29 de abril de 2010

Sobre certas certezas

Está cada vez mais comum ver certas discussões, na internet ou na vida off-line, que acabam produzindo dicotomias entre simpatizantes de ideologias opostas. De repente, tudo se torna preto ou branco, sem que haja espaço para o cinza; você é 8 ou 80, esclarecido ou alienado, "petralha" ou "tucanalha". Cada lado defende suas posições com uma agressividade típica de torcidas organizadas, e o resultado se torna deprimente. Esse processo de amesquinhamento intelectual faz com que os debates se transformem em verdadeiras rinhas e demonstra o quadro lamentável em que se encontram os pensadores do nosso país.

A cada dia que passa, vejo mais e mais pessoas que só querem saber de ler textos que reiteram suas opiniões, ignorando solenemente tudo que entra em conflito com as suas convicções pessoais. Tudo em nome da liberdade, que não suportam, e da verdade, que ignoram. Sartre, por exemplo, fingiu não ter tomado conhecimento dos crimes hediondos de Stálin (talvez mais numerosos e mais atrozes que os de Hitler) para poupar o operariado francês de "entrar em desespero". É provavel que outros horrores, como os fuzilamentos em Cuba ou os massacre nas ruas de Ruanda, tenham ocorrido devido a nossa incapacidade em perceber e interpretar a realidade.

Talvez, o maior exemplo da cegueira voluntária que nos acomete sejam as discussões em torno da Revolução Cubana. Não existe o menor resquício de democracia nesses debates, porque os interlocutores não garantem ao outro o direito de discordar. O mesmo acontece com os textos sobre o assunto, alguns vêem Fidel como o diabo encarnado e outros o vêem como um anjo de candura. Graças a esse pensamento estúpido, está cada vez mais difícil encontrar textos como este, de Idelber Avelar:
"Cuba se transformou numa espécie de espelho distorcido onde cada um projeta uma visão que já traz de antemão. Amigos de esquerda viajam à ilha e voltam com relatos acerca de um povo muito orgulhoso do que fez. Mas também não dá para negar uma outra realidade: a da quase prostituição das relações pessoais com estrangeiros e a dura vida dos presos políticos. Aí eu não posso deixar de lamentar que as pessoas dedicadas a defender a Revolução Cubana - causa mui legítima - simplesmente não mencionem o fato. Vira uma ladainha: os defensores mencionam educação e saúde; os detratores mencionam a falta de imprensa livre e os presos políticos. Ambos têm razão, mas vão perdendo na medida em que se recusam a olhar a coisa por outros ângulos".
Escrevi este preâmbulo para falar da mais notória blogueira cubana: Yoani Sánchez. Formada em Letras e cansada de seu país, Yoani emigrou para a Suíça, em 2002. Em 2004 retornou ao farol socialista da América Latina, fundou a revista digital "Consenso" e criou o blog Generacion Y. Casada com Reinaldo Escobar, a blogueira faz uma especie de autópsia da revolução de 1959 e diz que seus posts, hidratados de humor, constituem uma "terapia pessoal para espantar o medo". Em seus textos, Yoani mostra que é uma observadora atenta da realidade que a cerca. E não me refiro apenas ao que Sanchez chama de "utopia imposta". Cito, por exemplo, um trecho em que ela fala, com viés otimista, da juventude de seu país.
"Esses jovens que vejo hoje, ensimesmados nos seus MP3 e com a calça abaixo da cintura, anseiam - como nós já ansiamos - pelo momento de estar 'no comando da casa' e trocar os móveis, renovar a pintura e convidar os amigos. Eles têm a mesma aversão ao que é herdado e o mesmo deleite com o proibido que todos que já passamos por essa idade também tivemos. Gosto da maneira como fazem de conta que nada lhes interessa, quando na realidade aguardam o momento de tomar o microfone, brandir a caneta, levantar o indicador. O hedonismo os salva da entrega incondicional e certo toque de frivolidade os protege contra a sobriedade das ideologias".
Apesar do sucesso do blog Genercaion Y, volta e meia surgem pessoas lhe acusando de ser patrocinada pelo governo americano. É bom que se diga que até hoje ninguém apresentou uma única prova de que a blogueira esteja a serviço da CIA ou de qualquer outra agência americana. Ao que tudo indica, os boatos são apenas isso... Boatos! Na maioria absoluta das vezes, os rumores acerca da idoneidade de Yoani são ecos da voz de Fidel Castro, que afirma que ela vive num "confortável apartamento", com direito a serviço de internet banda larga e tudo. Uma realidade bem diferente daquela que os jornalistas e documentaristas que a visitaram descreveram, ao regressar aos seus países de origem. Aliás, os cineastas Peppe Siffredi e Raphael Bottino foram a Cuba, filmar o documentário "O último discurso" e disseram que ela vive num conjunto popular e usa a internet em hotéis, pagando por isso ou disfarçando-se de turista.

Infelizmente, os depoimentos de intelectuais e artistas que regressaram recentemente de Cuba não são suficientes para afastar a má-impressão criada pelos boatos e insinuações sobre a vida e a obra de Yoani Sanchez. Recentemente, o Global Voices Online públicou um artigo sobre a blogueira que acabou se tornando tema de um debate na CNN. O nosso "estimado" Frei Betto, também já deu o seu pitaco através de um artigo intitulado "A blogueira Yoani e suas contradições" (aliás, sobre esse texto, recomendo a leitura do post "Frei Betto, Yoani Sanchéz e o Copyright", de Leandro Beguoci). Podemos dizer que o número de pessoas que contestam Yoani, aumenta na mesma medida que a sua popularidade (a blogueira foi considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo e recebeu prêmios como o Ortega y Gasset de jornalismo e o The BOBs de melhor blog de 2008).

Não me surpreende que seja assim. Jornalistas, de um modo geral, raramente entendem a situação política de Cuba e mesmo os repórteres mais experimentados têm dificuldade para explicar o regime totalitário criado pelos Castro.

Para desfazer a má-impressão que paira sobre o nome de Yoani, não há nada mais apropriado do que conhecer o seu trabalho. Seja por meio de um vídeo como o que foi produzido pela trupe do Garapa.org; seja pela entrevista realizada por André Deak ou mesmo de um programa de TV como o "Milênio", da Globonews. Também recomendo a leitura do livro "De Cuba Com Carinho", publicado pela Editora Contexto.

Quero deixar claro que não tenho a intenção de beatificar a blogueira, mas sim de instigar os leitores desse blog a refletir se as questões apontadas por ela são ou não pertinentes. É evidente que aqueles que sofrem nas masmorras, que lutam para derrubar o Muro del Malecón, são tão importantes quanto ela. Mas devemos dar um destaque especial aquela que é, provavelmente, a voz mais importante do povo cubano nos dias de hoje. Disponham-se a ler os seus textos e nunca, sob hipótese nenhuma, emitam julgamentos apressados e repletos de certezas inexpugnáveis.
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28 de abril de 2010

Lula, "the gardener"

Qualquer cidadão brasileiro, eleitor do PT ou não, conhece o apreço do nosso presidente pelas metáforas futebolísticas. Não acho que seja exagero afirmar que Lula vê o mundo a partir do futebol, pois suas metáforas quase sempre são inspiradas por este esporte. Esse hábito, pouco ou nada lisonjeiro, acabou fazendo com que eu me lembrasse do filme Muito Além do Jardim (inspirado no romance O Vidiota, de Jerzy Kosinski).

