar para o fato que ele é um reflexo cabal da escolha política, ética e ideológica do seu autor. Tenho um pé um atrás com determinados escritores que alegam dedicar a sua obra a um "propósito maior". A arte existe para que a realidade não nos mate. Logo, não pode ser tratada como um simples reflexo daquilo que vivemos. Claro, essa é apenas a opinião de alguem que acredita que a arte, quando é usada para transmitir uma ideia ou uma ideologia, se tranforma em propaganda.

Saramago nunca compartilhou desse pensamento e a exemplo de outros escritores igualmente renomados, pôs sua obra a serviço de uma ideologia. Ele morreu defendendo o "socialismo real", uma filosofia incompatível com o livre pensar e com a criação artística genuína. Atrevo-me a dizer que os intelectuais e acadêmicos que aderiram a essa ideologia, se transformaram em máquinas de proselitismo à serviço de um partido. Mikhail Bulgakov, por exemplo, se negou a desempenhar esse papel e como resultado, acabou sendo perseguido por aqueles que Saramago tanto admirava. Em um certo momento da sua vida, chegou a dizer: "Se um escritor quisesse demonstrar que a liberdade não lhe é necessária, pareceria um peixe querendo convencer-nos de que a água não lhe é útil".

É triste dizer isso, mas na minha opnião a obra do português da Província do Ribatêjo serviu apenas para embaçar o trabalho de Antônio Lobo Antunes, um literáto melhor e mais inventivo. Justo Lobo Antunes, que ao contrário de Saramago não deve a sua acensão a uma patota comunista. Justo Lobo Antunes, que sempre acreditou em ideais como justiça e liberdade. Realmente lamentável...

No fundo, a morte de Saramago nos deixou uma única certeza: o sucesso retumbante de alguns escritores não têm absolutamente nada a ver com o seu talento, mas sim com à afinidade entre a mediocridade das suas idéias e as dos seus leitores.

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Sobre os africanos e suas vuvuzelas

Schopenhauer nunca foi tão atual: "A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental".

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17 de junho de 2010

À Procura da Felicidade

"We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed, by their Creator, with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the Pursuit of Happiness". (Preâmbulo da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, escrita em 1776)

Ontem eu assisti, pela quarta vez, o maravilhoso "À Procura da Felicidade". Infelizmente, o filme que rendeu o Oscar de melhor ator para Will Smith (Chris Gardner) não teve uma boa repercussão no Brasil e dificilmente entrará para a história do cinema.Claro, isso se devesobretudo ao número excessivo de recursos estéticos que foram incutidos na obra para "chocar" o público.

Tudo começa nos anos 80, em São Francisco. O protagonista desta história é Chris Gardner, um vendedor frustrado que vê num desconhecido que estaciona a sua Ferrari em frente à Bolsa de Valores a perspectiva de um futuro melhor. Já em sua casa, Gardner assiste um discurso em que o então presidente Ronald Reagan, culpa os excessivos gastos do governo pela situação delicada em que a economia do país se encontra.

É importante salientar que durante o seu governo,
Reagan implementou uma série de reformas econômicas radicais. A política de recuperação econômica implementada no primeiro ano do seu mandato consistia em fornecer estímulos à oferta (supply-side economics) e incluia diversas medidas de desregulamentação e cortes de impostos. Antes do presidente Reagan tomar posse, os Estados Unidos viviam um período de estagflação (estagnação econômica com inflação) e foi graças ao pacote de reformas apelidado de Reaganomics pelo economista Paul Harvey, que o american way of life foi preservado. Por essas e outras, acredito que alusão aquele discurso não foi obra do acaso.

A procura da felicidade, mencionada reiterada vezes no filme, não é um simples clichê. Trata-se de uma expressão cunhada por Thomas Jefferson para descrever o direito de todo o indivíduo de não ser forçosamente impedido de orientar a sua vida, de acordo com os seus próprios princípios e pelos meios por ele adquiridos. Num sentido menos poético, a "procura da felicidade" é uma síntese do pensamento de John Locke, filósofo do Iluminismo inglês: "o direito dos indivíduos de deterem a propriedade privada e com ela adiantarem os seus fins".