Chance (Peter Sellers) é um homem ingênuo que passa toda a sua vida cuidando de um jardim e assistindo televisão, seu único contato com o mundo exterior. Ele nunca entrou em um carro, não sabe ler ou escrever, não tem carteira de identidade, resumindo: ele não existe oficialmente. Quando seu patrão morre, ele é obrigado a deixar a casa em que sempre viveu e, acidentalmente, é atropelado pelo automóvel de Benjamin Rand (Melvyn Douglas), um grande magnata que se torna seu amigo e chega a apresentá-lo ao Presidente (Jack Warden). Quando Chance volta a si, as pessoas lhe perguntam qual é o seu nome e então ele responde: "Chance, o jardineiro". Atônitos com o que acabara de acontecer, eles confundem a palavra "gardener" com "gardner" e passam a achar que Chance é na verdade um homem muito sábio.

Daí em diante, ele é levado para a casa de Benjamin Rand e apresentado ao círculo de amigos do seu anfitrião. Em pouco tempo, Eve, a esposa de Rand, se apaixona pelo suposto Chance Gardner sem saber quem ele realmente é. O jardineiro com pinta de filósofo encanta a todos e chega, inclusive, a ser cotado para o cargo de presidente, pois seus novos amigos estão convencidos de que é preciso ter alguém com o "perfil" dele na política americana.

E qual é o segredo de Chance? Assim como Lula, o nosso presidente, Chance recorre as metaforas até mesmo para explicar o óbvio. Ele usa a sua especialidade, a jardinagem, para explicar tudo que não entende e sempre deixa a conclusão das suas sentenças a cargo dos seus ouvintes. Se alguém lhe pergunta como enfrentar o perigo soviético, ele responde: "Num jardim, as ervas daninhas tem que ser contidas antes que tomem conta de todo o canteiro". E os presentes, com aquele olhar basbaque, concluem: "Ohhh, isso quer dizer que..."

E as semalhanças não param por aí! Quando uma jornalista pergunta a Chance "que jornais você lê?", ele responde dizendo "eu não leio jornais". O carisma de Chance é tão grande que, ao invés de demonstrar espanto com a resposta, a repórter anuncia para a câmera: "Muitos homens não leêm jornal algum, mas apenas um teve coragem de admitir".

Óbviamente, Lula não é idiota como Chance, "the gardener". Ele é capaz, por exemplo, de entender a política em toda sua complexidade. Na realidade, o presidente e o jardineiro só se parecem nos métodos que utilizam para seduzir a sua audiência. Lula está sempre reduzindo tudo a uma simples partida de futebol: da ditadura iraniana ao confronto eleitoral de 2010, tudo se explica pelo futebol.

Na ficção, Chance quebrou a cara (acabou sendo descoberto porque a sua mesmisse o traiu), mas na realidade brasileira... Chance se tornou presidente e continuou a ser aquele sujeito admirado que sempre - ou quase sempre - foi.

26 de abril de 2010

Quando o novo é cada vez mais velho

Existem momentos na história brasileira que jamais deveria deixar de ser ser analisados. São lacunas em nossa visão-de-mundo que ainda não percebemos e, quando isso acontecer, tenho a impressão de que será tarde demais. Para muitos, nossa história pára em 1964, quiçá em 1968. Desta data em diante não sabemos de mais nada; e conta-se nos dedos quantos estudiosos resolveram fazer uma (boa) análise do período dos nossos últimos vinte anos – no caso, de 1989 até o presente momento.

A literatura pode suprir esta lacuna – não por ser um reflexo de anseios sociais, como supõem os acadêmicos calcados em seu padrão marxista, mas sim por ser a radiografia de crises muito mais profundas, crises que realmente importam ao indivíduo, crises que atingem as nossas perturbações mais sérias.

A tristeza é que, aparentemente, nem sequer tivemos essa literatura. Durante os últimos vinte anos, ficamos atrasados em relação a tudo o que importa no mundo das letras. Enquanto a França apresentava ao mundo um Jonathan Littell, com seu As Benevolentes, o consumado exemplo do escritor de talento globetrotter, nós resolvemos criar a Geração 90 e embarcar na onda de que escrever sobre favelados, prostitutas, jovens que escrevem em blogues, era tudo o que a literatura deveria ser. Enquanto Portugal apresentava ao mundo nomes como Antonio Lobo Antunes e José Cardoso Pires, nós alçávamos José Saramago as alturas. Da América Latina é melhor nem comentar; colocamos as inquietações de um Vargas Llosa à serviço de um Garcia Márquez e sequer nos preocupamos em saber o que acontece na Argentina, no Chile e outros países que consideramos como vizinhos. Enquanto a Itália tinha um Claudio Magris, nós nos encantávamos com Miltom Hatoum; enquanto os EUA têm um Thomas Pynchon, um Don DeLillo, um David Foster Wallace, um Russell Banks, preferimos paparicar Chico Buarque. Aliás, esse texto é sobre ele e seu mais recente livro, Leite Derramado.

O livro não é nenhuma obra-prima. É um texto mediano. Torna-se um acontecimento cultural no país simplesmente por ter sido escrito por Chico Buarque, que é praticamente uma unanimidade nos meios acadêmicos. Meios onde impera um corporativismo desbragado. Vale a pena, portanto, comentar não só o livro como também as críticas que lhe saíram na imprensa.

Leite Derramado é um dos poucos livros que se presta a inglória tarefa de contar uma história relendo o passado (da década de 60 até os nossos dias). Digo "inglória", porque nas últimas décadas a literatura nacional foi reduzida a frangalhos e Leite Derramado não conseguiu ser a exceção. A falta de humor dos nossos escritores chega às raias do insuportável. Não me refiro aquele tipo de humor que provoca o riso solto, istriônico. Mas sim aquele que nos faz pensar a partir de um certo absurdo da condição humana. Não precisa nem rir; basta ver as coisas pelo avesso. Infelizmente, como diria Paulo Francis, "a ironia é uma especia de segredo na pátria amada" e o último livro de Chico Buarque corroborou essa sentença.

Leite Derramado pretende ou pretendia, não sei, traçar um panorama da história social do Brasil a partir do discurso de um decadente representante das nossas elites que, centenário e moribundo, teria ditado as suas memórias para uma enfermeira do hospital onde se encontrava. O personagem narrador é uma especie de caricatura do burguês aristocrata brasileiro. Pelos cacoetes pretensiosos e autoritários do seu discurso, vão se revelando as mazelas da elite [sic] e das classes dominadas, exploradas.

A passagem que melhor descreve essa situação é a que narra o desejo que o protagonista, Eulálio d'Assumpção, sente por Balbino, "um preto meio roliço", filho de um criado da família e que foi seu amigo de infância. Sobre ele, relata Eulálio, no capítulo 4:

"Durante um período, para você ter uma idéia, encasquetei que precisava enrabar o Balbino. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo é que já conhecia mulher, inclusive as francesas. Não tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Balbino. [...] Só me faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradição senhorial, direito de primícias, ponderações tão acima do seu entendimento, que ele já cederia sem delongas".