Esse pensamento norteia todo o filme e nos leva a uma reflexão sobre os valores que propiciaram o surgimento da nossa práxis política. Diferente dos americanos, nossa cultura política deriva da Revolução Francesa e da divisa "liberté, égalité, fraternité". Se fossemos herdeiros da tradição anglo-saxónica, leríamos este lema como "direito do indivíduo de não ser coagido (sobretudo pelo Estado), direito à igualdade perante a lei, direito à sua própria moralidade". Como não somos, a expressão acabou imantando a promoção estatal de direitos "sociais" ("liberdade" de condicionamentos econômicos), o igualitarismo e "solidariedade social" - vulgo peleguismo.

Hoje em dia, a parte mais importante da "felicidade" do cidadão brasileiro é "garantida" pelo Estado. Do berço ao túmulo, somos coagidos a entregar ao Estado, metade de tudo aquilo que produzimos ao longo das nossas vidas. Ao invés de buscar a nossa própria felicidade por meio das realizações individuais, somos obrigados a dedicar uma parte substâncial das nossas vidas à procura da "felicidade" do Estado Social. Em troca, recebemos a "garantia" de que teremos direito a saúde, a educação e a inúmeros "direitos sociais" que nos são oferecidos numa embalagem de tamanho único, criada para parecer irrecusável. Nessa equação, a liberdade para gerir o fruto do seu trabalho, a sua propriedade privada, é menosprezada e muitas vezes confundida com egoísmo.

Enquanto não recolocarmos o direito à "procura da felicidade" no centro das políticas públicas e rejeitarmos o megalômano e intrusivo Estado Social em benefício de um sistema político-administrativo limitado nas suas funções, continuaremos sendo vítimas da ambição dos nossos governantes. Enquanto não aprendermos o caminho da auto-suficiência e do respeito pelas liberdades individuais, continuaremos sendo vítimas da nossa própria debilidade.

Essa é a mensagem transmitida pelo filme, que nos Estados Unidos é tratado como um libelo à liberdade. Através de valores como a esperança, a honestidade e a integridade, Chris Gardner nos ensina a superar as adversidades sem ignorar os nossos princípios. Essa lição deve ser assimilada, sobretudo, por aqueles sociólogos e intelectuais que tentam criar uma associação de causalidade entre a pobreza e a criminalidade. Faço votos de que todos o assistam, pois em um país onde o povo está acostumado a pensar somente no que o governo pode oferecer, onde Che Guevara ainda é cultuado e a iniciativa privada é tratada como inimiga dos mais pobres, nada é mais alentador que a história de um homem que conhece bem de perto a miséria e sai dela por conta própria, tornando-se um multimilionário.

A propósito: O dinheiro é apenas um subproduto, um indicador do sucesso de Gardner. A verdadeira conquista está na integridade de um homem que soube vencer barreiras inacreditáveis para educar seu filho de maneira digna e honesta.

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14 de junho de 2010

O despertar de Ferreira Gullar

Tenho lido os últimos artigos do poeta Ferreira Gullar e reconheço que ele mudou muito de uns anos para cá. Antes tarde do que nunca! Gullar é a prova viva de que todos podem acordar um dia.

Seguem trechos de sua entrevista para a revista Dicta & Contradicta:

Engajamento
Quando escrevi romances de cordel na época da ditadura, queria fazer mais subversão do que arte. Estava usando a minha poesia para fazer política. A preocupação principal era levar as pessoas a ter consciência dos problemas sociais, como a reforma agrária, as favelas, a desigualdade. Não havia uma preocupação estética. (...) Lembro-me de quando fomos, com o Centro Popular de Cultura, à favela da Praia do Pinto, para fazer um espetáculo, um auto antiamericano, anti-imperialista. Quando chegamos lá, todos os adultos foram embora, ficaram só as crianças ouvindo o Vianinha (o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho) berrar contra o imperialismo. Olhava aquilo e ficava pensando: "O que é isso? Pregando o anti-imperialismo para menino de 5 anos na favela da Praia do Pinto?". Isso foi a um mês do golpe de 1964. Comecei a perceber que a ideia de fazer arte com baixa qualidade só para atingir o povo era falsa.