Ora, a imagem do rico querendo literalmente – desculpem – foder o pobre, fala por si só. Felizmente, o livro não chegou a realizar o seu objetivo e algumas referências se perderam para sempre na história literária do nosso Brasil. Vejam, por exemplo, o nome do protagonista, a que o apóstrofe e o pê mudo devem atribuir distinção, antiguidade e nobreza: Eulálio d'Assumpção. Trata-se de um estereótipo precoceituoso da elite da qual o próprio Chico faz parte. É uma caricatura extraída dos velhos manuais de historiografia e sociologia marxista, escritos pelo pai do autor, por Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes. Nada acrescenta a elas, além da linguagem da ficção, mas se trata de uma ficção que não ilumina nenhum aspecto da realidade.

Não estou querendo dizer que as nossas elites não merecem críticas e caricaturas. Merecem sim, sem dúvida nenhuma! Mas que sejam críticas e caricaturas capazes de lançar alguma luz sobre a alma desse país. É possível ser marxista e fazer uma literatura analítica e penetrante, sem recorrer a clichês sociológicos. Estão aí São Bernardo e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, como evidência disso.

Além da falta de brilho, há uma óbvia e rídicula pretensão machadiana no texto de Chico Buarque. Chico foi tolo e presunçoso ao se pretender um Machado de Assis, pois em matéria de estilo, sua linguagem não consegue atingir a graça e a elegância do autor de Dom Casmurro. E se Matilde, a amada do narrador de Leite Derramado, tem um quê de Capitu e sua relação com Eulálio é análoga à daquela com Bentinho, não há nisso mais do que uma justa homenagem ao bruxo do Cosme Velho. No mais, Chico, por causa de sua sociologia barata, está mais para nossos naturalistas menores, como Adolfo Caminha e Júlio Ribeiro, pois assim como eles é esquemático e determinista.

Agora, vale a pena rever algumas críticas feitas na ocasião do lançamento do livro.

Comecemos por Roberto Schwarz. O autor de As idéias fora do lugar, tem, como se sabe, as idéias fora do tempo... É um frankfurtiano ortodoxo, que muito se orgulha dessa condição. Nem por isso deixa de ser um erudito e, portanto, é impossível que leve o romance de Chico a sério. Quando diz, logo no início de sua resenha, que Leite derramado é "divertido", faz do seu julgamento um valor definitivo.

Suas últimas palavras qualificam o romance como uma "soberba lufada de ar fresco" no panorama literário brasileiro de hoje. Ora, trata-se de um meio elogio, no caso um discípulo de Benjamin e Adorno, como Schwarz, para quem a obra de arte deve ser muito mais do que mera diversão. E um meio elogio que só é feito por corporativismo esquerdista, pois o deleite do crítico está no fato de os Assumpção irem, como ele diz, "cumprindo o seu papel de classe dominante, europeizadíssimos e fazendo tudo fora da lei".

Quanto às críticas de Augusto Massi e de Samuel Titan Jr., ambos da USP, diga-se que elas não têm o mínimo compromisso de ajudar o leitor aprofundar-se na compreensão do romance, compromisso sem o qual a crítica literária não serve para nada. Os dois fazem elucubrações vagamente elogiosas que mais visam a exibir a sensibilidade intelectual e a capacidade de raciocínio deles mesmos do que a abordar seu objeto de análise.

Massi ainda tem o desplante de terminar seu ensaio com um trocadilho alusivo ao título da obra do pai do autor: "Ao revirar pelo avesso ideologias entranhadas fundamente em nossos hábitos cotidianos, talvez ele [Chico] avance rumo às raízes do Brasil". É uma brincadeirinha cretina que fica no mesmo nível da do redator da Ilustrada, que chamou Chico Buarque de "o bruxo do Leblon", multiplicando por dez a distância que separa este daquele outro bruxo que habitava o bairro do Cosme Velho...

Enfim, das críticas que li, prefiro a de Eduardo Gianetti da Fonseca, que dá conta de fazer uma síntese bem feita do romance e de elogiá-lo com mais economia. Gianetti destaca as "soluções felizes de linguagem espalhadas como dádivas pelo texto". Mas deixa clara a falta "de ao menos um personagem com o qual se possa ter um vínculo de empatia. Os Eulálios senhoriais são calhordas; os Balbinos da estirpe servil [...] e Matilde não tem vida interior". E arremata com precisão: "A sociologia festeja, mas a filosofia rasteja". É isso mesmo! Nas histórias elaboradas dentro da estética marxista, a sociologia festeja e a filosofia rasteja.
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25 de abril de 2010

Gran Torino: a grande obra de Clint Eastwood

Esqueçam Godard. Esqueçam Manuel de Oliveira. Até abro uma brecha para Paul Thomas Anderson, David Fincher, Michael Mann e Philippe Garrel. Mas não tenho dúvidas: Clint Eastwood é o maior diretor vivo!

Acabo de assistir Gran Torino, uma obra de arte do cinema contemporâneo, e achei que seria interessante compartilhar a experiência com os meus leitores. Pois bem! Esqueçam tudo que vocês aprenderam sobre o papel socio-político das artes, pois Gran Torino não é um filme sobre choque de culturas, política de imigração, racismo, xenofobia ou intolerância. Também não é um filme sobre as maravilhas do multiculturalismo. Trata-se do retrato de um um homem que tenta sobreviver sob os escombros de algo cuja compreensão lhe escapa.

Eastwood encarna a figura do velho Walt Kowalski, um veterano da guerra da Coréia, traumatizado e arrependido. Ele é proprietário de um ainda reluzente Gran Torino, de 1972, carro da Ford, uma das montadoras americanas que já foram expressão da opulência do país e que hoje são o retrato de sua crise.

Como diretor, Eastwood brinca com o espectador dentro dos moldes de uma simplicidade enganosa. Há clichês, caricaturas, auto-referencias (a homenagem a Dirty Harry é evidente), pistas falsas – mas há também espaço para cenas admiráveis e com aquele humanismo que só Eastwood é capaz de fazer quando retrata um relacionamento. No início, a rabugice do protagonista faz com que o filme se assemelhe a uma comédia; no final, temos uma tragédia.

A história começa com a morte da esposa de Walt e ilustra o cotidiano de um homem viúvo e solitário, com filhos caricatos que não se assemelham minimamente com ele. Walt não suporta o mundo como ele realmente é e tem absoluta convicção de que as grandes virtudes da humanidade se perderam para sempre. Irascível, ele quer apenas que o deixem em paz, que não pisem em seu gramado e que não o tratem com uma intimidade forçada e dissimulada. Ocorre que seu bairro, a exemplo da América, também mudou (empobreceu e foi tomado por imigrantes) e Walt passou a assistir impassível a uma "invasão" de asiáticos , com seus costumes estranhos. Até o dia em que uma família da etnia Hmong, originária do Laos, se torna sua vizinha.

A violência é o desrespeito as leis se tornam constântes e os membros das gangues acabam se tornando habitues das ruas do bairro. Certo dia uma gangue hmong impõe ao filho mais velho dos vizinhos de Walt, uma tarefa: roubar o Gran Torino do último homem branco do local. O roubo é frustrado graças a pronta intervenção de Walt e aquela gente estranha passa, então, a fazer parte de sua vida. Daí em diante, o velho decide enfrentar a gangue e se transforma no herói da comunidade hmong.

Abstenho-me de comentar alguns grandes momentos de Gran Torino porque acabaria contando a história. Na verdade esse texto é sobre o filme de um republicano inteligente, que admite, sim, com extrema dureza, as várias crises que hoje se conjugam em seu país. De um lado, está o veterano da Coréia: rígido, disciplinado, inclinado a cuidar apenas da própria vida e, em política, fiel à idéia da "América para os americanos". Do outro, a fragmentação, as línguas estranhas, as gangues, os carros japoneses, o amoralismo… Se os imigrantes são os "bárbaros", com os seus exotismos, os naturais são os cínicos e decadentes americanos e a família de Walt ilustra como ninguém esse estado de coisas.

No poema À Espera dos Bárbaros, de Constantino Kaváfis, os romanos, com o seu império em frangalhos, esperam a chegada de povos estranhos e enquanto isso não acontece, ninguém se ocupa mais de nada. Afinal, "os bárbaros estão chegando". Ocorre que o tempo passa, e eles não vêm:

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

Será que Eastwood compreendeu, finalmente, as virtudes do multiculturalismo e, como querem alguns, resolveu purgar, ele também, republicano notório, os erros dos EUA? Será que Eastwood compreendeu, finalmente, que os tais valores americanos são tão ultrapassados, embora reluzentes, como o seu Gran Torino?

Pois é… Nada disso! Eastwood não canta as glórias de povo nenhum. Tampouco sugere que os hmongs tenham lá grande contribuição a dar à América, embora se torne amigo da família. A resposta necessária, vocês verão, inclusive para proteger os direitos dos hmongs, sai da América mais profunda. Prestem atenção, nas cenas finais, ao close dado num isqueiro Zippo - uma espécie de símbolo dos soldados americanos na Segunda Guerra, na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã - a mensagem que aquele enquadramento nos transmite é muito clara: "Eastwood ainda acredita no poder civilizador da América".

Naturalmente, existem outras leituras de Gran Torino. Há quem diga que o filme se revela como uma obra profundamente pessimista, sombria e triste. Afinal, não é apenas sobre a morte de uma determinada América, representada na própria persona de Eastwood. É sobre a tragédia da velhice. É sobre o fato de que, quando você ficar velho, o que sobrou são pessoas com quem não tem nenhum parentesco, mas somente uma linha tênue de confiança – e olhe lá. Os que vêem a película dessa forma, não deixam de ter uma certa razão.

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22 de abril de 2010

Ainda temos um minuto e quarenta segundos! O que a gente faz agora? Quer cantar?

Como todos sabem, a propósta desse blog é falar sobre o processo de formação da cultura nacional, mas hoje vou abrir uma exceção e falar sobre o processo de DESconstrução da cultura nacional.

Estava eu aqui, como a Inês de Castro, de Camões, "posto em sossego", quando um amigo me enviou o video da entrevista que a candidata petista, Dilma Rousseff, concedeu ao Datena. Como sintetizar a entrevista? Acho que esta fala de Datena diz tudo: "Temos ainda um minuto e quarenta segundos. O que a gente faz? Quer cantar?" Como a petista não tinha mais nada a dizer, ensaiou: "El día que me quieras"... E soltou mais uns dois versos em "embromacíon", a versão em espanhol do "embromation".

Esse não foi o único momento constrangedor da cadidata. Houveram outros, daqueles que causam vergonha alheia. Faltando uns três minutos para o fim do programa, o apresentador mandou ver: "A senhora até agora não me deu a manchete. Diga alguma coisa pra ser manchete". E ela, com aquela sua descontração natural, emendou: "Achei a entrevista com você o máximo!".

Mas nem uma coisa nem outra foram o auge do constrangimento. Alguma coisa combinada nos bastidores não deu certo, e Dilma sofreu um apagão mental no meio da entrevista. Datena: "A senhora me falou que ia dizer uma coisa aqui pela primeira vez". Dilma arregalou os olhos, passou a olhar desesperadamente o vazio em busca de algum auxílio, enrolou palavras sem muito nexo até que achou a idéia luminosa: "Eu quero dizer que eu amo o meu país e que já é muita coisa ter chegado até aqui". E o apresentador um tanto surpreso com o comportamento basbaque dela: "Mas isso não quer dizer que já esteja bom". E Dilma: "Não! Lembro sempre a mãe do presidente, que falava: "Teime, Lula, teime!"

Gostaria de transcrever para que o referido episódio possa entrar para a história da DESconstrução da identidade cultural do brasileiro através do uso - ou melhor, estupro - da línguagem:

DILMA -
Olhe, eu queria dizer uma coisa assim… Eu acho que pra mim, tá?, esses anos que passei lá em Brasília, no governo federal, foi (sic) um momento especial na minha vida, Porque eu sou de uma geração que sempre quis transformar o Brasil, sempre queria um, um… país mais justo. E, aí, o que é que acontece? Acontece que a gente… Muita gente ficou pra trás. E, muitas vezes, né?, cê ficava pensando: "Mas será que, nessa etapa da minha vida, já pro…, já pra segunda metade, né?, eu vou ter essa oportunidade?" E eu quero te dizer o seguinte: eu me sinto muito feliz de ter chegado até aqui. Já sou muito grata por ter chegado até aqui. E, é…, uma coisa que fica muito dentro de mim, né?… Se ocê me perguntasse: "MAS O QUE É QUE OCÊ QUER DIZER MESMO COM ISSO? Eu quero dizer o seguinte: “Eu amo o meu país". E, já ter chegado aqui, para mim, foi uma grande conquista.

DATENA - Isso não quer dizer que já é o suficiente, né?

DILMA - Não! Porque a gente, qualquer um de nós, quem tá me escutando sabe disso, homens e mulheres, uma das melhores coisas da gente é que a gente não desiste nunca, né? Nós não desistimos. Como dizia a mãe do presidente pra ele: "Teime, Teime Lula". É isso que eu digo pra mim mesma: "Dilma, teime".

Se você leitor está acostumado a fortes emoções, assista ao vídeo abaixo:

Como se nota, a fala de Dilma vai se fragmentando e se perdendo em anacolutos, com parênteses dentro de parênteses, onde ela intercalava frases, metendo apostos em apostos… O raciocínio não era um novelo que se desenrolava, mas uma grande embromação. Depois de algum tempo, ninguém entendia mais nada (inclusive o Datena).

O que é isso? Efeito da marquetagem. É a equipe de campanha dizendo à candidata que ela tem de se mostrar mais humana, fazer um discurso menos tecnocrático, ser menos rígida, mostrar-se uma pessoa amorável, cordata, doce, próxima… Tudo aquilo que ela não é.

Por isso acabou estrelando esse momento patético, em que fica tentando arrancar palavras do vazio para provar a sua ternura, forçando um certo suspense emocionado que termina na frase estupenda: “EU AMO O MEU PAÍS”. Mais: sua resposta dá a entender que já chegou longe demais…

O alinhamento de Datena com Lula, o PT e Dilma é conhecido. Atuou, durante a entrevista, como um advogado entusiasmado do governismo e tradutor do que ela dizia. Mas o esforço, parece, não foi bem-sucedido. Queria algo que, afinal, fosse notícia nos sites e nos jornais. Aos cinco minutos (desse trecho), cobra:

DATENA - Me dá uma notícia que vai sair no jornal amanhã. A senhora não me deu nenhuma até agora.

E Dilma respondeu com aquela descontração natural: "A minha manchete é a seguinte: eu achei a entrevista com você o máximo!"