Enganos da esquerda
Vivi a experiência da União Soviética, em Moscou, e depois vivi o drama e a derrota do (presidente) Allende no Chile – eu estava lá quando ele foi derrubado. Tudo isso me levou a ter uma visão crítica em relação à revolução, em relação às coisas em que nós acreditávamos, aos procedimentos que adotávamos. Aprendi que a coisa era muito mais complexa do que imaginávamos. Sonhávamos em chegar ao poder – e então chegamos ao poder no Chile, com Salvador Allende. E aí? O que aconteceu? Houve uma grande confusão: as esquerdas não se entendiam. Os radicais queriam obrigar Allende a fazer o que não podia ser feito – o que ele sabia que não podia fazer, porque seria derrubado. No fim, foi a própria esquerda que causou a queda de Allende. Aquilo me deixou arrasado. Sacrifiquei minha vida, meus filhos, para me meter numa confusão dessas.

Comunismo
Um professor meu de economia política marxista lá em Moscou me disse o seguinte: "Você sabe quanto tempo levou para que em Paris houvesse, todo dia, às 8 da manhã, croissant para todo mundo, leite para todo mundo, pão para todo mundo, café para todo mundo, e tudo saindo na hora? Alguns séculos". A revolução desmonta uma coisa que os séculos criaram. Agora, o Partido resolve, e não vai ter café, não vai ter pão, leite, nada. Resultado? Trinta anos de fome na União Soviética. Você desmonta a vida! E havia outra porção de erros: afirmavam que quem faz a riqueza é o trabalhador. Mentira! O trabalhador também faz isso, mas, se não existe um Henry Ford, não existe a fábrica de automóvel e não vai ter emprego para você. Nem todo mundo pode ser Bill Gates, nem todo mundo pode inventar uma coisa. Marx está correto quando critica o capitalismo selvagem do século XIX. Quando propõe a sociedade futura, está completamente errado.

Comparem o mea culpa de Gullar com a postura intransigente de Dilma Rousseff, que afirmou no final da entrevista à Veja desta semana: "Eu mudei com o Brasil, mas jamais mudei de lado".

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O mito do miserê palestino

No ano passado, o site Palestina Hoje publicou uma série de fotos tiradas na região conhecida como Faixa de Gaza. As fotos mostram uma Gaza bem diferente daquela que estamos habituados a ver na TV e nos jornais. A julgar pelas fotos, as favelas brasileiras são muito piores do que a Faixa de Gaza. Sendo assim, não seria mais apropriado usar os milhões de doláres que o governo brasileiro tem doado aos palestinos em obras capazes de levar um pouco de dignidade para os moradores das nossas favelas?

Após o incidente envolvendo o navio Navi Marmara e as IDF (Israeli Defense Force), o mundo tem olhado com maus olhos para o bloqueio que os israelenses impõe aos moradores da Faixa de Gaza. Decerto, a decisão de impor um bloqueio aos palestinos não foi tomada ao acaso, mas os jornais do Brasil e do mundo estão pouco se lixando para isso. Segundo Leslie Gelb, ex-presidente do Conselho de Relações Exteriores (CFR), o bloqueio não só é perfeitamente racional, como também é perfeitamente legal. Gaza, sob o Hamas, é um inimigo autodeclarado de Israel - declaração apoiada em mais de 4 mil foguetes disparados contra território civil israelense.

Bloqueios semelhantes já foram usados em outras épocas por outros países. Como os EUA, por exemplo, que no auge da Segunda Guerra Mundial, bloqueou a Alemanha e o Japão como parte de uma estratégia de defesa. Com o bloqueio, os israelenses pretendiam desestabilizar o governo do Hamas e devolver o poder ao presidente Mahmoud Abbas, do Fatah. Mas as coisas não correram conforme o esperado. O cerco israelense e as sanções impostas pelo mundo ocidental paralisaram a economia e aumentaram consideravelmente as tensões políticas entre o Hamas e o Fatah, que deveriam formar um governo de coalização. Em junho de 2007, o Hamas acusou as forças do Fatah de estarem planejando um golpe, fazendo com que Abbas dissolvesse o governo.