Dizer o quê. O petistíssimo apresentador, certamente sem querer, encerrou o programa com uma pergunta-emblema, aos 5min29s:

DATENA - Olha, é… Temos um minuto e quarenta, o que a gente poderia fazer? Dançar, eu não sei dançar; cantar um tango, eu não sei cantar. Eu acho que nós (sic) já esgotamos tudo que tinha de falar…

DILMA - Eu sabia cantar, mas a minha voz tá ruim também…

DATENA - Experimenta um pouquinho…

DILMA - Não, não… El día que me quieras…

Pode não saber cantar. Mas, se não mudar a toada, tem tudo para dançar.

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13 de abril de 2010

De uma penosa fragilidade intelectual

O escritor cubano Carlos Alberto Montaner, reproduz em artigo a definição que ouviu de um presidente latino-americano, sobre as opiniões de Lula a respeito dos presos políticos de Cuba:

“Esse homem é de uma penosa fragilidade intelectual. Continua sendo um sindicalista preso à superstição da luta de classes. Não entende nenhum assunto complexo, carece de capacidade de fixar atenção, tem lacunas culturais terríveis e por isso aceita a análise dos marxistas radicais que lhe explicam a realidade como um combate entre bons e maus”.

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12 de abril de 2010

A liberdade como um valor

Recentemente os organizadores da Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, anunciaram que o escritor indiano Salman Rushdie, marcará presença no evento com o romance Luka e o Fogo da Vida. Está é a segunda vez que ele participa da Flip (a primeira foi em 2003, quando esteve no Brasil em companhia da sua namorada, Padma Lakshimi, para promover o romance Fúria). Rushdie se tornou um autor consagrado quando venceu o Prêmio Booker, em 1981, com a obra Os Filhos da Meia-Noite, mas só ficou conhecido em nosso país após a publicação de Versículos Satânicos, em 1981.

O livro conta a história de dois indianos, de religião muçulmana, que sobrevivem a um atenta a bomba em um avião, perpetrado por separatistas sikh
. Após a queda da aeronave, na Inglaterra, um deles (Saladim Chamcha), desenvolve chifres, cascos e um rabo. O outro, Gibreel Farishta, adquire um halo e passa a sonhar com o dia em que conhecerá o profeta Mahound (termo pejorativo que designa o profeta Maomé).

A obra causou um enorme estupor entre os muçulmanos, pois foi considerada ofensiva. A fúria do mundo islâmico foi tão grande que em 14 de fevereiro de 1989, o Aiatolá Ruhollah Khomeini, lider supremo do Irã, publicou uma
fatwa ordenando a execução de Rushdie por "blasfemar contra o Islã":
"Eu informo o orgulhoso povo muçulmano do mundo inteiro que o autor do livro Os Versículos Satânicos, que é contrário ao Islã, ao Profeta e ao Corão, assim como todos os implicados em sua publicação e que conhecem seu conteúdo são condenados à morte. (...) Apelo a todo muçulmano zeloso a executá-los rapidamente, onde quer que eles estejam. (...) Todo aquele que for morto nessa empreitada será considerado mártir".
É isso mesmo! Do alto dos minaretes de Teerã, Khomeiny proferiu a sentença e ordenou a execução da pena do escritor e de todos os implicados na publicação do livro, onde quer que estivessem. Essa condenção fez com que a década seguinte se convertesse num verdadeiro martírio para o romancista, que se viu obrigado a viver escondido, sob proteção da polícia britânica. Esse fatídico episódio fez com que Rushdie assumisse o papel de porta-voz das liberdades civis e inpirou o autor a escrever dois outros ótimos livros: Haroun e o Mar de Histórias; dois romances infanto-juvenis que foram escritos para explicar ao seu filho porque eles tinham perdido a liberdade de expressão.

Em 1998, depois de muita pressão internacional, o Irã finalmente retirou a condenação e o escritor pode, enfim, levar uma vida normal.
Com o seu primeiro romance pós-fatwa, O Último Suspiro do Mouro, Rushdie foi vencedor do Prémio Whitebread. O personagem principal da trama, Moraes Zogoiby, é uma especie de alter ego do autor que descreve a história de sua família e da luta para sobreviver à sentença de morte, determinada por Vasco de Miranda, seu algoz.
"Perdi a conta dos dias que transcorreram desde que fugi dos horrores da fortaleza louca de Vasco Miranda, na aldeia de Benengeli, nas montanhas da Andaluzia; fugi da morte na escuridão da noite, deixando uma mensagem pregada na porta".
Infelizmente, Rushdie não foi o único a sofrer com a perseguição do Islã. A escritora somali, Ayaan Hirsi Ali, também sofreu os horrores de uma perseguição após escrever Infiel, um livro onde ela critica a perspectiva islâmica das mulheres. O jornal dinamarques Jyllands-Posten, também sofreu com a irá dos muçulmanos após publicar uma série de caricaturas do profeta Maomé. Como explicar uma reação como essa? É óbvio que a apatia do ocidente diante da desídia de Rushdie estimulou a reação desmesurada dos Islã. Se as democracias ocidentais tivéssem cortado relações com o regime dos aiatolás naqueles dias, provavelmente não estaríamos às voltas com os arroubos totalitários das teocracias islâmicas.

Para se ter uma ideia do quão desarazoada é a reação do mundo islâmico, imaginem o que aconteceria se o mundo ocidental começasse a agir como eles? Escritores como Voltaire, Diderot, Guerra Junqueiro e Nietzsche, teriam tido seus dias contados e talvez jamais tivessem chegado a ser quem foram. De fato, grande parte dos nossos intelectuais e pensadores criticaram abertamente as religiões e seus mais diversos deuses. Imaginem o que aconteceria se o mundo cristão resolvesse se entregar a esse frenesi destruidor cada vez que recebesse uma dessas críticas? Matin Scorsese teria sido condenado a morte por ter dirigido A Última Tentação de Cristo e Godard... Bem, não quero nem imaginar o que teria sido de Godard com seu infâme
Je Vous Saloe Marie (Eu Vos Saudo, Maria). Felizmente, nós aprendemos com os erros do passado e aposentamos de uma vez por todas livros como o Maleus Maleficarum e o Compendium Inquisitorum.

O jornalista e crítico da sociedade americana, H. L. Mencken,
costumava dizer que "mesmo o homem mais superticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender as suas imbecilidades tanto quanto quiser, mas certamente não tem o direito de exigir que outros - que não partilham da sua fé - as tratem como sagradas". E foi nesse espiríto que a Corte Européia de Direitos do Homem públicou o acórdão de Handyside:
"A liberdade de expressão vale não apenas para as informações ou idéias acolhidas com favor, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam o Estado ou uma fração qualquer da população. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem o qual não existe sociedade democrática".
Espinosa, outro grande pensador ocidental, costumava dizer que a democracia é a única forma de organização política em que os cidadãos podem viver intensa e plenamente sua liberdade. Ao visar à conservação de sua própria existência, os homens se fortalecem na mesma medida em que são livres. O cultivo do medo, ao contrário, impede a experiência da liberdade e o vigor democrático. As lições de Espinosa são antigas e já deveriam ter sido assimiladas por toda a civilização ocidental. No etanto, mesmo aqui, ainda existem aqueles que resistem aos avanços democráticos. Não se iludam! Os bárbaros ainda rondam os nossos quintais. São indivíduos, entidades representativas e partidos políticos, que lutam para impor uma ditadura do partido único aos moldes de 1984. Gente que
aspira à unanimidade e pretende tolher a nossa liberdade, porque não é capaz de conviver com as críticas. Não podemos condescender com algo assim, nem hoje e nem nunca. Do contrário, estaremos escarnecendo da luta de todos aqueles que sofreram a dor de ter um texto modificado, uma ideia condenada, uma foto censurada e uma vida roubada.
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Como será o Brasil do futuro?