Prevendo um conflito entre as duas facções, os EUA e o Egito treinaram e armaram uma boa parte dos membros do Fatah. O conflito ocorreu conforme o esperado, mas o resultado ficou muito aquém do desejado pelos americanos e egípcios. Após a batalha, o Hamas o governo da Faixa de Gaza, enquanto o Fatah retomou o controle da Cisjordânia. O presidente palestino, Mahmud Abbas, expulsou da Cisjordânia os eleitos partidários do Hamas e reforçou a Autoridade Palestina com a ajuda de Israel e dos países ocidentais.Como o Hamas é visto por quase todo o mundo civilizado como um grupo terrorista, as negociações ficaram restritas ao Fatah, de Mahmoud Abbas.

Assim, Israel fechou todos os postos que faziam fronteira com a Faixa de Gaza e impôs o bloqueio ao território palestino, proibindo todas tipo de exportações. Os críticos argumentam que não é humanamente aceitável que a população de um país seja deixada a mercê de outro que não tem nenhum compromisso com os direitos humanos, mas isso não é verdade.

Mesmo hoje, com o bloqueio em vigor, Israel investe recursos doados por diversas organizações e países além de usar recursos oriundos dos impostos que são cobrados dos seus cidadãos na melhoria da qualidade de vida do povo palestino. As fotos que vocês verão entre um dado e outro foram feitas na faixa de Gaza nos últimos meses e mostra uma população bem servida dos gêneros básicos que lhes permitiria levar uma vida de primeiro mundo. Se isso não acontece é porque as suas lideranças, tendo à frente o Hamas.

Não há, em nenhum lugar do mundo, um bloqueio que impeça a passagem de comboios transportando ajuda humanitária. Portanto, é mentira que os israelenses tenham investido contra os navios para saquear a sua carga e sequestrar os seus tripulantes. Por que razão o governo que abriu um canal para a transferência de produtos alimentares perecíveis e demais necessidades básicas em Gaza, se envolveria em um imbróglio como aquele? Ora, nenhuma!

É importante salientar que o canal aberto pelo governo israelense é usado por organizações internacionais reconhecidas, incluindo a ONU e a Cruz Vermelha. Só nos últimos 18 meses, mais de um milhão de toneladas de suprimentos entraram em Gaza vindas de Israel. Isso totaliza quase UMA TONELADA de doações destinadas a atender as demandas dos homens, mulheres e crianças residentes na Faixa de Gaza. São transferidos ainda fertilizantes orgânicos (inadequados para o uso no preparo de explosivos) e suprimentos que podem ser desenvolvidos lá mesmo, tais como sementes, ovos para reprodução, abelhas e equipamentos para a produção de flores ornamentais.

Claro, nada disso é mostrado pela imprensa que na maioria absoluta das vezes, só está interessada em demonizar Israel.

No primeiro trimestre de 2010 (janeiro-março), foram transferidos para Gaza nada menos que 94 500 toneladas de suprimentos em 3.676 caminhões. Além destes suprimentos, entraram em Gaza 48.000 toneladas de alimentos industrializados, 40 mil toneladas de trigo, 2.760 toneladas de arroz, 1.987 toneladas de roupas e calçados e 553 toneladas de leite em pó e comida para bebês. Durante a semana, normalmente, as IDF coordenam a transferência de centenas de caminhões que carregam, em média, 15 mil toneladas de suprimentos.

Israel também tem mantido um canal destinado a transferência de pacientes para fora de Gaza. Por meio deste canal, aproximadamente 10.544 pacientes e seus companheiros deixaram a Faixa de Gaza para receber tratamento médico em Israel, somente em 2009. Além disso, aconteceram 382 retiradas de pacientes da Faixa de Gaza para serem tratados em hospitais israelenses, que dispõem de melhor infra-estrutura. Somente a organização médica Hadassah doa, por ano, três milhões de dólares em ajuda para o tratamento de palestinos que vivem em Israel.

Em 2009, foram introduzidos cerca de 4 mil toneladas de equipamentos médicos e medicamentos para hospitais e clínicas estabelecidas na Faixa de Gaza. E só no primeiro trimestre de 2010, Israel já mandou 152 caminhões de suprimentos médicos e equipamentos para Gaza. Isso para não falar na transferência de suprimentos médicos para pessoas com deficiência física, incluindo cadeiras de rodas, muletas e kits de primeiros socorros. Também foram fornecidos monitores cardíacos, tubos de alimentação para bebês, equipamentos odontológicos, livros médicos, ambulâncias de emergência, próteses e sacos de dormir para crianças.

Naturalmente, nem tudo são flores. O envie de ferro, por exemplo, é controlado porque no passado o Hamas costumava desviar este tipo de mercadoria para a construção de mísseis e bunkers. Graças a essa atitude, Israel hoje monitora os caminhões que transportam estes produtos e outros materiais de construção, como madeira e janelas. Acompanha, monitora, mas não deixa de enviar. Durante o primeiro trimestre de 2010, foram transferidos 23 toneladas de ferro e 25 toneladas de cimento para a Faixa de Gaza.

Em 13 de maio de 2010, Israel permitiu a entrada de aproximadamente 39 toneladas de material de construção em Gaza para ajudar na reconstrução de um hospital danificado. O material foi usado na restauração do Hospital Al Quds, mas a transferência só foi feita depois de receber garantias de organizações francesas que asseguraram eles não seriam desviados para outros propósitos.

Findo o mito de que Israel mantêm os palestinos confinados em "campos de concentração" semelhantes aqueles em que Hitler confinava os judeus na Segunda Guerra Mundial, vamos tratar de uma outra acusação que é feita comumente ao governo israelense: de cortar a energia da Faixa de Gaza e deixar os seus habitantes às escuras.

Segundo um relatório da ONU de Maio de 2010, 120 megawatts do fornecimento de eletricidade para a Faixa de Gaza vem da rede elétrica de Israel. Isso corresponde a 70% de toda energia consumida na região. Os 30% restantes vêm do Egito e de uma estação de energia instalada na Cidade de Gaza. Desde janeiro de 2010 vem acontecendo uma queda no fornecimento de energia para os habitantes da Faixa de Gaza, porque o Hamas não está disposto a obter o combustível para a sua Central Elétrica.

Como Israel facilita a transferência de combustíveis na fronteira, se a central Elétrica da Cidade de Gaza não vem recebendo suprimentos suficientes para se manter ativa, este fato se deve à negligência do Hamas e não aos supostos boicotes de Israel. Nos últimos 18 meses, mais de 133 milhões de litros de combustível entraram em Gaza a partir de Israel. E ao longo de 2009, Israel transferiu 41 caminhões com equipamentos para a manutenção da rede elétrica de Gaza. Ainda assim, Gaza convive quase que diariamente com os apagões e os danos nos eletrodomésticos dos seus moradores já se tornaram frequentes.

Mesmo com todos esses dissabores, a expectativa de vida esperada na Faixa de Gaza (2010) é 73 anos. Uma taxa melhor do que a de países como Estônia, Malásia, Jamaica e Bulgária. O paradoxo entre esses dados e os argumentos dos críticos que tentam pintar os israelenses como colonos cruéis se torna ainda mais evidente quando analisamos a taxa de mortalidade infantil em Gaza: 17,71 para cada 1000 nascimentos; índice acima da China, Jordânia, Líbano e Tailândia.

Os críticos têm que explicar como a taxa de fertilidade de um povo que supostamente é vítima de um genocídio, pode ser igual à de países Africanos, como Ruanda e Senegal. Claro, isso não é exatamente fácil de se explicar, mas que eles têm que tentar... Ah, isso eles têm!

*As duas fotos que ilustram esse texto foram extraídas do site: http://www.paltoday.ps/arabic/News-64161.html

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10 de junho de 2010

Religião? O verdadeiro ópio das massas é o futebol


A Copa do Mundo começou hoje, exatamente no dia em que o senado aprovou a Emenda Ibsen e o STF se reuniu para decidir se o Ficha Limpa valerá ou não no pleito de outubro. Naturalmente, nenhum desses temas foi tratado com a devida vênia pelos nossos jornalistas, que estão ocupados com a cobertura do mundial de futebol. Toda essa comoção já era esperada, pois é a primeira vez que o continente africano sedia um evento desse porte. Ainda assim, fico estarrecido quando vejo o povo brasileiro saindo de casa para torcer pela seleção ao mesmo tempo em que alguns dos assuntos mais importantes do nosso país são decididos à surdina.