"O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê". Mario Quintana

Na revista Veja desta semana, Gustavo Ioschpe escreve um artigo que dá o que falar: Será que o Brasil se tornará a primeira potência de gente semiletrada? Segundo ele, o país está perto de se tornar um colosso econômico, mas se esqueceu da formação de seu povo.

O resumo da ópera é o seguinte: é muito difícil passar de uma situação de subdesenvolvimento e chegar ao chamado Primeiro Mundo. Mas, se o período 1960-92 servir de guia, das duas estratégias possíveis – privilegiar o crescimento econômico versus privilegiar o crescimento humano –, a primeira se mostrou um fracasso total, e só através da segunda é que um terço dos países chegou ao objetivo desejado.

Esse aprendizado é, hoje, especialmente importante para o Brasil. Apesar de todo o oba-oba com o país nas capas de revistas e jornais estrangeiros, o Brasil está, na verdade, perigosamente próximo de repetir a trajetória do fim da década de 60: ser um colosso em termos de crescimento econômico e esquecer a formação de sua gente. Essa estratégia tem destino certo: a falta de pessoas qualificadas faz com que o processo emperre e o crescimento acabe. Temo, inclusive, que seja tarde demais para evitar parte desse enredo: várias indústrias, especialmente as ligadas à engenharia, já têm seu crescimento cerceado pela impossibilidade de encontrar gente qualificada. O problema será muito pior nos próximos vinte anos, à medida que a demanda por pessoas qualificadas for aumentando e as escolas continuarem formando incompetentes.

Há três diferenças importantes entre o momento atual do Brasil e aquele da época do milagre econômico:

A primeira é que o atraso educacional brasileiro em relação aos países desenvolvidos aumentou consideravelmente. Há trinta anos, o ensino superior era um nível para poucos, mesmo nos países mais ricos. Levantamento feito em 2000 mostrou que a porcentagem de adultos com diploma universitário no Brasil era bastante parecida com a de outros países – 1 ou 2 pontos porcentuais abaixo de Chile e Argentina e 3 a 4 pontos abaixo de Itália e França, por exemplo. Quando se olha para a taxa de matrícula atual do ensino universitário, porém, nota-se que o Brasil tem uma diferença de 20 pontos porcentuais para nossos vizinhos latino-americanos e de 40 ou mais pontos para os países desenvolvidos. A maioria dos brasileiros não se dá conta de quão ruim é a educação nacional. Uma pesquisa de 2009 sobre alfabetização, feita pelo Instituto Paulo Montenegro, mostrou que apenas 25% da população adulta brasileira é plenamente alfabetizada. Deixe-me repetir: só um quarto dos brasileiros conseguiria ler e entender um texto como este. Nenhum país jamais se tornou potência com uma população de semianalfabetos. É improvável que o Brasil seja o primeiro, mesmo com todos os recursos naturais de que dispomos.

Segunda diferença: nos anos 60/70, pouquíssimo se falava sobre educação. Hoje, a questão está em pauta. O diacho é que a maior parte do discurso ainda é pré-científica (ou anticientífica) e continua insistindo em teses furadas e demagógicas: que o Brasil investe pouco e que o principal problema é o salário do professor.

A terceira e última é que naquela época éramos uma ditadura inserida no polo pró-americano em um contexto de Guerra Fria, e hoje somos uma democracia altiva em um mundo multipolar. Se então nossos males nos eram impostos por um regime autocrático, hoje temos liberdade e responsabilidade por nossos destinos. Os problemas e os erros são todos nossos, e as soluções também terão de ser.
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9 de abril de 2010

Quando os inimigos de ontem se tornam os aliados de hoje

Em sua passagem pelo estado de Minas Gerais, a ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata petista à presidência da república, Dilma Rousseff, foi fotografada colocando flores sobre o túmulo de Tancredo Neves. Ver a candidata do governo com aquele ar compungido, homenageando aquele que outrora foi um dos maiores inimigos do seu partido, foi no mínimo inusitado. Afinal, o PT foi o partido que expulsou os parlamentares que votaram em Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral de 1985 e se recusou a assinar a Constituição Cidadã, em 1988. Atrevo-me a dizer que se não fosse pelo extinto PDS, Maluf, o candidato da Ditadura, teria se tornado presidente da república.

Quase 25 anos após a morte de Tancredo, Dilma vai até São João Del Rey e deposita uma coroa de flores sobre o seu túmulo acreditando que isso será suficiente para reescrever a história política brasileira. Há quem tenha se deixado levar por esse gesto e afirme, peremptoriamente, que o PT mudou e passou a ser mais consciencioso com a memória do ex-presidente mineiro, mas eu não acredito nisso e vou lhes dizer o porquê: recentemente o congresso realizou uma sessão solene, para homenagear Tancredo e Dilma não compareceu. Poderia ter ido, até mesmo em caráter protocolar, mas preferiu se abster.

De fato, a característica que mais me impressiona no governo petista é a capacidade de fazer promessas capazes de seduzir o eleitor brasileiro e manter a pose de conciliador e benevolente. entre aliados e adversários Todos os dias os jornais, rádios, sites e especialmente os telejornais subvencionados da Rede Globo, nos brindam com uma enxurrada de promessas (sob forma de projetos, reformas e futuras realizações) em que o governo garante tomar providências para mudar a face miserável do país e tornar a vida do brasileiro – vá lá – mais palatável. Essas promessas custam aos cidadãos brasileiros quase 40% de tudo que produzem e raramente são cumpridas. Mesmo assim, o partido goza de uma popularidade considerável entre o eleitorado.

O conde russo Leon Tolstoi, dizia que a desgraça humana residia no fato de, para fugirmos dos ladrões ocasionais, entregarmos nossos destinos aos ladrões organizados que se vendem por benfeitores, os governos. Por sua vez, o cardeal Richelieu, garantia que o governo devia sempre ouvir mais e falar (prometer) menos. Exatamente o oposto do que o governo Lula faz em nosso país. De fato, o governo Lula começou sob a égide da mentira, prometendo criar dez milhões de novos empregos, liquidar com o analfabetismo, acabar com a fome e estabelecer, sem remissão, pela primeira vez na história da república, um regime de “justiça social”. Após 8 anos de mandato, pouca coisa se cumpriu. Se fosse um mineiro, como Tancredo Neves, ou um milico parcimonioso como Emílio Garrastazu Médici, Lula já teria enfiado a viola no saco e partido para outras paragens. Mas escudado pelos seus setenta e tantos por cento de popularidade e empenhando em eleger a sua candidata, ele permanece agarrado a idéia de que o esboço de uma promessa vale mais do que mil imagens.