Na Roma antiga a política do Pão e Circo arrebatava almas e quietava as mentes sedentas de justiça. Em nosso país a Copa do Mundo exerce um efeito semelhante sobre a população, com o agravante de que aqui não há ninguém sedento de justiça. Troque Júlio por Luiz, César por Fernando, imperadores por usurpadores e o que temos é o Brasil. É a comprovação cabal de que a história realmente se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.

De quatro em quatro anos o brasileiro é acometido de uma súbita febre ufanista que o leva a crer que o seu país é o melhor e o mais merecedor de todo o mundo. Na década de 70, o presidente Médici se aproveitou desse surto e usou a Copa para fins estritamente propagandísticos. Quem não se lembra do hino "Pra Frente Brasil" (usado até os dias de hoje)? Noventa milhões em ação, pra frente brasil, salve a seleção...

Essa é, sem dúvida, uma época inglória em que as obras de literatos ufanistas como José de Alencar e Gonçalves Dias encontram amplo apoio junto aos meios de comunicação. Tem sempre alguém disposto a se jactar por ser brasileiro. Tem sempre alguém disposto a ser o Policarpo Quaresma do século XXI. Nesses dias, queixar-se das mazélas que afligem o nosso país é um pecado de lesa-humanidade, pois não há um único cidadão brasileiro [sic] que não esteja disposto a por os dissabores de lado para torcer pela seleção.

Mas o que fazer quando essa febre não lhe contagia? Eu, por exemplo, tenho horror de tudo aquilo que para os estrangeiros é sinônimo de charme e exotismo. Costumo fugir do carnaval e do futebol, do samba e da miséria, da indigência mental e da corrupção. De fato, adoraria tirar umas férias desse país subdesenvolvido para ir viver em um território onde o homem sofre com os problemas da condição humana e não com os da condição animal.

Reparem na forma como o povo se agarra a símbolos como a camisa canarinho, enquanto morre de fome. Tenho calafrios todas as vezes que aqueles pobres diabos sorriem felizes e desdentados quando a nossa seleção vence as outras. Você acha que a realidade não é assim tão tétrica quanto eu pinto? Então olhe ao seu redor e veja o luxo, o requinte, a ostentação das mansões que mais parecem ilhas de sonhos em meio a um mar de pesadelos. O brasil talvez seja o único lugar do mundo onde existem cronistas sociais que acendem charutos com notas de cem dólares enquanto homens maltrapilhos catam restos podres para comer.

Por essas e outras eu abomino o Brasil do futebol e tudo aquilo que ele representa. Não faço parte do contingente de míseraveis que solta fogos ao término de cada jogo, enquanto os filhos brincam com os calcanhares sujos de lama. Não faço parte do contingente de miseráveis que assiste impassível ao fechamento de hospitais, delegacias, bancos, supermercados, farmácias, e escolas. Definitivamente eu não preciso de fugas, pois me considero capaz de enfrentar de peito aberto as idiossíncrasias do meu país.

Mas então, você não gosta de futebol? Gosto do esporte, mas repudio veementemente aquilo que ele representa. Provavelmente tenho o mesmo apreço pela arte do gramado que o nosso saldoso Nelson Rodrigues. Provavelmente a única diferença entre nós dois é que por temperamento e experiência, tenho mais simpatia pelas idéias "magras e severas" do que pela exuberância carnavalesca. Para mim, o excesso de entusiasmo, o frenesi juvenil, o nervosismo encantado... Tudo isso costuma ser um atalho muito eficiente para o desastre.

Estou convencido de que as idéias "magras e severas" compõem com mais propriedade a coreografia ascética do conservadorismo, ao passo que os fascismos são sempre muito "emocionados". Talvez seja por isso que vejo com maus olhos as inúmeras campanhas dedicadas a Copa do Mundo que apelam para o sentimentalismo dos brasileiros. Esse exceço de emoção, de empatia, acaba criando uma espécie de simbíose entre o povo brasileiro e a sua seleção. Para onde quer que você vá, a "praga" segue colada as suas costas.

Há alguns anos um amigo viajante me confidenciou, com um profundo ar de pesar, que não importa para onde se vá, o estigma de ter nascido no país do futebol irá com você. No aeroporto de Tripoli, um guarda de fronteira, mal viu o seu passaporte, abriu em um sorriso afável e disse: "Pelê". Em Berlim, o funcionário da alfandega olhou um minuto para sua foto e mais um minuto para o seu rosto (e aí você vê quanto custa a passar um minuto), em seguida abriu um largo sorriso e disse: "Pelê". Em Eilat, cidade litorânea de Israel, ele sentiu nos olhos de um funcionário embuçado um brilho alegre ao ver que o seu passaporte era do país de Pelé.

E assim, todos os esforços do Brasil para constituir-se como nação e ter uma identidade cultural própria, se desmancham no ar. Em apenas alguns segundos, toda a história nacional, todas as instituições brasileiras, são resumidas em uma singela palavra de quatro letras.

Há esta altura, alguns de vocês devem estar convencidos de que eu abomino o futebol e que aquela história de nutrir o mesmo apreço que Nelson Rodrigues pelo esporte não passava de uma aleivosia. Ora, não é bem assim! Considero o futebol um esporte muito plástico, bonito, inteligente e excitante. O que abomino, repito, é o fanatismo. Mais que o fanatismo, abomino esta mania tupiniquim de associar o futebol à nação.

Já não se pode ir a um restaurante sem ter de suportar os patrioteiros berrando a cada gol. O verde e amarelo torna-se emético. Pessoas aparentemente inteligentes viram de repente brutos fanatizados. Sequer é preciso que o Brasil esteja em campo. Qualquer jogo é aquecimento para o dia em que a pátria entrar de chuteiras no gramado. E ai de você se pedir a um garçom para baixar o volume da TV. Passará por inimigo da nação e correrá o risco de ser posto para fora do restaurante a ponta-pés.

Dentro de poucos dias, essa símbiose atingirá o seu apice e cada vitória do Brasil passará a ser vista como uma vitória do governo no poder, seja lá qual governo for. Foi assim nos tempos de Médici e continua a ser assim nos tempos de Lula. É como se o presidente e seus ministros tivessem disputado, ombro a ombro, cada centimetro daquele gramado. É como se o presidente e os seus ministros tivessem vestido, eles próprios, a camisa amarela da qual tanto nos orgulhamos.

Cientes do vício deste povinho infame, os governantes se apressam em associar a sua imagem à seleção. A Copa passa a ser um fator eleitoral. Nestes dias, ninguém mais lembrará que o PT montou a mais vasta quadrilha de toda a história do país, que o presidente acha algo perfeitamente normal o caixa dois e não vê nada de mal no tráfico de influência e na fabricação de dossiês. Ninguém mais lembrará da derrota vergonhosa que os norte americanos infligiram ao Itamaraty no mais recente episódio envolvendo o programa nuclear iraniano e tão pouco daram atenção as noticias falando sobre o Ficha Limpa e a Emenda Ibsen. Tudo será apagado da memória nacional como num passe de mágica.

Depois da copa, começa-se de zero. Pior é o espetáculo da imprensa. Jornalistas, que por questão de ofício deveriam ser profissionais lúcidos, transformam-se em palhaços abobalhados que só repetem lugares comuns e frases vazias. Passamos a viver em pleno império das nulidades. Os jornais passam a dedicar cadernos inteiros à crônica do nada. Rádio e televisão passarão a ministrar, dia-após-dia, doses colossais de anestésicos. Na falta de assunto, criam-se tragédias em torno às bolhas no pé de uma vedete qualquer à lesão no menisco de outro analfabeto.

Por isso, sejamos mais coerentes com as reais necessidades do nosso país e permaneçamos atentos as manobras desavergonhadas deste nosso DESgoverno. Você quer torcer pelo Brasil? Torça, mas quando estiver diante da sua televisão gritando "pra frente, Brasil", preste atenção ao eco: "Eleições 2010".

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