Daí, a cornucópia da fortuna: são bilhões e bilhões que são liberados diuturnamente para universidades federais com os seus regimes de cotas pluri-supra-raciais, subvenções para PPPs (Putarias Púplicas e Privadas, apud Osíris Filho), ampliação de obras que nunca se realizam, empréstimos subvencionados para o estabelecimento do desenvolvimento sustentado, alianças com políticos que até outro dia eram seus adversários, alvissaras a personalidade que um dia foram vistas como personas non gratas pelo partido e incentivos a países subdesenvolvidos que num futuro nem tão distante, nos garantirão os votos necessários para que possamos ingressar no Conselho de Segurança da ONU. Isso para não falar, é claro, na burocracia planaltina, sempre insaciável e plena de haveres e direitos adquiridos.

No entanto, por uma estranha inversão de objetivos, o governo Lula acumula inúmeros escândalos como o emblemático caso Waldomiro Diniz, onde o sub-Chefe da Casa Civil e homem de confiança do ministro Zé Dirceu foi apontado como um especialista em tomar dinheiro da contravenção do jogo de bicho eletrônico para enfiar nos cofres de campanha do PT; o mensalão, cujos réus ainda não foram julgados e o escândalo da cooperativa habitacional Bancoop. É mantavel, mas o grande enigma para as consciências livres não é mais saber quantas promessas, escândalos, e manobras escusas como a que acabamos de assistir em São João Del Rey, aguardam a população brasileira no próximo ano. Mas sim, em que escala, amplitude ou proporção elas ocorrerão.

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Diga-me com quem andas e te direi quem és

"Cariocas, recortem esta foto. Guardem. Os que querem emagrecer podem até colar na porta da geladeira, porque dá engulhos e tira o apetite. Mas, sobretudo, lembrem-se dela no dia das eleições. É isso que dona Dilma acha que o Rio merece". (Cora Ronai)
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7 de abril de 2010

Mais um pouco e eles exumam Platão!

A 1.ª Conferência Nacional de Educação (Conae), que foi encerrada na última quinta-feira com a participação do presidente Lula, terminou exatamente como as Conferências Nacionais de Comunicação e Direitos Humanos: com uma série de propostas aprovadas cujo denominador comum é a expansão do dirigismo estatal e a supressão da liberdade de iniciativa no setor. Os participantes alegam que o ensino superior é um "bem público", motivo pelo qual a oferta de vagas por universidades privadas e confessionais teria de ser feita por meio do regime de concessão, como ocorre nas áreas de energia, petróleo e telecomunicações. Para os 3 mil sindicalistas e representantes de movimentos sociais e ONGs que aprovaram essa proposta absurda, se cabe ao governo federal "articular" o sistema educacional, a União deveria "normatizar, controlar e fiscalizar" as instituições de ensino superior do País, por meio de uma agência reguladora, além de estabelecer parâmetros para currículos, projetos pedagógicos e programas de pesquisa para todas elas. A justificativa para a aprovação dessas propostas é um clichê: "por visar o lucro, as universidades particulares não se preocupam com a qualidade dos serviços que prestam".

Ora, a ideia de que as insituições privadas de ensino são piores do que as públicas porque visam o lucro é completamente descabida. No último ano, as universidades privadas foram contempladas com uma posição melhor no ranking do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior do que as universidades públicas. Para se ter uma idéia da gravidade da situação das universidades públicas nesse país, se o Ministério da Educação fosse mais rigoroso na aplicação das regras que ele próprio estabelece, diversas instituições federais seriam fechadas. Esse é o caso das Universidades Federais do Vale do Jequitinhonha, que foi inaugurada por Lula sem ter corpo docente, e do ABC, que funciona em meio a um canteiro de obras atrasadas e abriu seu primeiro processo seletivo sem dispor sequer de laboratórios e de bibliotecas.

Não obstante, a tese dos participantes da conferêncua colide frontalmente com a Constituição de 88, que prevê a livre iniciativa no setor educacional, concede autonomia didática, científica, administrativa e patrimonial às universidades e assegura aos Estados e municípios ampla liberdade para organizar suas respectivas redes escolares. Infelizmente, essas pessoas acreditam que a Constituição Federal é apenas um documento cuja importância também deve ser discutida. Seu único interesse é combater a iniciativa privada e aprovadar propostas que esvaziem as competências das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, atribuindo-lhes o papel de meros fóruns consultivos.

Em nome da "democratização" do ensino, eles defendem a inclusão de integrantes da "sociedade civil organizada", nos órgãos educacionais. Com isso, os Conselhos Nacional e Estaduais de Educação deixariam de existir e sindicalistas vinculados à Central Única dos Trabalhadores, militantes de agremiações partidárias e representantes de ONGs sustentadas por dinheiro governamental poderiam interferir na formulação, implementação e execução da política do setor, colocando os interesses corporativos, políticos e ideológicos à frente do interesse público. O número absurdo de entidades representativas que não tinha absolutamente nada em comum com o setor, evidência o que acabo de dizer. No total, havia 40 entidades que atuam em áreas estranhas aos meios acadêmicos como sindicatos e até associações patrimôniais.

E não para por aí! Ainda mais espantoso do que o ranço ideológico das propostas aventadas nesta conferência, foi a reação das autoridades educacionais que prometeram incluir no Plano Nacional da Educação o projeto do MEC, que define as principais políticas educacionais dos próximos dez anos e que em breve será enviado ao Congresso. Nos países desenvolvidos, o poder público estimula o aumento dos investimentos privados no ensino superior. O MEC, que na gestão do presidente Lula não conseguiu diminuir as taxas de evasão e repetência, faz o contrário. Sensato era Mark Twain, que em sua sabedoria, disse que nunca havia deixado que a escola interferisse em sua educação!

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5 de abril de 2010

A Cultura do 'ismo'

Do filósofo Isaiah Berlin, que não chegou a conhecer o petISMO e o lulISMO:

"Alguém observou certa vez que antigamente os homens e as mulheres eram entregues como sacrifícios a uma variedade de deuses; no lugar desses, a era moderna gerou novos ídolos: os 'ismos'. Causar dor, matar, torturar são em geral corretamente condenados; porém se essas coisas não são feitas para meu benefício pessoal, mas por um ismo - socialismo, nacionalismo fascismo, comunismo, uma crença religiosa fanaticamente adotada, progresso ou o cumprimento das leis da história -, então elas estão corretas. A maioria dos revolucionários acredita, secreta ou abertamente, que para criar o mundo ideal os ovos têm de ser quebrados, do contrário não se pode fazer a omelete. Os ovos são certamente quebrados - nunca mais violentamente ou obliquamente do que em nossos tempos -, mas a omelete está longe de nossa busca, recua numa distância infinita".

(Excerto do livro A força das Ideias, SP, Companhia das Letras, 2005).

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3 de abril de 2010

Quando o estado flerta com a censura

Esse é um texto longo e provavelmente muitos de você o acharão cansativo. Estou ciente que a Internet exige um formato mais dinâmico e sucinto, mas o assunto é polêmico e acho que uma exposição mais curta acabaria empobrecendo o debate.

Em 30 de abril de 2009, após o julgamento que aboliu a Lei de Imprensa de 1967, o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, redigiu um acórdão que parecia anunciar uma nova era de liberdade. Num documento de 334 páginas, o ministro fez afirmações firmes e categóricas: "Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do poder judiciário". Em outra passagem, escreveu: "A crítica jornalística não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada”. Em mais um trecho, acrescentou: “Não cabe ao Estado, por qualquer de seus órgãos, definir previamente o que pode e o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas".


Oito meses depois, em 10 de dezembro de 2009, o STF examinou um recurso jurídico do jornal Estadão contra uma sentença que proibia a publicação de reportagens com escutas obtidas na Operação Boi Barrica, que investigou as empresas dirigidas pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. O argumento do jornal era simples e lógico: se não existe "liberdade pela metade", por que a censura prévia? Infelizmente, o argumento não convenceu os outros ministros, que pela primeira vez na história daquela corte, votaram contra um acórdão.

Como o próprio nome diz, o acórdão é uma síntese, ou acordo, que reflete a opinião de todos os juízes do STF. Não é um serviço fácil de se fazer e, muitas vezes, os próprios magistrados se colocam em desacordo quando lêem o texto final. Para resolver qualquer discordância, há um recurso, chamado embargo, que permite aos juízes manifestarem suas discordâncias e impedirem a publicação do documento. Como nenhum dos ministros utilizou esse recurso, ficou subentendido que estavam todos de acordo. Por isso, a votação que manteve a censura contra o Estadão causou tamanha estranheza.

Casos como esse, em que o estado flerta abertamente com a censura, não são raros no Brasil. Já se tornou comum ver o presidente da república tecendo críticas a imprensa e demonstrando interesse em controlá-la. Naturalmente, Lula não é o primeiro presidente a se queixar da cobertura jornalística do seu governo. O que se falava mal da mídia no Palácio do Planalto durante o governo FHC e o que se fala no Palácio dos Bandeirantes de José Serra, por exemplo, ocuparia páginas inteiras de um periódico. Governos de todas as cores e orientações, afirmam que os jornalistas ignoram, com uma freqüência muito maior do que o desejável, o que se faz de bom em suas gestões e destacam o que vai mal porque dá mais publicidade.

Há, no entanto, uma diferença - não de grau, mas de natureza - entre os protestos dos que se julgam injustiçados pelos meios de comunicação e os sistemáticos ataques de Lula à imprensa. Governadores e prefeitos, ministros e secretários, podem deplorar a suposta miopia do noticiário, mas reconhecem o papel da imprensa na manutenção do estado democrático de direito e asseguram que a liberdade de expressão é uma premissa inerente aos regimes democráticos. Lula não parece compreender muito bem isso, pois desde o escândalo do mensalão, em 2005, ele está empenhado em destruir a credibilidade dos órgãos de informação que apontam os dissabores do seu governo.

No passado, ele dizia que não teria se tornado o que se tornou, a ponto de disputar a Presidência da República se não fosse a liberdade de imprensa no Brasil. Afinal, foi ela quem de fato propeliu o seu nome, cobrindo passo a passo a sua trajetória, fossem quais fossem os julgamentos que pudesse fazer a seu respeito. Isso não mudou, mas o que Lula hoje entende por liberdade de imprensa não passa de uma caricatura grotesca. Recentemente, ele afirmou que "é triste quando as pessoas têm o direito de escrever as coisas certas e escrevem as coisas erradas". Ora, nas democracias, as pessoas têm o direito de escrever e ponto. Quem deve definir o que é certo e o que é errado, o que é ético e o que é antiético, o que é de boa e o que é de má qualidade, são os cidadãos. Mas o presidente não pensa assim! Para ele, o certo seria a imprensa dizer que o PAC é uma maravilha e o errado, informar que apenas 11% de suas obras foram concluídas e 54% sequer saíram do papel. Certo seria a imprensa olhar para o outro lado enquanto ele promove, com assombroso despudor, a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff e errado seria chamar de campanha eleitoral antecipada a campanha eleitoral antecipada.

Os historiadores certamente terão muito a dizer sobre a contribuição do governo Lula para o prosseguimento das transformações pelas quais o país começou a passar nos anos 1990. Mas também haverão de registrar que Lula foi o presidente que mais se indispôs com a imprensa livre. Haja vista que ele foi o governante que, com pouco mais de um ano no poder, tentou expulsar do país o correspondente do New York Times por ter escrito uma reportagem (de duvidosa qualidade) sobre o seu gosto pela bebida. Na época, o então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o alertou de que a expulsão seria inconstitucional, pois o jornalista era casado com uma brasileira. Em resposta, ouviu de Lula um sonoro: "F-se a Constituição".

Pois bem! A Constituição de 1988, que Lula mandou se fod..., consolidou a democracia e estabeleceu os parâmetros para uma convivência justa e harmoniosa entre o estado de direito e as liberdades civis. Contudo, 25 anos após o fim do regime militar, sua aplicação ainda é motivo de controvérsia para muitos governantes e juristas. Estão aí a Confecom e o Decreto Nacional de Direitos Humanos, para provar que a tentação de controlar a imprensa continua viva. Felizmente, a história da democracia comprova que por piores que sejam os erros cometidos pelos jornalistas, restringir a sua liberdade de investigar e publicar aquilo que descobrirem, é um erro ainda maior.

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1 de abril de 2010

Os sete minutos

Há alguns meses, a coluna Holofote, de Felipe Patury, na Veja, publicou uma nota interessantíssima sobre o seriado 7 Anos em 7 Minutos, produzido pela TV Brasil:


"Seis ministros relutam em gravar o seriado 7 Anos em 7 Minutos. Na semana passada, eles foram cobrados a filmar logo sua participação. Para quem não sabe, trata-se de uma série de depoimentos na qual os 36 ministros enumeram as virtudes do governo em sua área por sete minutos. No total, a ladainha terá mais de quatro horas. Encomendados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, os programas estão sendo exibidos pela TV Brasil, de Tereza Cruvinel. A audiência, provavelmente, será maior do que a do filme Lula, o Filho do Brasil".


Em ano de eleição, os jornalistas e publicitários que trabalham a soldo dos partidos políticos cortam um dobrado para dar mais visibilidade aos seus candidatos. Franklin Martins e Tereza Cruvinel que o digam! O primeiro programa da série foi gravado no dia 2 de dezembro de 2009, mas só foi ao ar no dia 22 de janeiro de 2010. O protagonista é o ministro da justiça, Tarso Genro, e o episódio pode ser assistido no Blog do Planalto.


O programa é horrível! No total, são mais de quatro horas de exibição em que os ministros do governo Lula fazem propaganda das suas realizações. Uma produção de fazer inveja aos burocratas da DEFA e da Deutsche Film AG. O curioso é que em uma declaração de improviso, fornecida em 10 de novembro de 2003, durante a inauguração do site da Secretária de Imprensa do Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou que "notícia de verdade é aquilo que a gente não quer falar; aquilo que a gente está doidinho para falar não é notícia e sim publicidade".


Não tenho acesso aos dados do IBOPE, mas a julgar pela repercussão – quase inexistente – é óbvio que a série se tornou um grande fracasso. Talvez o desempenho tivesse sido melhor se ao invés de ministros canastrões, os diretores tivessem optado por mulheres frutas recitando trechos do best-seller, Os Sete Minutos, do escritor americano Irwin Wallace.


A obra de Wallace narra a prisão e julgamento do livreiro Ben Fremont, acusado de vender um livro pornográfico chamado Sete Minutos, que teria sido escrito por um certo J. J. Jadaway e relata os pensamentos de uma mulher em cada um dos sete minutos que a conduzem ao orgasmo.


Dada a predileção dos brasileiros por julgamentos e sexo, tenho certeza que teria sido um sucesso retumbante!

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